Vinte e cinco anos são passados, um quarto de século, desde a realização da Conferência Nacional Extraordinária que reorganizou o Partido Comunista do Brasil. A data de 18 de fevereiro de 1962 tornou-se histórica para o movimento operário e comunista e também para o povo brasileiro. Essa data assinala a defesa da antiga organização revolucionária do proletariado que luta pelo socialismo, ameaçada de liquidação pelos oportunistas, e registra, ao mesmo tempo, o início de uma nova etapa na vida do Partido. Vista através destes cinco lustros de atividade contínua, a reorganização partidária significou um salto qualitativo no processo de luta pela emancipação da classe operaria e das massas trabalhadores em geral.

Na época em que se tomou a iniciativa de afastar-se em definitivo dos revisionistas, renegados do socialismo, e de levar adiante a bandeira gloriosa do partido fundado em 1922, não era fácil vislumbrar o desdobramento desse ato. Alcançaria seus objetivos? Venceria as bar4reiras contra ele levantadas? Precedentes não existiam. É certo que no curso da I Guerra mundial, os partidos filiados à II Internacional, dirigida por Kautsky, abjuraram o marxismo e se converteram em colaboradores da burguesia. Somente Lênin e o partido dos bolcheviques resistiram. Desmascararam os trânsfugas e prosseguiram no caminho de Marx e Engels que levou ao triunfo a revolução socialista na Rússia. Diferente porem, era a situação existente na década de 50. O partido que traia a revolução fora o construtor das gigantescas vitórias do socialismo, com grande autoridade no plano internacional. Sob a chefia do aventureiro e arquioportunista Kruschov, o Partido Comunista da União Soviética desviou-se da senda revolucionária e passou a capitanear a campanha desmoralizante e liquidacionista que afetou a quase totalidade dos partidos comunistas, com exceção do Partido do Trabalho da Albânia. Isso se refletiu no Brasil, onde Prestes e seus seguidores passaram de armas e bagagens para o lado dos revisionistas e levaram o seu oportunismo ao extremo de abandoar o velho partido do proletariado e a criar outro, pequeno-burguês, o Partido Comunista Brasileiro, revisionista de ponta a ponta.

Manter e desenvolver o PC do Brasil em semelhante situação exigia enorme esforço teórico e pratico. Poucos eram os quadros e pequena a militância. Acresce ainda que dois anos depois a reorganização, o país sofria o golpe militar que implantou feroz ditadura durante mais de vinte anos. Entretanto, o PCdoB vingou, jamais arriou sua bandeira de combate. Brutalmente perseguido, teve perdas irreparáveis: mais de uma centena de militantes e dirigentes, homens e mulheres valorosos, tombaram assassinados pelos generais fascistas. Maurício Grabois, Carlos Danielli, Lincoln Oest, Ângelo Arroyo, Luis Guilhardini, Pomar e muitos outros, e também Helenira Rezende, Dinalva Teixeira, Lúcia Maria, Suely Kanaiama, Luiza Garlipe, algumas das heroínas da luta nas selvas do Araguaia pela liberdade e pelos direitos do povo – são todos eles, nomes inolvidáveis. Deram com o seu sangue imensa contribuição ao fortalecimento do Partido e à causa da democracia, da independência nacional, do socialismo. Nenhuma violência, por mais bárbara que tivesse sido, conseguiu destruir a organização revolucionária do proletariado brasileiro.

Por que venceu o Partido que, hoje, na legalidade, conta com dezenas de milhares de militantes e centenas de quadros militantes dirigentes?

Antes de tudo, pela justeza da sua orientação política e pela fidelidade ao marxismo-leninismo, doutrina imortal da revolução proletária. No combate ao revisionismo, desde os anos 50, o Partido aprofundou seus conhecimentos teóricos, compreendeu mais a dialética da luta de classes, percebeu melhor a relação entre o que é e o que deve3 ser, entendeu o mecanismo de vinculação da tática à estratégia – a tática enquanto atuação preparatória dos momentos decisivos, e a estratégia como realização, em condições amadurecidas, do objetivo maior visado. O partido soube dar corretas indicações no campo político em constante mutação, acompanhando passo a passo a evolução dos acontecimentos, sem cair no voluntarismo nem no empirismo cego que negam a realidade.

O Partido venceu, também por saber interpretar, em diferentes momentos, o sentimento das grandes massas da população, traduzir em termos políticos o que pensava a maioria do povo. Suas palavras de ordem correspondiam a situações concretas, facilitavam a mobilização popular contra a ditadura. Fomos dos primeiros a levantar a voz por uma Constituinte livre e soberana; a reclamar a anistia para os presos e perseguidos políticos, a exigir o fim das leis de exceção, a clamar por eleições diretas como meio de acabar com o regime militar; a proclamar a ampla união do povo. Fomos pioneiros das campanas pela suspenção do pagamento da dívida externa e dos respectivos juros; pela reforma agrária; pela liquidação do militarismo que tantos malefícios tem trazido ao país; pela criação de uma central sindical única; por uma Constituição democrática e progressista.

O Partido venceu, além disso, porque esteve sempre em ação, buscando o contato com as massas e com as diversas correntes políticas, visando a luta e a mobilização popular. O combate ao sectarismo, à estreiteza pretensamente revolucionária, ao exclusivismo autossuficiente ampliou os horizontes partidários e ajudou a ligação com os trabalhadores e as demais camadas sociais. Organismo vivo, o Partido somente se fortalece e cumpre sua missão se se mantém permanentemente em luta nos mais diversos níveis, de acordo com a situação e o meio em que a realiza, de mãos dadas com todos os que almejam as transformações sociais.

