Celso Amorim
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Organizado pelas fundações Maurício Grabois, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores (PT); João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB); e Leonel Brizola–Alberto Pasqualini, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o seminário foi aberto com a intervenção do ministro da Defesa, Celso Amorim. Antes, Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois e dirigente nacional do PCdoB, fez uma saudação especial ao evento (leia a íntegra aqui). A primeira mesa debateu o tema “Política brasileira de defesa e as tendências do cenário internacional”.

Amorim iniciou dizendo que o conhecimento, o acompanhamento e a discussão da política de defesa pelos partidos e, de forma mais ampla, pelo Congresso Nacional, é um elemento indispensável para a equação da defesa do Brasil do século XXI, que conjuga país democrático com país forte. O envolvimento civil na política de defesa é fundamental para esse equilíbrio virtuoso, disse ele. A Estratégia Nacional de Defesa, documento que tem orientado as ações do governo na área, deve ser cada vez mais conhecida e debatida, afirmou. “Não se discute a política de defesa brasileira sem discutir os destinos do Brasil e do mundo”, analisou.

Redistribuição do poder mundial

Para o ministro, o Brasil vive hoje um momento extraordinário, que as dificuldades circunstanciais originárias de crises externas não devem encobrir. “Este não é o primeiro ciclo de desenvolvimento experimentado pelo Brasil, mas certamente nunca se viu inclusão social na escala que observamos hoje”, disse. O Brasil do século XXI, segundo Amorim, aprendeu a conjugar desenvolvimento econômico com inclusão social em um marco plenamente democrático. “Esse novo modelo permitiu ao país exercer com sucesso uma política externa ativa e altiva, que nos tem alçado a uma nova estatura internacional”, considerou.

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A relevância do tema “Defesa Nacional”

Ao mesmo tempo, segundo o ministro, o panorama global de segurança apresenta uma tendência clara de redistribuição do poder mundial. A desconcentração do poder corre do Ocidente rumo ao Oriente e do Norte rumo ao Sul, avaliou. Para ele, diferentemente de outros períodos históricos, essa transição não tem dado lugar à guerra generalizada entre as grandes potências, mas tampouco tem ocorrido de maneira que se possa chamar pacífica. Um conjunto de sinais preocupantes se impõe à vista, dos quais o mais imediato diz respeito à situação atual da Síria, alertou Amorim. 

O ministro informou que, como é do conhecimento de todos, o Brasil enviou dez observadores militares à Síria, a pedido da Organização das Nações Unidas, na expectativa de contribuir para o que certamente é o último esforço de evitar um conflito de grandes proporções no país e, quiçá, em toda a região. Amorim informou também que visitou o Líbano recentemente e pôde testemunhar a gravidade dos conflitos que, com raízes no próprio Líbano, estão sendo alimentados pela situação na Síria.

Os casos do Irã e da Líbia

O ministro comentou também a situação do Irã. “Recordo o recente chamamento da Presidenta Dilma Rousseff: ‘Em vez da retórica agressiva, que se use, diante do Direito Internacional, o direito de os países usarem energia nuclear para fins pacíficos, assim como nós fazemos’. Uma solução duradoura para o caso envolverá não apenas a retomada de negociações com o Irã, mas – creio – um processo mais abrangente de estabelecimento de uma Zona Livre de Armas Nucleares no Oriente Médio, que leve à eliminação dos arsenais nucleares já existentes na região, eles mesmos causa de receio pelos países da vizinhança que não detêm armas nucleares”, afirmou,

Amorim fez referência também ao caso da Líbia. “Observou-se, após a autorização da imposição de uma ‘zona de exclusão aérea’ sobre o país pelo Conselho de Segurança, ações cujo propósito em muito excedeu o mandato legalmente estipulado”, criticou. Segundo ele, essas brevíssimas reflexões sugerem que situações críticas como essas não se esgotam em sua dinâmica regional. Têm, na verdade, repercussão sistêmica. Para o ministro, a questão que se apresenta é: a que padrão de interação internacional esses eventos apontam no sistema multipolar que se vai formando na presente década? Um padrão em que prevalece o conflito ou um padrão em que prevalece a cooperação?

