Renato Rabelo, presente na mesa da solenidade, divulgou um artigo comentando o evento, com o título “Reparação histórica“. Na abertura da sessão especial, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), leu a tocante mensagem enviada pela presidenta Dilma Rousseff sobre o evento. Em seguida ele devolveu simbolicamente os diplomas e os bótons do senador e do suplente cassados à dona Maria do Carmo Ribeiro, viúva de Luiz Carlos Prestes, e a Carlos Eduardo, neto de Abel Chermont. Renan Calheiros também presenteou dona Maria com uma publicação do Senado sobre Prestes, uma cópia dos seus discursos naquela Casa.

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Íntegra da Resolução que restituiu o mandato de Prestes

O presidente do Senado iniciou seu discurso citando o poeta comunista chileno Pablo Neruda, que em sua obra Canto Geral, sobre a história da América Latina, se refere a Prestes como “Claro Capitão”. Segundo ele, a passagem remete rapidamente à memória as áridas circunstâncias do momento histórico em que o mandato do senador comunista foi cassado. Contudo, disse Renan Calheiros, os traços mais marcantes, e que merecem mais admiração, são a força do seu caráter e a perseverança com que perseguiu seus ideais. Onde quer que estivesse, em qualquer situação, Luiz Carlos Prestes se revelou um daqueles que dedicou a sua vida a combater as injustiças sociais, lembrou Renan Calheiros.

Manifestação de solidariedade

Em toda a sua existência, afirmou, Prestes se empenhou totalmente, de corpo e alma, à causa da justiça. Ainda muito jovem, lembrou, como oficial do Exército, preocupado com a tropa, contratou cozinheiros para melhorar a qualidade da alimentação, além de organizar as atividades militares de maneira que todos pudessem estudar, receber educação física e instrução militar. Essa primeira manifestação de solidariedade o acompanhou por toda a vida, asseverou Renan Calheiros. Segundo ele, Prestes deixava eventuais projetos pessoais em segundo plano para se dedicar ao que considerava ser o interesse comum.

Renato Rabelo, Luiz Carlos Prestes Filho, Maria Prestes, Renan Calheiros, Carlos Eduardo Chermont e Vanessa Grazziotin Foto: Leonardo Brito

No Senado, disse ele, quando chegou com uma das mais expressivas votações da história, não foi diferente. Em seus pronunciamentos, apartes, e intervenções, além da defesa do seu ideário socialista ele incluía os direitos dos trabalhadores e manifestava sempre a sua grande inquietação com os destinos do país, afirmou Renan Calheiros. Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, assegurou o presidente do Senado, Prestes apresentou uma emenda absolutamente contemporânea e defensável: a proibição de formação de trustes, cartéis e monopólios que acarretassem o controle do mercado interno e desequilibrassem a concorrência.

Pronunciamento memorável

Em discurso que ficou célebre, afirmou Renan, Prestes rejeitou com veemência as insinuações de que o seu Partido defenderia a então União Soviética em detrimento da soberania nacional. O seu amor ao Brasil e a sua formação humanística se revelavam sempre, disse. Em outro pronunciamento memorável, proferido durante a Constituinte, Luiz Carlos Prestes afirmou que errar é dos homens, mas que acreditava no predomínio da inteligência e na força dos argumentos, registrou. Segundo o presidente do Senado, Prestes disse que comungava com a premissa de que todos são capazes de corrigir erros e reformar opiniões.

A crença de que o diálogo e a compreensão abrem caminhos para posições essenciais da vida parlamentar, sem as quais não há como exercer com êxitos as atividades públicas, eram marcas do senador comunista, disse Renan. “Por tudo isso, lastimamos a grave Resolução da mesa do Senado Federal, de 9 de janeiro de 1948, que cassou o mandato do senador Luiz Carlos Prestes e de seu suplente, Abel Chermont”, afirmou. “Somente agora, em maio de 2013, após 65 anos, por iniciativa do nosso colega senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), simbolicamente resgatamos o nome de Luiz Carlos Prestes no Senado Federal”, destacou.

