O jornalista e diretor da revista Forum, Renato Rovai, participou do debate do Observatório da Democracia, observando que para incidir nesse processo político comunicacional é preciso entender que vivemos não apenas uma crise da democracia, mas também do sistema midiático.

“Precisamos construir novas cercas, para novos muros, mas sem que isso signifique fechar, mas para proteger esse ecossistema. Se proteger do gabinete do ódio, dessas fake news construídas por máquinas de mentiras e financiadas por grandes empresários com interesses econômicos por trás. Como fazer isso de forma democrática elevando a liberdade de expressão e imprensa ao extremo possível, protegendo a democracia desses ‘vagabundos’, para dizer um termo bem generoso”.

Ele mencionou o debate sobre a diferenciação entre a mídia convencional e esses novos agentes de comunicação, em que os primeiros construíram um selo de “jornalismo profissional”, para se diferenciar. “Profissional por que? Porque têm mais títulos, porque pagam salários? Não é verdade, inclusive somos atores da empregabilidade. Se juntar vários veículos nossos, provavelmente empregamos mais do que uma Folha de S. Paulo, por exemplo. Sem falar em veículos fora do eixo Rio-São Paulo”, comparou.

Em 2010, Rovai lembra que a mídia alternativa já era “player” de jornalismo. “Quem desbarataria aquela história da bolinha de papel na eleição da Dilma?”, disse ele, sobre o papel que alguém jogou no tucano José Serra, que tentou se fazer vítima de um atentado com o incidente. À época, imagens desmascararam o candidato. “Tem outras pautas que não foram feitas pela Globo e não seriam feitas pela Globo”.

Rovai acredita que é exatamente essa influência da mídia independente em muitos momentos da política nacional, “que incomoda por demais”. O jornalismo correto que procuram fazer, é chamado de sujo por veículos da mídia corporativa. O jornalista salienta que, em boa parte, esse jornalismo é baseado no padrão norte-americano, que é mais posicionado politicamente. “O New York Times faz editorial indicando voto no candidato que defende. Aqui, fazem de conta que o dono do jornal não tem posição eleitoral”, critica ele, dizendo que isso provoca uma falsa sensação de neutralidade na população.

“Na época das privatizações do Fernando Henrique, todos se uniram numa só voz, um pensamento único de defendê-las. Não havia contraditório”, lembrou ele. Se a imprensa independente estivesse lá, acredita ele,  esse debate teria vindo à tona. “Teríamos incomodado muito”.

Embora a imprensa corporativa chame os jornalistas da mídia independente de não-profissionais, do  seu lado estão Luís Nassif, Paulo Moreira Leite, Paulo Henrique Amorim, já falecido, Paulo Nogueira, todos com décadas de jornalismo nos mais diversos veículos. “E eles tratam como se estes profissionais não estivessem fazendo jornalismo sério”.

Rovai diz que muitos “coleguinhas” compraram esse PF (prato feito) do patrão e ficaram fazendo discurso e repetindo. “O Fernando Rodrigues, do alto de sua arrogância, nos perseguiu por verbas absolutamente justas de comunicação, que um ou outro veículo tinha. E que agora, não temos”.

Mas Rovai defende que, “do lado de lá”, também se faz jornalismo. Por “o lado de lá”, ele está se referindo à extrema direita, não à imprensa corporativa. “O Antagonista é um horror, mas tem informação, tem fontes, faz jornalismo. Fazem conluio para perseguir pessoas, coisa que não fazemos, servindo de release de imprensa para o lava-jatismo e a perseguição ao Lula”.

E tem aqueles que são muito piores e não podem participar de um “ecossistema de informação”, porque falsificam documentos, fotos, mentem. “Muito como, cá entre nós, a Veja fez no passado. Ou a capa da Folha, num domingo, com a ficha da Dilma, que é uma das maiores vergonhas do jornalismo brasileiro”. Ele se refere à ficha fabricada nos mesmo gabinetes do ódio da internet daquela época, nos comitês de campanha do tucano Aécio Neves. “Foram dar um ‘Erramos’ minúsculo, quinze dias depois, na coluna do ombudsman”.

