A liquidação do domínio imperialista e a extinção das sobrevivências feudais são as principais tarefas do povo brasileiro no atual estágio da revolução. Não pode haver amplo desenvolvimento das forças produtivas em benefício das grandes massas, nem cultura e bem-estar para os trabalhadores, tampouco pode existir completa independência nacional sem que se elimine aqueles obstáculos ao progresso do país. Nesta tarefa estão interessados o proletariado, a massa camponesa, a intelectualidade, a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional. Tais classes e camadas sociais, ainda que participem da mesma luta por objetivos comuns, não têm, no entanto, posições idênticas. Diferem em seus programas, sua política e métodos de ação.

A classe operária, pelo lugar que ocupa na sociedade brasileira, é a força revolucionária mais conseqüente. Reclama, por isso, medidas radicais capazes de extirpar as causas da miséria das massas e do atraso do país.

Pugna pelo confisco e nacionalização das empresas e capitais norte-americanos, instrumentos de exploração e opressão do povo brasileiro.

Reivindica a liquidação do latifúndio e a distribuição gratuita da terra aos camponeses, único meio de acabar com as sobrevivências feudais que têm, na propriedade latifundiária, sua mais destacada expressão. Exige uma política exterior independente e o estabelecimento de relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas. Quer eliminar todos os entraves à efetiva democratização da vida nacional. E, como tais objetivos só podem ser realizados por um governo revolucionário, antiimperialista e antifeudal, dirigido pela classe operária, o proletariado luta pela substituição do atual regime e por um governo democrático e antiimperialista. Só assim é possível terminar com a situação de sofrimentos e humilhações em que vive nosso povo e transformar o Brasil num país próspero, livre e independente.

Outra é a posição da burguesia. Ela se opõe ao imperialismo norte-americano e ao monopólio da terra. Mas, com exceção de elementos isolados, não tem em vista a solução radical para eliminar os atuais entraves ao progresso do Brasil. Deseja apenas a introdução de reformas nos marcos do regime vigente. Na atual situação do país, manifestam-se nitidamente as posições reformistas da burguesia. Esta não reivindica a liquidação total do domínio imperialista. Postula tão somente um código de investimentos, que delimite a esfera de aplicação do capital estrangeiro, assim como medidas de restrição aos privilégios que este capital goza no Brasil.

A burguesia não exige o confisco das terras dos latifundiários e sua distribuição aos que nela trabalham. Advoga simplesmente medidas de reforma agrária, modificações de caráter limitado no campo. No que concerne à questão do poder, não pleiteia a substituição do regime vigente. Deseja introduzir mudanças gradativas no governo, a fim de aumentar a sua influência no aparelho estatal. Quanto à política externa, é favorável às relações com os países do campo socialista, oferecendo, no entanto, inúmeras restrições ao intercâmbio normal do Brasil com as nações daquele campo.

Tais objetivos da burguesia, de certo modo progressistas, não conduzirão, porém, à emancipação do país do jugo imperialista. Nenhuma medida que não atinja de maneira decisiva as bases da reação, o latifúndio e o domínio do imperialismo, pode modificar seriamente a situação do Brasil, país dependente e subdesenvolvido. Um código de investimentos será útil, mas não livrará nosso povo da opressão dos monopólios norte-americanos. Algumas medidas de reforma agrária serão positivas, mas não liquidarão o atraso do país, nem a exploração brutal de milhões de camponeses. Já em 1930, a Aliança Liberal, atendendo a reivindicações da burguesia, pleiteava reformas. Muitas delas foram feitas, algumas das quais importantes, como o Código de Águas. Mas isto não impediu que aumentasse a exploração do país pelo capital imperialista dos Estados Unidos e que se conservasse a estrutura econômico-social retrógrada do Brasil. É certo que houve algum progresso. Mas este progresso não resolveu nenhum dos graves problemas que afligem as grandes massas.

Apesar de ter interesses contrários aos do imperialismo, a burguesia teme o fortalecimento e a ação política independente da classe operária.