A chave da democracia

Renan Calheiros recordou que naqueles idos, diante da iminência da cassação do mandato de Prestes, o também senador José Américo de Almeida disse na tribuna que não iria comungar com aquela violência. Falou então José Américo: “Não serei eu que ajudarei a expulsar companheiros do recinto que não é mais meu do que deles. Uma casa que só o povo pode abrir ou fechar com uma chave que é a mesma que abre e fecha as urnas eleitorais.” “Só agora, em parte, o país se redime de um equívoco histórico. Mas além dos ensinamentos que ele próprio nos legou, errar é dos homens, e diante dos enganos haverá possibilidade de corrigi-los, mesmo que, como agora, fazemos tardiamente”, emendou.

Segundo ele, a solenidade de devolução do mandato do senador comunista se constituiu em uma modestíssima homenagem ao homem que foi Luiz Carlos Prestes, e por extensão à sua família. “Também estendo as nossas homenagens aos familiares de Abel Chermont”, reforçou. Renan Calheiros afirmou que, pelas qualidades de Prestes, ele foi chamado por seu grande amigo Jorge Amado de Cavaleiro de Esperança — apelido que deu nome ao livro que escreveu em favor da sua libertação. “No livro, escrito em 1942, o escritor baiano nos diz que, depois de relatar a vida poética de Castro Alves, nos contará a história heroica de Luiz Carlos Prestes”, afirmou.

Páginas pálidas e vergonhosas

No prefácio, lembrou o presidente do Senado, Jorge Amado se dirige a uma leitora imaginária com a intenção de falar direitamente ao povo brasileiro, conclamando-a a tomar posição pela democracia e pela liberdade. “Como relata o próprio autor, este não é, nem pretende ser, um livro frio, mas uma obra escrita com paixão sobre uma pessoa amada”, destacou. A sessão solene do dia 22, disse Renan Calheiros, para além da merecida homenagem serviu ainda para uma reflexão dos homens públicos, uma vez que a cassação violenta, violando o ordenamento jurídico e a própria democracia, se deu porque o Tribunal Superior Eleitoral cancelou o registro do Partido Comunista do Brasil, em 1947.

Para ele, não é possível “resgatar muitas das páginas pálidas e vergonhosas da nossa história, mas sempre devemos reformá-las, a fim de guiar as futuras gerações do país no respeito à independência dos poderes, que é um dos pilares da nossa democracia”. “Como presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, em nome das instituições peço publicamente desculpas à família de Luiz Carlos Prestes pela atrocidade patrocinada pelo Estado contra um ilustre brasileiro, legitimamente escolhido pelo povo para representá-lo”, finalizou.

Rápido crescimento dos partidos comunistas

O senador Inácio Arruda falou em seguida. Ele começou citando Jorge Amado: “Levanta a tua voz, amiga! Clama comigo! Com toda gente do cais! Com todos os povos livres do mundo! Clama até que o seu grito seja ouvido: liberdade para Luiz Carlos Prestes!” Prestes se encontrava então há seis anos nas masmorras do Estado Novo, desde que fora preso com sua companheira Olga Benário, em março de 1936, lembrou. O Cavaleiro da Esperança só saiu da prisão em 1945, com o início da redemocratização do país, complementou.

Inácio Arruda explicou que nos primeiros anos após o final da Segunda Guerra Mundial, com a União Soviética se destacando como um dos membros mais importantes da aliança vencedora, os partidos comunistas experimentaram um rápido crescimento em vários países do ocidente. Isso mudou com o fim da aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética, e o início da chamada Guerra Fria, disse ele. A política externa norte-americana voltou-se primordialmente para o combate ao comunismo e os efeitos dessa mudança foram sentidos imediatamente no Brasil — o Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCB, teve seu registro cancelado pelo Tribunal Superior Eleitoral e os mandatos comunistas foram cassados, historiou.

Democracia se encontra ameaçada

No dia 9 de janeiro, uma Resolução da mesa do Senado declarou extinto o mandato do senador Luiz Carlos Prestes e de seu suplente, Abel de Abreu Chermont, contou Inácio Arruda. “No momento, como o atual, em que instâncias superiores do Poder Judiciário procuram limitar a atuação do Poder Legislativo, imiscuindo-se nas suas deliberações, e até mesmo tentando usurpar suas funções indelegáveis, esse fato deve servir de advertência para todos”, asseverou. “Quando o Poder Legislativo se apequena, é a democracia que se encontra ameaçada”, enfatizou o senador do PCdoB.

