Em seu primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou em seu discurso de lançamento do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) uma metáfora precisa para o debate sobre as “reformas” sindical e trabalhista. “O desafio está colocado, a bola está com vocês. Bom jogo e boa luta”, disse ele. Mais do que indicar uma ideia que se tem da relação entre capital e trabalho, a metáfora reflete uma imagem que o movimento sindical faz de si mesmo. Aparece aí uma dicotomia clara: dois times em disputa irreconciliável, duas metas radicalmente opostas — uma à esquerda e outra à direita. O governo seria o árbitro.

O FNT naufragou, mas ficou a ideia, agora aplicada pelos golpistas, de que o trabalhador é intrinsecamente dono de seu destino e que o modelo de organização sindical da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição é “autoritário” — e, por isso, o sindicalismo vive entregue às mazelas. Os trabalhadores, no capitalismo, não são donos de seu destino porque o lugar onde trabalham não lhes pertence. Sua a organização se funda no ideal de inverter a primazia do capital sobre o trabalho e na conquista da sua plena emancipação social. No sentido oposto, o capital, na precisa formulação de Vladimir Lênin, aplica dois métodos fundamentais na luta política pela conservação de seu domínio sobre o trabalho — substituindo um pelo outro conforme as condições existentes ou utilizando-os simultaneamente em diversas combinações.

Um deles é a violência aberta, a privação de direitos políticos para os trabalhadores. O outro é o liberalismo. Proclama-se a “cooperação” entre capital e trabalho, a “liberdade geral”, a “igualdade de oportunidades” e a ideia de um “capitalismo popular”. Se na época do líder bolchevique era assim, hoje em dia esse segundo método é mais explícito. Direitos arrancados com lutas acirradas são tidos como concessões bondosas do capital. A verdade é que, diante das lutas populares, a elite entregou parte dos anéis, manteve os dedos e, em consequência, o capital balanceou melhor sua relação com o trabalho. E, em toda essa trajetória, o conceito de unidade sindical esteve sempre presente. Tivemos o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), o Pacto de Unidade e Ação (PUA) — dentre outros. Ao longo da década de 1990, mesmo com a ofensiva neoliberal, o sindicalismo brasileiro conseguiu, à custa de um bocado de dor, manter as conquistas históricas dos trabalhadores.

Hoje, os conceitos de liberdade e autonomia sindical são alinhados automaticamente, pelo capital, com o neoliberalismo. Tenta-se vender a ideia de que a relação entre capital e trabalho nunca se aproximou tanto de um patamar pacífico. Em nome de um suposto “custo Brasil” elevado, a palavra de ordem do capital é a redução dos encargos sociais. Essa retórica permeou toda a “era FHC” e esteve nos planos de todos os ministros do Trabalho do período neoliberal, de Paulo Paiva a Francisco Dornelles. E voltou com força com o golpe de 2016. Em bom por português: essa “reforma” trabalhista representou a troca do futuro pelo passado.

No fundo está a lógica da hierarquia de classes, que atua como um feitor: domestica a plebe, supervisiona a execução das tarefas, coíbe as conquistas trabalhistas. De mãos livres, ela arranca com seu garrote o cumprimento das metas de produção e custo estabelecidas pelo capital. Como resultado, temos na sociedade, majoritariamente, uma conduta de exploração e milhões de patrícios trabalhando pela comida ou por pouco mais do que isso. Temos ainda a dominação de oligarcas que consideram desacato, ofensa pessoal mesmo, o fato de serem tratados como iguais. Está claro que a derrocada dessa tradição autoritária passa pela decidida luta de classes no país. A receita é conhecida: clareza de objetivos, combatividade, unidade.