Assusta-se com as vitórias do proletariado no país e com seus gigantescos êxitos em todo o mundo, principalmente nos países onde o socialismo triunfou. Por isso, a burguesia tende à conciliação com o imperialismo, em que pese todas as divergências existentes entre eles. O mesmo sucede com relação à posição da burguesia face aos latifundiários. Embora sentindo a necessidade da reforma agrária, para ampliar o mercado interno, e do apoio das massas para restringir a concorrência dos monopólios ianques, a burguesia vacila, é inconseqüente na luta contra o imperialismo e o monopólio da terra e chega aos compromissos com os latifundiários e os trustes norte-americanos.

A política adotada pelo Partido, com a Declaração de Março, e agora com as Teses, lamentavelmente, corresponde mais às posições da burguesia do que às do proletariado consciente. Sob o pretexto de combate ao dogmatismo, abandonamos de fato as reivindicações radicais e ficamos unicamente nas reformas, nas denominadas “soluções positivas” e na luta pela conquista de um governo nacionalista e democrático, nos limites do atual regime. Os objetivos básicos da atual etapa da revolução, como a questão do poder antiimperialista e antifeudal, sob a direção da classe operária; o confisco e nacionalização das empresas e capitais norte-americanos; ou mesmo a reforma agrária radical desapareceram, praticamente, dos documentos e da atividade do Partido. Nossa orientação se confunde com a da burguesia reformista, tornando-se difícil, ou mesmo impossível, ganhar as massas para a influência do Partido. São os partidos e as correntes de opinião da burguesia que se fortalecem entre as massas.

Porque a nossa política se limita à luta por simples reformas – no que pouco se diferencia da de outros partidos – não é raro encontrar comunistas que consideram ser melhor atuar no PTB e aparecer simplesmente como “trabalhista”. Afirmam que desta forma podem realizar um trabalho mais “amplo”.

Os camaradas eleitos para o parlamento nacional e para as câmaras legislativas estaduais e municipais não aparecem mais como porta-vozes dos comunistas, o que vinha ocorrendo desde 1946. Em muitos casos, atuam como simples nacionalistas. O resultado desta política reboquista é que, contrastando com a situação favorável que atravessamos, o Partido cresce lentamente, não consegue atrair para suas fileiras os trabalhadores descontentes, nem as pessoas que manifestam simpatia pelos países socialistas devido aos grandes êxitos ali alcançados. Grande parte da massa, que vai se desiludindo dos partidos das classes dominantes, não chega a distinguir, no conjunto das forças políticas, aquela que devia apresentar uma perspectiva capaz de atraí-la para sua influência. A reduzida votação – um sexto dos votos obtidos por “Cacareco” – recebida pelos candidatos do Partido nas últimas eleições em São Paulo, o maior centro industrial do país, é bem um indício de que as massas não vêem ainda em nós a força que deve mostrar a solução aos seus problemas. A imensa popularidade de que goza em nosso país o herói nacional de Cuba, Fidel Castro, é um sinal de que o povo brasileiro, insatisfeito com a atual situação, está à procura de uma saída. Esta insatisfação das massas e a ausência de uma orientação justa do Partido podem levar ao surgimento de aventureiros que, utilizando linguagem demagógica, enganem as massas e as arrastem a uma política contra os seus próprios interesses.

O Partido precisa de uma linha que apresente às massas a solução verdadeira de seus problemas e indique o caminho para alcançá-la. Ficar somente nas reformas e mudanças dentro do atual regime, nas modificações da política e da composição do governo, é não dar uma perspectiva clara ao povo. Precisamos dizer às massas onde residem as causas profundas da difícil situação que atravessam e mostrar-lhes, simultaneamente, a necessidade de mudar o atual regime, de lutar por um governo democrático e antiimperialista que liquide com o jugo dos monopólios norte-americanos e com o latifúndio, que garanta a liberdade e o bem-estar para o povo.

Ao mesmo tempo, o Partido deve incluir no âmbito de suas atividades a luta pelas reformas. Ao fazer isto, os comunistas têm em vista que as reformas estão subordinadas à luta pela solução radical dos problemas da etapa atual da revolução. Não desligam a luta pelas reformas daquele objetivo. Por isso, apresentando reivindicações parciais, o Partido procura não só mobilizar as massas para conquistá-las como também esclarecer, educar e organizar os trabalhadores, visando alcançar um governo diferente do atual. Exemplo significativo é o do monopólio estatal do petróleo. Esta conquista constitui uma reforma. Mas a luta para realizá-la foi fator de elevação da consciência antiimperialista das massas. É importante salientar que a campanha do petróleo foi efetuada contra a política dos governos que desejavam entregar o petróleo à Standard Oil.