Portanto, disse ele, a decisão do Senado Federal de devolver o mandato ao senador Luiz Carlos Prestes e ao seu suplente Abel Chermont representa um momento de afirmação da democracia e do Poder Legislativo como representação mais ampla do povo e dos Estados da nossa Federação. “Repito o que disse na justificação na Resolução aprovada: além da mácula jurídica e da inconstitucionalidade existente da Resolução da mesa do Senado, há também uma mácula política de um ato antidemocrático de cassação de um parlamentar eleito pelo voto do povo”, destacou.

Habeas corpus em favor de Harry Berger

Para Inácio Arruda, a sua proposta de restituição dos mandatos buscou reparar esse duplo erro, fazendo justiça à história e à nação brasileira. Ele fez um breve histórico do suplente e do senador cassados: Abel de Abreu Chermont era advogado e jornalista, nasceu em Belém em 21 de junho de 1877. Participou do levante militar do Pará em 1916, que depôs o governado Enéas Martins, para a ascensão do governador Lauro Sodré, em 1917. Foi deputado federal de 1918 a 1920, pelo Partido Republicano Federal, prefeito de Belém em 1921, deputado federal de 1933 a 1934 pelo Partido Liberal Paraense e senador pela União Popular do Pará, de 1935 a 1936. Fundou o grupo parlamentar pró-liberdades populares, que enfrentou os integralistas.

Foi ele, como advogado, que impetrou, no dia 2 de março de 1936, habeas corpus em favor de Harry Berger, militante enviado ao Brasil pela Internacional Comunista, que fora preso em dezembro do ano anterior e torturado até à loucura. Dezenove dias depois, o próprio Abel Chermont foi preso, episódio referido por Graciliano Ramos em suas Memórias do Cárcere. Ele foi arrancado violentamente do Senado, entrando em luta física desigual, e levado a braços como um fardo resistente, metido no cárcere e aguentando sevícias por se opor, como senador, aos desmandos selvagens da ditadura policial reinante.

Lições para a atualidade

Seu filho, Francisco Chermont, também foi preso pela ditadura varguista. Libertado em 1937, Abel recuperou seu posto no Senado — estava preso como senador — onde denunciou as arbitrariedades de que fora vítima. Foi preso novamente por dezesseis detetives, que obrigaram sua mulher e os dois filhos menores a acompanhá-lo à polícia, onde foi espancado na frente deles. Exerceu o mandato até 10 de novembro de 1937, quando, com a decretação do Estado Novo, foram fechados todos os órgão legislativos do país.

Nas eleições de 1945, Abel Chermont candidatou-se ao Senado no Distrito Federal, pela legenda do Partido Comunista, ao lado de Prestes, mas não conseguiu o mandato. Em 19 de janeiro de 1947, nas eleições complementares, conquistou a vaga de suplente do senador comunista. Ainda em 1947, Chermont depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os crimes do Estado Novo, presidida por Plínio Barreto. De 1949 a 1950, integrou a Primeira Comissão Diretora do Centro de Pesquisa e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional. Abel Chermont faleceu no Rio de Janeiro em 19 de setembro de 1962.

Inácio Arruda disse que esses episódios encerram lições para a atualidade. “Quando se anunciam que os partidos políticos não têm força, não são de verdade, ou coisa que o valha, pode-se imaginar que se pretenda chegar novamente a estágios como esse: fecham-se as casas legislativas de representação popular. E não queremos que isso se repita”, enfatizou.

Maior marcha militar da história

Sobre Prestes, Inácio Arruda disse que ele comandou a maior marcha militar da história da humanidade — seus 25 mil quilômetros de guerra de movimento superaram em extensão a marcha de Alexandre, na Macedônia, a de Aníbal, na antiguidade, e as de Mao Tse-tung e de Fidel Castro na era moderna. Sua atuação à frente da Aliança Nacional Libertadora em 1935 e seu comportamento heroico nos cárceres da ditadura varguista aumentaram ainda mais o respeito que os brasileiros de todos os setores tinham por ele, destacou Inácio Arruda.

