Em comum, os agentes públicos (três deles, médicos) expressam sua perplexidade com os enormes gargalos do Brasil frente ao controle da pandemia de covid-19, devido à omissão do comando nacional. Discutiram as necessidades sociais, tecnológicas e discursivas diante da necessidade de uma quarentena rigorosa para o enfrentamento do pico epidêmico que deve ocorrer nas próximas semanas.

O presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloízio Mercadante, começou apresentando questões atuais que afetam a dinâmica do combate à pandemia, como a desinformação provocada por desencontro entre posturas de governantes, o baixo impacto da epidemia em cidades de interior, enquanto nas capitais o sistema de saúde beira o colapso, a necessidade de uma saída planejada e sustentável da quarentena, além da onipresente falsa oposição entre saúde e economia.

Mercadante ainda propôs reflexões sobre a pauta emergente do lockdown (isolamento social rigoroso). Como ter quarentena rigorosa sem apoio de forças armadas e do governo federal, que se mostrou fundamental em outros países? Também questionou a possiblidade de flexibilização da quarentena, mantendo a proteção em algumas localidades, já que muitos municípios de interior apresentam baixo impacto de contágio.

Outra questão aos gestores foi a ausência de uma política econômica para sustentar um lockdown, considerando que a ajuda emergencial é burocratizada e insuficiente e pequenas e microempresas têm dificuldades de acesso a crédito barato. Mercadante ainda alertou para o limiar de uma crise mais grave com milhões de trabalhadores frequentando metrôs, conforme comece se abrir a economia de capitais como São Paulo. A ciência e tecnologia também pautou com protagonismo o debate.

Falta de comando nacional e desigualdade social

Longo diz que o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), entendeu a dimensão múltipla da crise sanitária que emergia. “Ele entendeu que a crise transcendia o aspecto sanitário e se tornava sócio-econômica, por isso decretou o isolamento ainda em 14 de março e envolveu todos os secretários de governo em ações específicas”, relatou.

Procurou manter uma transparência de dados com vigilância em saúde ativa. Mas o esforço de resposta à epidemia foi limitado pela dificuldade de testagem. Para ele, um legado que fica desse episódio é a necessidade de “investir em ciência e tecnologia, financiando laboratórios em saúde pública com grande investimento no parque tecnológico para ficarmos menos dependentes dos insumos internacionais”. Longo observa os 10 bi dólares de déficit na cadeia tecnológica.

Mas o governo pernambucano procurou “fazer o máximo possível, dentro das nossas limitações”. Foi possível, por exemplo, promover uma colaboração com o setor privado por meio do sindicato dos hospitais. “O problema é que a ocupação no setor privado também é alta”. Outra vantagem foi a harmonia do governo estadual com a prefeitura de Recife, epicentro da epidemia no estado.

Ele conta que Pernambuco chegou a medir 70% de isolamento, com resultados bons de baixo contágio no inicio. “Mas a liderança negativa do Bolsonaro passou a ocupar a mídia e passamos a ter perda ao longo do tempo que fragilizou uma série de controles. Temos curva de isolamento menor”, lamentou.

Outro problema apontado foi a falta de um posicionamento claro do novo ministro da saúde. A ideia de um lockdown se coloca como necessária, conforme a epidemia se agrava, mas, na opinião dele, deverá ser mais tímido do que se tivesse uma unidade nacional em torno da ideia.

Ele exemplificou com o sucesso da quarentena em Fernando de Noronha, considerada a cereja do bolo do combate à epidemia no estado. Depois de começar a apresentar 28 casos, a ilha passou por uma quarentena rígida e apresentou excelentes resultados. “Noronha teve testagem e quarentena modelo. Em 20 de abril, já não tivemos mais casos, revelando-se um projeto piloto.” Foram realizados 50 testes por mil habitantes na comunidade, o que é um índice alto de testagem.

Mas ele admite que, fazer isso numa cidade com as dimensões da desigualdade qeu apresenta Recife, é outro desafio. Começa pelas “coronacaixa”, que é como os recifenses chama as filas da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial. “E o drama é pior pelo nível de desinformação. Muita gente na fila nem sabe se vai receber o benefício”, diz ele.

Ele acredita que é preciso ter um mínimo de unidade de comando para conseguir que, em tamanha desigualdade, seja possível realizar um “lockdown a pernambucana”.

Em momento de unidade, o governo de confronto

Chioro fez questão de enfatizar de cara que “estamos no começo da epidemia”. “Nem de perto chegamos ao pico da curva epidêmica, que deve se dar, segundo projeções, na primeira semana de junho”, disse, em resposta à baixa incidência da doença em localidades mais interiorizadas.

