As Centrais sindicais e a crise brasileira foi o tema do ciclo Diálogos, Vida e Democracia, promovido pelo Observatório da Democracia. Sob a coordenação do economista Nilson Araújo, da Fundação Claudio Campos (PPL), o evento ainda tem a participação de outras sete fundações partidárias, como a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLC-MF do PSol), Maurício Grabois (PCdoB), Perseu Abramo (PT), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), João Mangabeira (PSB), Ordem Social (PROS) e Astrojildo Pereira (PPS).

Como convidados, o debate do dia 13 de junho reuniu Adilson Araújo – presidente da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil; Antônio Neto – presidente da CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros; Davi Zaia – vice-presidente da UGT – União Geral dos Trabalhadores; Edson Carneiro Índio- secretário geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora; José Calixto Ramos – presidente da Nova Central; Miguel Torres – presidente da Força Sindical; Thaísa da Silva – Secretária geral da CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares; Ubiraci Dantas de Oliveira – presidente da CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil e Valeir Ertle – secretário de assuntos jurídicos da CUT – Central Única dos Trabalhadores.

O presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), Adilson Araújo, mostrou que a situação dos trabalhadores já não era nada confortável pré-pandemia. Em sua leitura, desde o golpe de 2016, com a Emenda 95, do teto de gastos, a reforma trabalhista e previdenciária e a terceirização generalizada e irrestrita, veio a desestruturação da atuação do movimento sindical.

“Foi o advento de uma agenda ultraliberal, depois de governos populares que conquistaram a menor taxa de desemprego do mundo, de 4,3%, e aumentos significativos do salário mínimo, algo que fortaleceu os sindicatos. O governo atual não se contenta em atacar as instituições democráticas como pretende tirar o movimento sindical da equação trabalhista e econômica”, denuncia Araújo.

“À luz da pandemia, enfrentamos muitas dificuldades por falta de governo”. Ele explica que as medidas econômicas, fiscais e monetárias, simplesmente, não vão dar conta do desafio. “O centro dessa disputa passa pela necessidade de construir uma maioria política e a importância de um projeto nacional de desenvolvimento”. Ele criticou o governo Bolsonaro por “arar terra para o imperialismo norte-americano”, ameaçando entregar empresas estratégicas.

A resposta nesse momento, de acordo com o dirigente sindical, seria o governo reestruturar um programa de serviços públicos, sobretudo a saúde, no entanto, o país segue com déficit de EPIs, testes e equipamentos. Para que a reabertura das empresas ocorra de forma segura seria preciso que as pessoas fossem protegidas em sua saúde. “Por ora, está claro a eficiência do isolamento social. As centrais sindicais têm defendido isso junto a governadores e o Congresso”.

A importância das centrais também está na formação de uma frente ampla contra os ataques à democracia e o estado democrático de direito, em sua opinião.

O presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), Antônio Neto, acredita que a crise pandêmica “derramou de vez o leite”, com a eclosão de várias crises, sanitária, ética, política, democrática. “Passamos a conhecer o verdadeiro ranço desse governo genocida”.

Para além da unidade sindical, Neto diz que sente uma necessidade do diálogo devido a falta de uma coordenação nacional para atacar a pandemia, além da disputa do governo federal com os governadores e prefeitos. Ele critica todo um negacionismo diante das mortes, enquanto a ciência aponta subnotificação diante da falta de testes.

Como convencer a classe trabalhadora de que é preciso combater a pandemia e que só há uma saída, à luz das experiências internacionais? Esta é sua indagação diante da emergência da doença.

“Conseguimos dialogar com o governador de São Paulo e estabelecer protocolos para que as empresas voltem a trabalhar, mas como vamos fiscalizar a efetividade desses protocolos?”, questiona.