A grande votação por ele obtida em 1945, a maior do Brasil até então em termos proporcionais, demonstrou a confiança que nele depositavam amplos setores da sociedade, asseverou. O Partido alcançou 10% dos votos e tornou-se a quarta maior bancada, atrás do PSD, da UDN e do PTB, entre os 13 partidos então existentes, afirmou.

Naquele ano, Prestes participou de várias mobilizações populares; era o principal porta-voz da política da união nacional. “Isso é bom que a gente possa repetir. Defendia a união nacional para evitar o golpe das forças da direita. Destacaram-se os grandes comícios realizados no estádio do Vasco da Gama, Rio de Janeiro, em 23 de maio, e no Pacaembu em São Paulo, em julho. No Rio, defendeu a unificação nacional para solucionar os graves problemas econômicos e sociais e chegar de maneira pacífica, por meio de eleições livres e honestas, à Assembleia Nacional Constituinte e à reconstitucionalização democrática que todos almejavam”, destacou.

Frequentes ameaças de prisão

Segundo o senador, na Constituinte a bancada comunista defendeu arduamente a democracia, os direitos trabalhistas, a reforma agrária e a soberania do Brasil. Apresentou 180 emendas ao Projeto de Constituição, afirmou. “Coube a Prestes expor os princípios mais gerais da bancada comunista. A bancada polarizou o plenário constituinte. E várias de suas propostas e indicações só seriam adotadas na Constituição de 1988”, lembrou. “Prestes se pronunciou contra o sistema presidencialista, e em defesa do parlamentarismo, e defendeu o fortalecimento das prerrogativas do Legislativo no sistema partidário frente ao Executivo”, disse ele.

Em discurso no Senado, lembrou o senador, no primeiro aniversário da Constituição, em 18 de setembro de 1947, Prestes afirmou: “Se não fizemos uma Constituição progressista, promulgamos uma Constituição democrática.” Com a promulgação da Constituição, Prestes assumiu sua cadeira no Senado e integrou a Comissão de Constituição e Justiça, disse Inácio Arruda. “Com a cassação do registro partidário, Prestes, mesmo senador, recebeu frequentes ameaças de prisão. Debateu na casa com os que queriam a cassação dos mandatos, demonstrando a inconsistência dos argumentos jurídicos e políticos”, historiou.

Desafios contemporâneos

Afora isso, o senador lembrou que a mesa cassou os mandatos sem esperar sequer que transitassem em julgado o cancelamento do registro do Partido Comunista, que apresentou recurso ao Supremo Tribunal Federal; e este não havia ainda se pronunciado. “Aliás, ainda não se pronunciou. Ao usurpar o mandato de Prestes, deu a mesa do Senado cumprimento à mais inconstitucional das leis de que se tem memória nesta República. Seu mandato, concedido pelo povo, como de direito em uma democracia, só terminaria em 31 de dezembro de 1955”, rememorou.

Segundo Inácio Arruda, Luiz Carlos Prestes foi uma das lideranças que mais polarizaram a opinião pública brasileira ao longo do século XX. Com a bancada comunista, pautou-se em defesa dos trabalhadores, da cidade e do campo, pelo aprofundamento da democracia, das liberdades políticas, pelo crescimento econômico, a soberania nacional, a correção das desigualdades sociais, asseverou. “São desafios contemporâneos, que estão sendo enfrentados somente agora, de forma mais recentre, após a promulgação da Constituição de 1988, especialmente nos governos do presidente Luis Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff”, afirmou.

Luiz Carlos Prestes nos é sagrado

O senador lembrou que o grande escritor, biógrafo e músico francês Romain Rolland, ganhador do Prêmio Nobel de literatura em 1915, registrou: “Luiz Carlos Prestes entrou em vida no panteão da história. Os séculos contarão a ‘canção de gesta’ dos mil e quinhentos homens da Coluna Prestes e sua marcha de três anos através da imensidão do Brasil. A unidade das almas e das raças no Brasil forjou-se aí. Insensatos seriam os senhores do Brasil se não vissem que atingindo Luiz Carlos Prestes é o próprio Brasil que atingiriam. Mais ainda: Luiz Carlos Prestes nos é sagrado. Ele pertence a toda a humanidade. Quem o atinge, atinge-a”.