Para o ministro, a prevalecerem as interações fundadas no conflito, o Brasil se deparará com um cenário internacional restritivo. “Beneficiamo-nos enormemente da paz, e não devemos nos enganar sobre o impacto sistêmico da guerra. Tampouco devemos nos iludir com as consequências do intervencionismo – ainda que sob pretexto humanitário”, afirmou. “Ninguém menos que o ex-secretário de Estado e ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Henry Kissinger, advertiu para os riscos implícitos nessa atitude em artigo publicado no Washington Post no fim de semana”, comentou.

Cooperação e dissuasão

Segundo Amorim, evitar a desagregação sistêmica pelo conflito generalizado deve ser a primeira preocupação dos países interessados na preservação da segurança global. “Normas de conduta negociadas de forma legítima e válidas para todos os países, inclusive e especialmente na área da segurança internacional, que incluem a não-intervenção, constituem o sentido do multilateralismo, que é complemento indispensável da multipolaridade se quisermos construir um mundo pacífico e minimamente justo”, disse o ministro.

Para Amorim, “o Brasil deseja uma multipolaridade que, à falta de outro nome, poderíamos denominar ‘orgânica’”. “Nela, o sistema internacional é fortalecido pela diversidade política de seus membros e pela integridade das normas que regem as relações entre eles”, disse. Segundo ele, as causas do desenvolvimento econômico e do progresso social avançam na esteira da prevalência da cooperação entre os Estados. “Essa visão da evolução recente da segurança internacional e de nossa aspiração a uma multipolaridade orgânica fornece, como disse, a orientação para o conjunto de ações tomadas sob a égide da defesa nacional”, afirmou.

A política de defesa do Brasil, disse o ministro, combina cooperação e dissuasão. “A maior contribuição que podemos dar à construção da multipolaridade orgânica, na área da defesa, é seguir trabalhando para a construção dos mais altos níveis de confiança e de cooperação na América do Sul”, asseverou. O patamar em que os países da região se encontram hoje é notável, segundo Amorim. “A integração regional avança em pelo menos três níveis: com o Mercosul, a Unasul e a Celac. Iniciativas como a Agência  Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de  Materiais Nucleares (a Abacc) selaram a confiança bilateral entre os dois países e deram lugar a novos avanços na construção da segurança regional”, informou.

Base industrial sul-americana

O ministro comentou que a Unasul possibilitou não apenas ganhos comerciais e econômicos a seus membros, mas também o incremento da segurança. “O Conselho de Defesa Sul-americano revelou-se de grande valia na resolução de divergências que os países da América do Sul enfrentaram coletivamente. O Conselho incorporou ao quadro da integração o temário da cooperação em defesa, balizado pelos princípios da transparência e da confiança”, disse.

A criação de uma base industrial de defesa sul-americana, segundo Amorim, dará ainda maior concretude a esse objetivo, contribuindo também para o propósito, inscrito na Estratégia Nacional de Defesa, de reorganização da indústria de material de defesa brasileira. “A base industrial sul-americana é estimulada pela compra e venda de material de defesa, como ocorre, por exemplo, pela aquisição, por nossos vizinhos, de aeronaves Super Tucano, e, pelo Brasil, de lancha blindada fluvial colombiana, disse o ministro. A integração em defesa ocorre, sobretudo, pela complementação de cadeias industriais. “Cito o exemplo emblemático do avião cargueiro-reabastecedor KC-390, da Embraer, produzido em associação com países amigos”, afirmou.