Todavia, o monopólio estatal, enquanto vigorar o atual regime, estará sempre ameaçado. Daí a necessidade da vigilância permanente das massas para defendê-lo. Esta luta ajuda o povo a ir compreendendo ser preciso mudar o regime. Se as reformas não forem encaradas desta maneira servirão para reforçar o atual regime reacionário e contribuirão para decompor o movimento revolucionário.

A linha política da Declaração e das teses confunde a acumulação de forças com a acumulação de reformas. Vê, fundamentalmente, a solução dos problemas brasileiros pelo prisma econômico, através da soma “gradual, mas incessante” de reformas. Quanto mais reformas forem sendo acumuladas, mais próximos estaremos das transformações radicais. Isto constitui, porém, um grave erro. A solução dos problemas básicos do nosso povo será obtida, sobretudo, por um processo político de crescimento da consciência revolucionária das massas e de seu nível de organização. O proletariado russo foi derrotado em 1905. Contudo acumulou forças, já que a revolução daquele ano elevou a consciência revolucionária das grandes massas e debilitou o poder dos seus inimigos.

O movimento revolucionário de 1935 no Brasil, apesar da derrota e dos inúmeros erros cometidos, contribuiu, no entanto, para despertar amplos setores da população pra as idéias democráticas e de emancipação nacional. A reforma nem sempre permite a acumulação de forças. Pode-se dar também o caso de haver tal acumulação sem que se tenha alcançado reformas.

Assim, a justa relação entre a luta por um poder antiimperialista e antifeudal e a conquista de reformas nos marcos do regime vigente, é uma questão que deve ocupar lugar importante na linha política do Partido. Tanto é prejudicial ficar apenas nas soluções radicais, como no caso do Manifesto de Agosto, ou unicamente nas reformas, como agora se verifica. A política reformista engana as massas e dificulta enormemente o avanço do movimento revolucionário.

A linha reformista que estamos dotando é defendida por alguns camaradas com o argumento de que ela decorre das mudanças verificadas na situação internacional, em particular, com o crescimento do socialismo no mundo. Afirmam que vivemos agora numa época de transição do capitalismo ao socialismo e interpretam, ao que parece, este fato como se o capitalismo fosse se integrando aos poucos no socialismo.

Esquecem-se de que esta transição começou em 1917, e não vêem que semelhante conclusão leva ao maior dos absurdos: quanto mais forte for o socialismo no mundo, menos revolucionários devemos ser no Brasil.

Confundem as possibilidades do caminho pacífico com o reformismo e, assim, transformam-se em evolucionistas, acreditam que por meio da conquista de “soluções positivas”, poder-se-á, não se sabe quando, chegar a um poder antiimperialista e antifeudal e, depois, ao socialismo. O camarada Mikoian, no XX Congresso do PCUS, deu uma réplica adequada aos que pensam deste modo. “Não se pode confundir o problema da possibilidade do desenvolvimento pacífico da revolução em certos países com o reformismo. É preciso ter em mente que a revolução – pacífica ou não – sempre será uma revolução, enquanto que o reformismo é sempre marcar passo inutilmente no mesmo lugar. Para vencer a classe operária deve lutar incansavelmente contra o reformismo e contra as ilusões por este originadas em suas próprias fileiras”. É inegável que se verificaram profundas transformações na situação mundial, com o aparecimento de um sistema de países socialistas, o que não pode deixar de exercer séria influência no movimento revolucionário em geral. Mas é um completo contra-senso considerar o avanço do socialismo no plano internacional como um amortecimento da luta revolucionária em cada país.

Em nosso caso, a marcha triunfal do socialismo no mundo se, de um lado, desperta milhões de pessoas para as idéias progressistas, fortalecendo o movimento democrático e de emancipação nacional, por outro, aumenta o desespero e a resistência das forças reacionárias, levando à radicalização da luta, ao aguçamento das contradições que só poderão ser solucionadas com a revolução. Por isso, não se deve refrear as ações contra os inimigos mortais do povo brasileiro.