Com a cerimônia de restituição dos mandatos, disse Inácio Arruda, o Senado deu fim à uma insensatez. “Prestes volta simbolicamente à sua cadeira de senador para desagravo da dignidade nacional, da segurança da democracia, para respeito da história. Podemos dizer como Jorge Amado em 1942: que este gesto de hoje do Senado Federal, devolvendo simbolicamente os mandatos de Prestes e seu suplente Abel aos seus familiares, proporciona mais uma liberdade para Luiz Carlos Prestes. Ao libertá-lo de uma injustiça histórica, o Senado liberta igualmente a si mesmo, como autor dessa injustiça. E permite que o legado do senador Luiz Carlos Prestes seja avaliado com a serenidade que o tempo histórico proporciona”, asseverou.

Ato de justiça histórica

Segundo ele, Prestes foi “o Cavaleiro da Esperança, da nossa esperança, da esperança do povo brasileiro, da esperança da juventude, da esperança das empregadas domésticas, dos operários, dos nacionalistas em cada canto, daqueles que querem ver o Brasil crescendo e se desenvolvendo”. “Podem acreditar: nós somos daqueles que aqui estamos como democratas, nacionalista, lutadores pelo nosso progresso. Somos os responsáveis por conduzir essa grande bandeira, a bandeira permanente da esperança do nosso povo, para que a gente constitua uma nação digna, que dê aos seus filhos, ao seu povo, dignidade, oportunidade”, falou.

Para Inácio Arruda, eram essas as aspirações daqueles homens liderados por Prestes e os demais comandantes da Coluna. E depois, no Partido Comunista, que foi tão perseguido, destacou. “Por isso, queremos também levar uma voz aos nossos colegas senadores, que unanimemente acolheram essa proposição. E especialmente a vossa excelência (o presidente Renan Calheiros) e ao senador (Antonio Carlos) Valadares (PSB-SE), que foi o nosso relator, e que o fez com o maior cuidado, com o maior zelo, tratando aquele papel do seu relatório como se fosse a história em suas mãos. Por isso, o zelo e o cuidado, porque sabia que estávamos fazendo desse ato um ato da justiça histórica”, destacou.

Presença marcante no Senado

Em seguida, dona Maria Prestes foi à tribuna para dizer que o reconhecimento do senador Luiz Carlos Prestes com aquela cerimônia não pertence a ela nem à sua família. “Pertence ao povo brasileiro, que o elegeu em 1945 com mais de 150 mil votos. A sua presença no Senado foi marcante, sempre defendendo as causas dos trabalhadores, a reforma agrária, a solução dos problemas sociais, como a saúde e a educação. A sua presença incomodava principalmente aos latifundiários, fazendeiros e empresários, que eram e ainda são donos de grandes áreas da terra do nosso país”, afirmou.

Ela destacou que Luiz Carlos Prestes sempre lutou pelo social. “O reconhecimento pelo Senado Federal do seu mandato é uma vitória do povo brasileiro. Prestes foi anistiado depois de ser perseguido neste país durante 70 anos. Foi um dos políticos de maior destaque não só no Brasil, mas em todo o mundo. Luiz Carlos Prestes é respeitado e considerado um político de caráter, que sempre defendeu os seus ideais. Quero expressar a certeza de que a democracia e a liberdade serão sempre valorizadas em nosso país. Viva Luiz Carlos Prestes! Viva o Cavaleiro da Esperança! E viva o povo brasileiro!”, concluiu.

Em seguida, falou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que definiu a sessão como um momento especial. “Não apenas para os familiares, para a esquerda brasileira, mas um momento significativo para todos os brasileiros, independente da orientação partidária e ideológica”, disse ela. “É o resgate de um importante momento da história do nosso país. E esse momento é especial. É, sobretudo, um sinal de maturidade política de nosso país, porque mostra a capacidade de reconhecer erros do passado. E isso é algo de extremo valor”, avaliou. Falaram também os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Pedro Simon (PMDB-RS), Rodrigo Rolemberg (PSB-DF), Humberto Costa (PT-PE), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Luis Henrique (PMDB-SC).

Lição para a contemporaneidade

Para Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois e secretário nacional de Formação do Comitê Central do PCdoB, a decisão do Senado tem algumas dimensões que precisam ser destacadas. A primeira é a democrática, disse ele. “Essa Resolução do Senado sinaliza para defesa da democracia e do pluralismo político. Porque o cancelamento do registro e a cassação do mandato de Prestes e de seus camaradas são fatos que se constituíram um ultraje à democracia”, afirmou.