A cooperação em defesa também ocorre em outras frentes do entorno estratégico do Brasil, como o Atlântico Sul, lembrou Amorim. “A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, Zopacas, como é conhecida, foi criada por resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas e tem por objetivo promover os usos pacíficos dos oceanos. Ao mesmo tempo, conclama os Estados militarmente significativos a respeitarem o Atlântico Sul como zona livre de armas nucleares”, informou.

Novos agrupamentos

O ministro comentou que o Brasil tem buscado incrementar a cooperação com os países africanos. “A África tem enorme importância estratégica para o Brasil. Costuma-se esquecer que a distância do Recife ou de Natal até Dacar é menor que a dessas cidades a Porto Velho ou Rio Branco, ou que nossa Zona Econômica Exclusiva no  Atlântico não está a grande distância daquela de  Cabo Verde. Um exemplo de cooperação bem sucedida, no caso da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, é a Operação Felino, um exercício militar que aproxima as Forças Armadas dos países de língua portuguesa e possibilita o conhecimento mútuo e o aprofundamento da concertação”, afirmou.

Do ponto de vista estratégico, segundo Amorim, o Brasil também deve dar atenção a novos agrupamentos, como o BRICS, cujas potencialidades na área de defesa começam a se desenhar. “Com a África do Sul, estamos construindo um míssil ar-ar de quinta geração, o A-Darter. O projeto do avião Embraer 145 com radar indiano é um catalisador para a cooperação em defesa com a Índia. São dois exemplos que vêm somar-se a outros, em áreas afins (ainda que não estritamente de defesa) com Rússia e China”, disse.

Amorim lembrou que presidenta Dilma Rousseff visitou a Índia recentemente e comentou o comunicado conjunto que ressaltou a área de defesa como importante para a cooperação. “Queria registrar como de grande importância o fato de já termos feito manobras conjuntas dos países Índia, Brasil e África do Sul, que conformam o grupo Ibas, de certa maneira parte do Brics, que tem uma característica muito especial: três democracias, três países multirraciais, um em cada uma das regiões em desenvolvimento no mundo”, afirmou.

Foco de instabilidade

Essas manobras navais, intituladas “Ibs-mar”, são importante componente dessa aproximação político-diplomática, segundo o ministro. Essa vasta gama de iniciativas sinaliza a importância da diversificação das parcerias do Brasil, mas não exclui o processo com os países desenvolvidos, disse Amorim. “O crucial dessas relações tradicionais é o princípio da transferência de tecnologia condizente com o elo indissociável que a Estratégia Nacional de Defesa enuncia, entre política de defesa e política de desenvolvimento”, afirmou.

Amorim lembrou que o Brasil e a América do Sul detêm enormes reservas minerais, vegetais, energéticas, de água, de biodiversidade, além dos recursos humanos. “Graças entre outras a ação do Barão de Rio Branco, permita-me citá-lo, como diplomata já aposentado, não temos disputas territoriais de qualquer sorte e somos favorecidos pela manutenção de uma paz centenária em nossa vizinhança”, afirmou. “Nossa relação com os vizinhos é pacífica; dela devemos cuidar com toda atenção e carinho”, asseverou.

Mas diante da permanência de um foco de instabilidade sistêmica e das tendências desagregadoras e conflitivas, o Brasil não tem o direito de ignorar, em seu cálculo estratégico, que o país deve aprimorar sua capacidade dissuasória, alertou. “Quero com isso dizer que em uma situação de crise em que a disputa por recursos naturais, nossos ou dos vizinhos, possa se agudizar, devemos ser capazes de impor, sozinhos ou conjunto com eles, custos suficientemente altos para que nossos eventuais adversários se vejam desestimulados a perpetrar agressões”, afirmou.