Portanto, existe essa unidade em torno do combate à pandemia, que não tem coordenação nacional, assim como não há medidas econômicas para proteger os trabalhadores e pequenas e microempresas. “Libera R$ 1,2 trilhões para bancos, que cobram juros escorchantes para emprestar esse dinheiro às empresas, depois conseguimos a duras penas aprovar uma ajuda de R$ 600 para os trabalhadores e vemos as dificuldades que as pessoas têm para acessar o recurso em filas e aglomerações em frente a bancos. As pequenas e microempresas não resistem diante da omissão do governo e fecham em massa”, pontuou.

Primeiro, conforme ele defende, é preciso dar um impeachment em Bolsonaro, para que se possa olhar para o Brasil e a classe trabalhadora de forma diferente, oferecendo um horizonte. “Depois é um projeto nacional de desenvolvimento, que pense que é inaceitável ter a limitação industrial vergonhosa de hoje. Precisamos orientar nossa indústria nacional para atacar aquilo que é a nossa guerra pandêmica”, defendeu.

O vice-presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Davi Zaia, acusa o governo de manter um clima de disputa como se estivesse no período eleitoral.  A falta de um governo, na opinião dele, acaba mobilizando todos para pensar medidas provisórias no Congresso Nacional, quando já devia ter um plano em execução. “Em momentos de crise como esse, todas as forças políticas se unem, põem de lado a disputa para salvar o país, mas este não é o caso do Brasil”, lamenta, ao apontar os conflitos federativos.

O desafio é encontrar soluções para problemas emergenciais, como o auxilio emergencial e a exigência para que o governo tenha mais agilidade em pagar para quem precisa. O papel das centrais tem sido extremamente importante para isso, de acordo com ele.

“Enfrentamos esta crise num quadro de grande desigualdade de renda no Brasil”. Os sindicatos representam apenas a força de trabalho com carteira de profissional, que são 33 milhões e mais 11 milhões, se incluir os servidores públicos, dentre as 90 milhões de pessoas que compõem o mercado de trabalho. Com isso, há outros 11 milhões sem carteira assinada na iniciativa privada, 24 milhões como MEI e PJ, seis milhões no serviço doméstico, sendo apenas 1,6 milhões com carteira assinada. “São dados anteriores à pandemia. A saída dessa pandemia deve trazer uma situação ainda mais grave”, prevê ele.

O secretário geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, Edson Carneiro Índio, resume que estamos diante de um governo que tudo fez para sabotar as medidas e orientações da ciência no enfrentamento da pandemia e que já levou 40 mil vidas da classe trabalhadora mais empobrecida. “Bolsonaro procura gerar o caos e alia a isso ameaças à democracia com seus ex-generais da boquinha. Por isso, é importante interromper essa escalada”, considera ele.

Já vínhamos de uma paralisia econômica muito severa, a partir de 2016, de acordo com Índio, que levaram a desemprego altíssimo, minorado apenas por “bicos” de milhões de trabalhadores. “Essa crise só prejudica os trabalhadores, já que os empresários só lucram com a concentração de renda”.

Ele pontuou mecanismos que fragilizam os direitos trabalhistas e a luta sindical. “Portanto, é um desemprego planejado como mecanismo de controle social. A redução de trabalhadores formais afeta diretamente a atuação dos sindicatos”, analisa.

Foi a unidade dos partidos de esquerda no Congresso que garantiu um mínimo de proteção aos trabalhadores, diz ele, que foi negada pelo governo Bolsonaro no Brasil. “Nossos vizinhos na América Latina garantiram o isolamento social com eficácia com medidas de proteção a trabalhadores e empresas, reduzindo o número de mortes”, compara.

Não é aceitável, em sua opinião, que bancos recebam R$ 1,3 trilhão, e se recusem a emprestar a pequenas empresas, gerando uma quebradeira generalizada de empreendimentos, com desemprego enorme em consequência. “Deveríamos ter mecanismos de transferência direta para essas micro e pequenas empresas. Em vez disso, o governo pensa em medidas para atingir ainda mais os trabalhadores, permitindo demissões e reduções de salários”, atacou.