Para o ex-ministro, os desafios sanitários se juntam a aspectos econômicos e sociais, num país profundamente desigual. Ele mencionou a incidência da doença quando chega a periferias de condições habitacionais muito precárias com dificuldades de manter isolamento. Para ele, a estratégia para proteger essas populações são muito tímidas para esta realidade.

Para piorar, Chioro mencionar a “realidade tupiniquim” de crise política no meio de uma hecatombe social. Ele se refere ao modo confrontador como Bolsonaro lida com cientistas e profissionais de saúde, gerando conflitos que levaram à demissão do ministro da Saúde, assim como conflitos com o ministro da Justiça, que também se demitiu, mantendo o Planalto em polvorosa por motivos que não são a pandemia.

“Temos um sistema de saúde que está à deriva na unidade nacional”, disse ele. Chioro considera que o Brasil teve vantagem em relação à Europa e Ásia, pelo tempo ganho até o começo da epidemia, “mas o governo federal comeu bola”. Felizmente, lembra ele, houve bons resultados na curva epidêmica, devido ao isolamento feito, inicialmente, pelos governos locais.

Chioro foi enfático ao criticar politicamente o governo pelo desmonte de programas que seriam fundamentais no combate à epidemia. “A desmonagem do programa Mais Médicos e da atenção básica cobra preço altíssimo da capacidade de resposta a casos assintomáticos leves e de atenção a pessoas com doenças crônicas e comorbidades”. Ele elogiou a instituição de brigadas pela saúde no Nordeste, uma medida que busca prevenir o contagio nos bairros mais pobres e populosos, antes que os casos cheguem aos hospitais.

Chioro também lamenta a subnotificação de casos. “Este aspecto diz respeito à testagem, pois olhamos pelo retrovisor para três semanas atrás. Em vez de 100 mil podemos estar em um milhão de casos”, observa.

Um último aspecto fundamental, segundo ele, seria a incapacidade do governo federal de garantir equipamentos médicos, a incapacidade da indústria nacional de fornecer os insumos necessários, e a falta de investimento na Fiocruz e em laboratórios, o que não permite sequer que produzamos o mínimo necessário para garantir a operação segura.

Há ainda a desigualdade de distribuição de leitos de UTI pelo país, como demonstra o caso do Amazonas. Os 14.900 leitos de UTI para adultos disponíveis no Brasil mostraram ser insuficientes por não se distribuir homogeneamente.

“Mandetta teve a pachorra de anunciar um senso para saber quantas UTIs tinham. Sequer sabia quais os movimentos das secretarias locais para o combate à pandemia. Perdemos quase 40 dias por incompetência e omissão”, lamentou.

Finalmente, ele mencionou a subordinação da saúde aos limites da economia. Para Chioro, não tem outra alternativa senão radicalizar o isolamento, com condições econômicas mínimas para as pessoas subsistirem. Ele considera impossível fazer lockdown fora dessas condições.

Além disso,  a testagem precisa dar a orientação. “Lockdown não pode ser adotada no país, de norte a sul, de leste a oeste, mas observando as diferenças pela testagem com autoridades sanitárias”. Ele mencionou o exemplo de Portugal, que teve autoridade única de comando, ampla testagem, com subsistência garantida para todos, enquanto for necessário. Agora, colhem o fruto de começar a flexibilizar a quarentena, ainda que de forma cuidadosa.

“Aqui, a epidemia vai representar o genocídio da população trabalhadora que sempre paga o preço das disputas políticas entre as elites”, disse. Também criticou a qualidade da comunicação brasileira que abre brechas para os ataques do Bolsonaro.

O encontro da política econômica fiscalista com a desigualdade social

Temporão destacou o fato do vírus estar surpreendendo a comunidade científica. O que acreditava-se ser o agende uma pneumonia, mostrou que a doença é mais sistêmica que isso, atingindo o cérebro, pulmão, intestino e a pele. Todas essas descobertas dramáticas acontecem em meio à mortandade. “A maior base de produção científica do mundo reúne sete mil artigos só sobre coronavírus e ainda sabemos muito pouco”. 

O ex-ministro criticou os “alardes irresponsáveis” de remédios pelo presidente e o ministro da Ciência e Tecnologia, “remédios que, para meu espanto, são usados como protocolo em hospitais do Rio de Janeiro”.

Mais de uma centena de projetos de desenvolvimento da vacina, por sua vez, enfrentam o desafio científico e produtivo. Ele mencionou o caso da vacina contra influenza, que não tem proteção prolongada. “Também não temos condições de vacinar bilhões de cidadãos, enquanto os países que desenvolverem a vacina vão colocar sua fila de cidadãos na frente. Mas o Brasil tem vantagem por duas instituições”, disse, citando o Instituto Butantã, em São Paulo, e a Fundação Oswaldo Cruz Bio Manguinhos, no Rio de Janeiro.