O Partido venceu, pondo em prática os ensinamentos leninistas de que na luta concreta é necessário ter sempre um aliado de massas ‘ainda que seja um aliado temporário, vacilante e instável, pouco seguro, condicional’. É o meio de utilizar as brechas que surgem inevitavelmente entre os adversários da revolução ou trabalhar com aqueles que, por incompreensão, não se situam ainda no campo revolucionário. Nas circunstâncias de uma ditadura militar fascista, essa orientação se fazia imprescindível e foi amplamente aplicada pelo Partido.

O Partido venceu, outrossim, por ter compreendido que, na situação em que vivia o país e face à renegação revisionista dos ideais do socialismo proletário, outras forças revolucionárias emergiam de organizações não-comunistas, que podiam ser atraídas e somadas ao Partido da classe operária. Muitos componentes dessas forças vieram ao PCdoB. Uns ficaram e integraram-se completamente à vida partidária, transformaram-se em autênticos combatentes de vanguarda; outros mostraram-se inassimiláveis, manifestaram acentuadas tendências pequeno-burguesas de índole aventureira, foram excluídos da organização. A incorporação da Ação Popular (AP) ao Partido representou um grande êxito para o fortalecimento do movimento operário no Brasil.

O Partido venceu, isso não se pode esquecer, por haver contado com o apoio do movimento comunista internacional, em especial com a grande contribuição política e ideológica do Partido do Trabalho da Albânia e de seu eminente chefe, o camarada Enver Hoxha; muito ajudou o exemplo na luta pela construção do socialismo nesse país, que arvora a invencível bandeira do marxismo-leninismo.

A trajetória desse Partido nestes vinte e cinco anos indica que a reorganização partidária resultou em mudança de qualidade na orientação e na atividade comunista. Seus documentos essenciais, desde o Manifesto-Programa de 1962, passando pela VI Conferência de 1966 até o Manifesto à Nação de 1975 e o VI Congresso em 1983, bem como os materiais que encaminharam o pedido de legalização do Partido (Programa e Manifesto) demonstram completa coerência. Coerência e veracidade. Neste quarto de século o Partido não fugiu aos problemas espinhosos do curso da vida política, nem marchou à reboque dos acontecimentos. Detectou sempre, no exame da realidade, os elementos suscetíveis  de impulsionar a luta, golpear o adversário e elevar a consciência política das massas. Do ponto de vista da orientação geral, termina em 1962 o longo período em que o Partido, sem dominar os princípios fundamentais do marxismo-leninismo, inclinava-se ora pela direita, ora para a esquerda, sem rumo seguro.

Não se pode dizer que inexistiram erros e deficiências nestes vinte e cinco anos. Seria presunção descabida. O desenvolvimento partidário é fenômeno contraditório. Esses erros, porém, não se refletiram na linha geral e na orientação básica do Partido. Mas trouxeram dificuldades e geraram desorientações momentâneas em alguns escalões partidários. O Partido soube manter-se firme na mais dura clandestinidade, adaptou habilmente sua organização ao período da chamada ‘abertura’, ou seja, à semiclandestinidade, e fez a transição para a fase da legalidade em que atualmente vivemos. Cada um desses momentos tem suas características próprias e obedece a certas leis da luta de classes. A fase da legalidade recém-iniciada demanda maior estudo das novas questões que o Partido defronta e soluções adequadas à organização partidária que precisa absorver a massa de militantes vinda espontaneamente às nossas fileiras, sem suficiente preparação política e ideológica.

Vinte e cinco anos decorreram. Nosso Partido hoje é mais forte – política, ideológica e organicamente – que em qualquer outro período de sua história. Possui rica experiência de luta em todos os terrenos. Certamente, necessita colocar-se à altura dos desafios que a situação complexa do país coloca ante a nação. As contradições em agravamento no seio da sociedade brasileira reclamam soluções radicais.

O Brasil precisa libertar-se da dominação do capital estrangeiro, do sistema latifundiário de propriedade da terra, da exploração monopolista da grande burguesia, do regime político reacionário respaldado no militarismo.

A criação da força capaz de vencer as barreiras do atraso, da opressão e da espoliação imperialista apresenta-se como questão vital. E a condução hábil, sagaz, criativa da atuação dos democratas, dos patriotas, da classe operária e do povo em geral para derrotar os adversários do progresso social joga o papel da maior importância. Os comunistas não podem refutar essa tarefa de primeiro plano.

Que viva por muitos e muitos anos o Partido Comunista do Brasil a fim de tornar vitoriosa a revolução socialista e a construção de uma nova vida de liberdade, progresso e justiça social em nosso país!

Sobre a reorganização de 1962. Artigo publicado no Jornal “ A Classe Operária”, no. 13, de fevereiro de 1987. Republicado em “30 anos de Confronto Ideológico: Marxismo x Revisionismo”, vários autores, 1990, Volume 1 da coleção Socialismo hoje, Editora Anita Garibaldi. O artigo encerra o capítulo III: Opiniões do PCdoB.

João Amazonas foi dirigente histórico, ideólogo e construtor do PC do Brasil, desde 1935, tornando-se presidente do Comitê Central do PCdoB no período da legalidade pós-ditadura militar, em 1985, até o 10o. Congresso do Partido em 2001. Amazonas vem a falecer em 27 de maio de 2002, aos 90 anos.