Segundo ele, na história da República o cancelamento do registro e a cassação dos mandatos foram um dos maiores ataques que uma legenda individualmente sofreu. “Foi ultraje à democracia, na sua essência, e à soberania popular representada no sufrágio universal. Pisoteava, na verdade, a vontade do povo, manifestada nos votos. Essa posição do Senado, portanto, tem um valor de reparação histórica, mas também tem uma lição para a contemporaneidade. Ou seja: o respeito ao pluralismo político e ao livre funcionamento das legendas partidárias”, destacou.

Acerto de contas com o passado

A segunda dimensão, avaliou Adalberto Monteiro, é o reconhecimento do legado dos comunistas à construção do Brasil. “E de Prestes, que é uma grande expressão da presença dos comunistas na história brasileira”, afirmou. “Ao ter seu mandato restaurado, o Senado reconhece esse legado dos comunistas, obviamente materializado em suas lideranças, das quais Prestes é uma das mais destacadas”, enfatizou. Para ele, assim como para alguns senadores que se manifestaram na sessão do dia 22, a cassação dos mandatos era uma nódoa  proveniente do autoritarismo de correntes reacionárias que levaram as instituições brasileiras a carregarem consigo uma mancha que mais cedo ou mais tarde teria que ser lavada.

Segundo Adalberto Monteiro, a tomada de posição do senado e da Câmara dos Deputados — que também restituiu os mandados dos deputados comunistas cassados — tem essa dimensão. “O Senado já a retratou; é um acerto de contas com o passado discricionário do país. Com a solenidade, essa Casa parlamentar está se compromissando a não repetir esse erro no presente e no futuro. A sessão corrige um ultraje á democracia”, disse ele. Para o presidente da Fundação Maurício Grabois, a cassação do registro do Partido e dos mandatos comunistas tentava frear o avanço e a ampliação da democracia brasileira.

O mesmo propósito de 1947 e 1948

Adalberto Monteiro aponta que, não raro na história da República, toda vez que as forças mais conservadoras atuaram no sentido de barrar a ampliação da democracia, o primeiro alvo foram os comunistas. “A decisão do Senado, ao mesmo tempo em que se constitui um ato de reparação histórica, também tem uma dimensão do presente — no memento atual, acontece coisa semelhante. Desde 2003, o Brasil procura deslanchar a democracia que foi reconquistada em 1985, e estamos presenciando, nessa segunda década do século XXI, uma queda de braço”, afirmou.

Ele avalia que as forças do conservadorismo, temerosas da consolidação da democracia — mais que isso, da sua ampliação —, também hoje, por modos, formas e caminhos diferentes, têm o mesmo propósito de 1947 e 1948, que é freá-la. “Hoje há uma ataque aos partidos de esquerda. Então, a decisão do Senado é importante porque sinaliza que há hoje no Brasil um conjunto de forças, de personalidades, e, sobretudo, uma consciência, dispostas a lutarem por mais democracia e a enfrentar qualquer tentativa de impor amarras ao seu progresso”, avaliou.

Bravura de Maria Prestes

Adalberto Monteiro registra que na solenidade do dia 22 a presença das famílias de Luiz Carlos Prestes e de Abel Chermont foi algo marcante. “Não há como não destacar a dona Maria Prestes. Ela também está marchando com a sua Coluna; hoje, a dona Maria faz uma caminhada pelo Brasil, divulgando o legado de Luiz Carlos Prestes aos trabalhadores e à nação. Chama muito a atenção essa fibra, essa consciência, essa convicção dessa mulher comunista”, afirma.

Foto: Leonardo Brito

Ele registra que, apesar dos seus 80 anos, dona Maria se apresenta como uma incansável defensora e divulgadora do legado de Prestes. “E também por onde ela passa defende o socialismo, disseminando as suas ideias”, enfatiza. “A bravura, a consciência e a fibra dessa mulher, que com a voz embargada disse no Senado que não era exatamente a família dela que recebia o mandato de Prestes, mas, sim, o povo brasileiro, merece o devido reconhecimento de todos os que lutam por um Brasil progressista”, destacou.