Aporte da academia

É nesse sentido que o governo tem orientado a aquisição de novas capacidades de defesa, segundo Amorim. “A dissuasão é, portanto, um fenômeno ligado à soberania nacional. Mas nem por isso exclui a hipóteses de que possa vir a ter uma dimensão regional sul-americana. Por meio do conhecimento mútuo da confiança generalizada e concertação política a América do Sul poderá alcançar objetivo coletivo de defesa, que poderíamos chamar, sem querer ser pedante, de coordenação dissuasória”, asseverou. Para o ministro, a coesão dos países da região, nas diferentes áreas de integração e particularmente na defensiva, é um fator que pode contribuir na dissuasão de ameaças e agressões.

Amorim elogiou a proposta do seminário de debater politicamente a defesa nacional. Para ele, esse tema é um aspecto central da defesa da democracia. “A liderança civil das Forças Armadas é hoje objeto de um consenso nacional tranqüilo e amadurecido”, afirmou. O ministro ressaltou o reconhecimento da sociedade brasileira do valor das suas Forças Armadas e enfatizou o papel positivo do Congresso Nacional quando se discutiu a lei de incentivo à indústria nacional de defesa.

O aporte da academia também tem sido crescente, segundo o ministro. “Há um esforço de aproximação da temática de defesa do país ao centro de produção do conhecimento. É natural, portanto, que os partidos entrem a fundo nessa discussão. A questão do reaparelhamento das Forças Armadas em um nível condizente com um novo papel do Brasil no mundo e com a política externa soberana ativa e altiva que foi aqui mencionada deve ser vista nesse contexto”, afirmou. Amorim encerrou conclamando o engajamento da sociedade no debate sobre a política de defesa, segundo ele fundamental para um país cada vez mais democrático e mais forte.

Renato Rabelo e Roberto Amaral

Em seguida, Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, fez a sua intervenção (leia a íntegra aqui). Para ele, o seminário representou um esforço singular para debater um tema inédito para as forças de esquerda. Segundo Renato Rabelo, o seminário estava virando a página de um momento tenebroso no qual o próprio Estado chegou a considerar que seu principal inimigo estava entre os próprios brasileiros; essa tese, do “inimigo interno”, aceita acriticamente por razões ideológicas, era funcional às potências estrangeiras, interessadas em dividir os brasileiros, segundo ele.

Com a mesa dirigida por Carlos Siqueira, da Fundação João Mangabeira, e Ronaldo Carmona, representando o PCdoB, Roberto Amaral, vice-presidente nacional do PSB, falou em seguida. Segundo ele, parece mais plausível pensar que o conceito de interesse nacional é menos ditado unilateralmente porque depende do reconhecimento das demais soberanias, a começar pelos vizinhos. “A geopolítica contemporânea nos diz que há países mais soberanos do que outros”, afirmou. Citou que nos Estados Unidos essa definição remonta ao complexo industrial militar e ao sistema financeiro.

Roberto Amaral
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Para Amaral, o debate sobre o conceito e a visão estratégica de defesa nacional foi postergado no Brasil porque a produção de conhecimento ficou restrita a algumas instituições militares e técnicas. Seja qual for a instituição, afirmou, haverá sempre a questão crucial: como estabelecer os limites da soberania? Citou “o ensinamento do falecido Império Britânico, tanto quanto do vigente império norte-americano, para cuja Marinha seu mar territorial são todos os mares azuis do mundo onde estiver o interesse nacional deles”.

Segundo o vice-presidente do PSB, estratégia significa longo prazo e implica em meios necessários à inserção do Estado nacional na ordem internacional. Implica disputa de espaço, que jamais se altera no plano da retórica. “O interesse nacional dialoga com outro interesse nacional e quase sempre se choca com os projetos de hegemonia regional”, afirmou, citando os exemplos da União Européia, segundo ele um apêndice dos Estados Unidos. 

Amaral comentou o papel do Brasil democratizado, que assumiu a liderança de um sub-continente que se libertou das amarras da Guerra Fria ao derrubar as ditaduras e livrar-se do “cantochão do neoliberalismo” para assegurar a emergência de governos populares e progressistas, comprometidos com o desenvolvimento, com a inclusão social e com a integração regional. “É chegada, pois, a hora de, com todo cuidado possível, trazer a discussão para o âmbito nacional”, asseverou.