Temporão citou os 400 mil testes feitos no Brasil, até agora, quando deveriam ser 300 mil por dia. “Concordamos que a postura irresponsável do presidente enfrenta a lógica, a ciência, a OMS e autoridades da saúde. Estamos sem Ministério da Saúde há duas semanas”, declarou.

Segundo o ex-ministro, somos o país com maior taxa de disseminação da doença, projetando um mês de maio “muito dramático”. O fator de disseminação do vírus, que é de 1,5, deveria estar abaixo de um ou próximo de um, segundo ele, para manter uma curva baixa de contágio.

Ele lembrou o comentário da Dra Margareth Dalcomo, de que a singularidade da desigualdade social no Brasil, faz com que mais jovens tenham doenças crônicas e estejam internados. “O olhar da mídia e dos especialistas foi um olhar de classe media, recomendando home office. Mas logo ficou evidente que o vírus é pouquíssimo democrático e todos seriam chamados ao controle”.

Temporão citou os 10,5% de média de mortalidade na cidade de São Paulo, quando em Perdizes, bairro nobre, o índice é de 1,1% e em Marsilac, extremo de pobreza, chega a 24,6. A idade média de mortes em Moema é de 80 anos, enquanto em Cidade Tiradentes chega a 57 anos.

“A política econômica não está a serviço da saúde pública. A ajuda governamental não chega, e quando chega atrasada é insuficiente”, atacou. Para ele, como fazer uma quarentena mais rígida com as pessoas em situação precária buscando desesperadamente por garantir a subsistência econômica?

Ele concorda que, o que têm em comum os países que controlaram a epidemia, é o comando único nacional. “Aqui, temos ruptura, pois o presidente incorre em crime de saúde pública todo dia ao infringir a quarentena. E não tenhamos ilusão, o ministro da saúde não vai mudar a opinião e apoiar lockdown. Esqueçam!”, ressaltou.

Para Temporão, o que nos resta fazer é um governança paralela. Ele fica indignado como o governo insiste em manter uma política econômica que não apoia, não sustenta e não protege. “Sabemos quem são os responsáveis, que tenho certeza serão levados a responder na justiça”, defendeu.

Dependência tecnológica cria enorme vulnerabilidade

Carlos Gadelha é especialista em inovação, ciência e tecnologia em medicina. Ele agradeceu o convite do presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, cuja instituição leva o nome de seu tio-avô, do qual se orgulha muito.

“A pandemia do coronavirus escancara a visão que desenvolvemos na Fundação Oswaldo Cruz, em que a questão econômica é um problema de saúde publica”, diz ele.

Ele também citou o déficit comercial em que o acesso aos produtos médicos ficou limitado nessa pandemia com o mercado de vacinas concentrado em 4% do mercado global. “Felizmente, temos a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã”, repetiu, mencionando as instituições que desenvolvem vacinas no país.

Para ele, a agenda econômica e a agenda social são interdependentes. “Sem uma agenda industrial, temos um SUS com pés de barro”, declarou, mencionando a necessidade de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

Sem projeto nacional, fica evidente que o Brasil pode ter e sofrer de novo com outra pandemia, com dificuldades no acesso a tratamento para câncer, que sempre vão envolver desigualdade, sistemas universais resilientes e suporte política industrial.

Para Gadelha, a política social tem que envolver expansão, pois a saúde é parte da solução de curto prazo. “10% do emprego formal está na saúde, que é ponta para a entrada do Brasil na revolução 4.0”, destacou. A inteligência artificial, segundo ele, poderia estar monitorando e dando uma realidade mais concreta sobre a situação nos municípios.

Ele criticou a extinção de um grupo que envolvia 14 ministérios e agentes sociais das áreas científicas e empresarial para discutir investimento em ciência, tecnologia e inovação. “Vemos que toda a institucionalidade criada para enfrentar essa crise foi desmontada”, lamentou, mencionando ainda números da queda drástica de investimento em indústria biomédica, de R$ 10 bi para R$ 50 mi. Com isso, temos 60% de dependência de materiais médicos com 80% se considerarmos os componentes importados pela nossa indústria. Isso cria uma vulnerabilidade imensa, pois 94% da produção conteúdo fármaco é importado. “Isto envolve todo o sistema produtivo”.

Ele considera que as alternativas estão num sistema de proteção social para geração de emprego e renda. A injeção de R$ 22 bi em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conhecimento que se torna riqueza para a sociedade.

Ele mencionou a Marcha pela Ciência, que ocorre no próximo dia 7, um grande movimento que demanda forte envolvimento de todos os setores progressistas. Ele acredita que é preciso dar centralidade à ciência, tecnologia e inovação em momentos como esse. 70% por cento de recursos contingenciados em plena pandemia. “Tem que ter luta para reverter e atenuar a contenção do investimento público e descontigenciar R$ 4,2 bi da Ciência, Tecnologia e Inovação”, concluiu.