O presidente da NCST (Nova Central Sindical dos Trabalhadores), José Calixto Ramos, observa que os últimos governos reduziram a importância das centrais e chegaram a decretar a irrelevância do movimento sindical. “Há uma persistência em fragilizar os sindicatos de forma profunda. Este governo conseguiu com apenas uma ou duas leis acabar com o movimento sindical brasileiro, o que muitos tentaram e não conseguiram”, avalia ele.

Ramos foi direto ao se mostrar perplexo diante da atual realidade de desmonte da estrutura sindical. “Sinto-me sem rumo por não conseguirmos sensibilizar nem o governo central, nem o Congresso nem os ministros da esfera judiciária federal. Ficamos com uma espécie de filho sem pai e sem mãe. Lamentavelmente há um descrédito na estrutura sindical brasileira. Querem agora que nos desacreditemos entre nós próprios”.

Em sua opinião, é importante priorizar políticas de incentivos e sustentabilidade do setor produtivo, agricultura, indústria, comércio e serviços, inclusive do setor público. “Precisamos investir em políticas de fortalecimento do movimento sindical, embora eu não saiba de onde partir”, declarou.

O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, destacou que nunca as centrais sindicais conversaram tanto. “Já vínhamos de um governo Temer que  virou as costas para o movimento trabalhista. O primeiro ato do governo Bolsonaro foi cortar seis reais do salário mínimo. O segundo foi esquartejamento do Ministério do Trabalho e mostrou a que veio”, pontuou.

Ele relatou que, no dia 2 de janeiro de 2019, as centrais enviaram circular pedindo diálogo com o governo que devolveu três meses depois dizendo que não tinha assinatura. “Assinamos e até hoje não recebemos resposta”, disse, ressaltando a existência de diálogo com o Congresso e o Supremo, o que demonstra que há uma busca por caminhos.

Mas a unidade das centrais é uma grande conquista neste momento, afirmou, uma unidade madura e de ação conjunta. “Conseguimos unir diferentes forças no Primeiro de Maio e temos conversado com os governadores, aproximando o movimento sindical dessas esferas do Executivo”, celebrou.

Para além de todas as crises já mencionadas, há uma crise de “sanidade mental do presidente”, que orienta invasão de hospitais. “Tinha que prender, não dar impeachment. Temos que tirar ele da nossa frente”, defendeu indignado.

Ele contou também que as centrais foram à Câmara entregar um documento “em defesa da vida, do emprego e da renda”, durante a pandemia, para o Rodrigo Maia, e acabaram discutindo a possibilidade de um auxílio emergencial para os trabalhadores atingidos em seus empregos. “Falamos com ele de pelo menos R$ 500, diante dos R$ 200 que o governo estava propondo, e ele nos atendeu, colocou seu principal assessor e o Dieese para juntos elaborarmos a proposta durante dois dias. Esse auxilio emergencial foi fruto da luta do movimento sindical. E estamos lutando para estender este valor até dezembro, nem um real a menos e aumentar em duas parcelas o seguro desemprego”, concluiu.

A secretária geral da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), Thaísa da Silva, diz que sua entidade vê com preocupação esse relaxamento do isolamento social diante da curva ascendente de contágios com forte inserção nos pequenos municípios, onde há pouca oferta de leitos de UTI.

Ela criticou o fato de não haver um recorte de dados da covid-19 para os trabalhadores do campo, embora já haja relatos de contágios e até óbitos na área rural. “Temos um assessor de federação que faleceu pela doença”, noticiou.

O impacto da doença entre agricultores familiares se dá na saúde, por falta de assistência hospitalar, na educação, por falta de internet, na previdência, por indeferimento de benefícios, principalmente de auxílio doença. Além disso, esse trabalhador tem enfrentado dificuldade para comercialização dos produtos, por falta de feiras livres.

Ela relata ainda que os sindicalistas rurais sofrem com a falta de recursos financeiros, assim como não realizam atividades presenciais, nem reuniões e eventos, se restringindo a reuniões por videoconferência.