Os jornais sempre tiveram e terão posicionamento, enfatiza ele. “Eles se criaram a partir de posicionamentos antimonárquicos, anti-escravocratas. Esse posicionamento tem que respeitar a verdade factual, isso sim”.

Infelizmente, Rovai lamenta que os jornalistas da imprensa corporativa não queiram dialogar com os jornalistas da mídia independente, porque, no momento em que os aceitarem, estarão assinando a perda de uma parte do mercado editorial que sempre foi deles.

A revista Forum fez uma pesquisa ampla com aspectos importantes de confiabilidade da opinião pública que foi ignorada pela esquerda, que prefere citar a Pesquisa XP, quando os resultados de ambas se encontravam. “Nossa pesquisa, inclusive, tratou de temas sensíveis para a esquerda, ao dar um resultado muito ruim para a confiabilidade nos sindicatos (11,5%), por exemplo”, alertou.

Rovai diz que investiu em pesquisa porque quer qualificar o jornalismo que faz na Forum. Na pesquisa, a Presidência da República aparece com 25% de confiança enquanto a imprensa tem 14%. “Dados assim deveriam servir como parâmetro, como um ISO 9000, para serem considerados dentro de um ecossistema de comunicação”.

Ele acusa a imprensa tradicional de usar o conteúdo da mídia independente, com a mesma abordagem e fontes, e sequer citar de onde tirou. “Assim, como gente do nosso campo também faz isso, sem sequer colocar um link. Eu quero ser imprensa respeitada de todos os lados. E com posicionamento. E não é posicionamento a favor desse ou daquele governo, sendo taxado de chapa branca, nem a favor de partido, mas um posicionamento vinculado aos movimentos sociais, dos valores democráticos e da justiça social. Até por isso, somos atacados por todos os lados”, enfatiza.

Ele considera que seria interessante interagir com jornalistas da imprensa tradicional para discutir padrões mínimos de jornalismo. No entanto, muitos deles temem fazer isso publicamente por medo de serem demitidos.

Rovai também critica a criminalização da esquerda promovida pela imprensa. Recentemente, na Rede Globo, não aparecia ninguém da esquerda há muito tempo para entrevistas ou comentários. Ele contou que, na França, tem tempo regulamentado para a oposição falar na imprensa, se o governo tiver voz. Lá, tem inúmeras formas de regulamentação, diz ele, que aqui sempre foram tratadas na imprensa como censura.

“O Bolsonaro fala de liberdade de expressão para ter autorização para discurso de ódio pedindo a morte de ministro do Supremo, senão é censura”, comenta ele, sobre o modo como conceitos liberais estão se distorcendo.

Para ele, é preciso fazer a lição de casa de chamar boa parte da inteligência nessa área, com associações patronais, FNDC, Intervozes, Barão de Itararé e universidades para tentar construir um novo conselho das comunicações. “Para nos defenderos em bloco quando formos atacados, assim como condenar em bloco aqueles que estão fazendo uso do jornalismo de forma criminosa, como esse Jornal da Cidade”, disse ele, sobre o veículo de ultra direita, propagador de fake news, que é financiado por grandes marcas e até pelo Banco do Brasil.

Os comentários de Rovai fazem parte do debate ocorrido, nesta quinta-feira (28), promovido pelo Observatório da Democracia, sob o ciclo Diálogos, Vida e Democracia, com o tema Jornalismo, Comunicação e Política nas Redes Sociais. O Observatório da Democracia reúne as fundações Maurício Grabois, Perseu Abramo, Leonel Brizola-Alberto Paschoalini, João Mangabeira, Lauro Campos e Marielle Franco, Claudio Campos, Ordem Social e Astrojildo Pereira.

O debate teve a mediação da jornalista Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acompanhado dos convidados Sergio Denicoli, diretor da AP Exata – Inteligência em Comunicação Digital, e Leonardo Attuch, jornalista e diretor do portal Brasil 247.