A Contag tem tomado a iniciativa de apresentar propostas emergenciais ao governo federal, diz ela, sobre crédito para garantir compras da agricultura familiar. As propostas de crédito foram editadas, mas não operacionalizadas devido a juros altos e outros fatores. O PL 1543/20 também foi discutido no Congresso para prorrogar por 12 meses o pagamento de dívidas dos agricultores, assim como foi discutido o PL 873 que incluiu categorias de trabalhadores do campo no auxílio emergencial, que foi vetado pelo presidente. “Nossa luta é pela derrubada do veto”, anunciou.

Ela contou ainda que a Contag discutiu o Plano Safra com a ministra Tereza Cristina, para garantir a produção dos alimentos mesmo diante da pandemia, assim como uma pauta geral da negociação da agricultura familiar.

“A agricultura familiar contribui para o combate à pobreza, e gera trabalho no campo, distribuindo renda contribuindo para o desenvolvimento do comércio e da economia dos pequenos munícipios do interior”, encerrou.

O presidente da CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), Ubiraci Dantas de Oliveira, considera que estamos diante de uma “catástrofe e do caos”, com piora em todos os setores que já vinham mal. Ele vê uma escalada ditatorial e uma curva ascendente da pandemia. As microempresas estão fechando por falta de crédito, já que os R$ 1,3 tri dos bancos não atenderam nem 2% desse setor. Aumenta o desemprego e destrói-se a indústria. A situação dos estados e municípios também é prejudicada pelo governo. 40 milhões não conseguiram receber o auxílio emergencial devido a critérios artificiais.

“Com isso, o país entra numa espiral de caos, que só resta a este governo mandar invadir hospital e jogar gasolina no fogo”, observou. Ele ressalta, no entanto, que no Congresso Nacional, as centrais conseguiram impedir “uma série de barbaridades” e aprovar medidas importantes.

“Precisamos unir as forças. Conseguimos derrotar a ditadura porque conseguimos juntar todo mundo em apoio ao Tancredo contra o Paulo Maluf. Constituição cidadã e anistia ampla também foram medidas, daquela época, que alguns setores que foram refratários, se enquadraram depois e, agora, defendem que a Constituição é a mais espetacular do mundo”, pontuou.

Por isso, ele considera que é preciso juntar forças, a exemplo do que já houve, “para sair da encrenca que estamos”. Ele acredita que há força para unir “até ministros do STF” numa frente ampla em defesa da democracia e contra o fascismo. “Pode se arrepiar aí quem quiser, mas vamos juntar todos que são contra o Bolsonaro. A Rede Globo, inclusive. Precisamos dar um basta nessa situação de desrespeito com o povo, risadas das mortes, falta de respeito com as instituições”, defendeu. “As centrais sindicais têm seus partidos e precisa entrar nessa discussão”.

O secretário de assuntos jurídicos da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Valeir Ertle, observa que morre mais gente nesta pandemia, do que em algumas guerras. Mas ele percebe, também, que apesar do número de mortes e contágios, governadores estão privilegiando a economia em detrimento da vida, porque pesquisas mostram que as pessoas não aguentam mais ficar presas em casa. Ele conta que o Brasil é o país onde mais morrem profissionais de saúde por essa doença. “Por isso, as centrais sindicais defendem o isolamento social para preservar a vida”.

Não é por causa da pandemia que o Brasil está em crise, acredita ele, porque no ano passado já teve o “pibinho”. “Falam mal do Bolsonaro, mas não falam do Paulo Guedes e das suas aberrações econômicas. Queremos mobilizações para que caia todo esse governo, não apenas Bolsonaro”, defendeu.

Ertle relatou o diálogo com os deputados e senadores para criar os instrumentos de proteção à classe trabalhadora por meio de renda mínima e crédito para pequenas empresas, “negociando inclusive com o centrão”.

Na opinião dele, as centrais precisam estar preparadas para os debates que surgirão após a pandemia, sobre teletrabalho e a precarização dos trabalhadores informais. Precisam também estar preparadas para eleger prefeitos comprometidos com esses debates da classe trabalhadora, assim como eleger um governo popular e democrático em 2022.