Citou a extensão continental do Brasil, sua substantiva massa populacional, as riquezas naturais, o desenvolvimento industrial, a potência da agricultura, a unidade cultural e, principalmente, a ascendente inserção internacional política e econômica para alertar que o país faz fronteira com a geopolítica e a estratégica dos Estados Unidos. E ressaltou que o Brasil é retardatário no ingresso ao capitalismo, ao desenvolvimento econômico, à condição de sujeito no cenário internacional e ao desenvolvimento científico e tecnológico para constatar que é dramática a fragilidade das Forças Armadas brasileiras.

Para ele, é impossível pensar em política de defesa do ponto de vista estritamente militar. “A política de defesa fundamenta-se, antes de tudo, em elementos culturais e ideológicos. E depende da adesão da cidadania, porque a guerra é, ao fim e ao cabo, uma decisão política. As Forças Armadas aptas do ponto de vista tecnológico deverão ser concebidas a partir da vontade nacional, de sua visão do projeto estratégico coletivo. Os valores nacionais são oferecidos por sua formação de povo, nação e país, pela sua cultura, pela sua história”, afirmou.

Segundo Amaral, as Forças Armadas deverão estar condicionadas pelo que chamou, “precariamente”, de projeto nacional, do papel que o país escolhe para se inserir no concerto das nações. “Esse condicionamento reclama a necessidade urgente de sua reformação, de rever conceitos, objetivos, missão, papel, estrutura de armamentos e, acima de tudo, a formação de seus oficias”, afirmou. “Nosso projeto fundamental é ultrapassar a condição periférica e a estratégia é o avanço da relação Sul-Sul, tendo como ponto de partida a América do Sul”, destacou, recorrendo à Constituição que em seu artigo 4º afirma que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Elói Pietá

Elói Pietá, secretário-geral do PT, falou em seguida. Segundo ele, o seminário representou um marco em um novo momento da relação entre os partidos de matriz de esquerda e de centro-esquerda com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas. “Esse seminário olha o novo futuro. A partir de uma nova síntese nacional construída principalmente ao longo dos dois governos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva”, afirmou. Para o dirigente do PT, nesse período criou-se uma união em torno do interesse nacional muliclassista, trazendo para essa visão as organizações sociais e políticas dos trabalhadores.

Essa política, avaliou Elói Pietá, enfrenta resistências “dos que foram apeados do poder político”. Citou setores da grande mídia, que advogam outra política para o país, diferente da que formou a nova coesão nacional. “Nessas novas bases de união em torno do interesse nacional, estamos discutindo a junção de estratégia nacional de desenvolvimento com distribuição de renda e soberania nacional”, afirmou.

José Genoino

Elói Pietá cedeu uma parte do seu tempo para José Genoino, que falou como assessor especial do ministro Celso Amorim. Segundo ele, a defesa nacional é parte integrante de um projeto nacional de desenvolvimento. “Não existe política externa soberana sem o mínimo de força militar”, afirmou. Trabalhar com um projeto nacional de desenvolvimento, com uma política externa soberana e protagonista exige capacidade militar, asseverou. “E quando se fala em capacidade militar, estamos falando de meios, de objetivos, de ação, de tecnologia e de combate”, ressaltou.

José Genoino
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Segundo Genoino, a guerra não pode ser um assunto de retórica. “Significa equipamentos e material humano. Esses dois elementos são fundamentais”, afirmou. Para ele, o Brasil precisa enfrentar o desafio de superar os 20 anos em que as Forças Armadas “foram colocadas em uma espécie de acostamento”. “Quem queria privatizar o Estado e se orientava pelo neoliberalismo, queria colocar as Forças Armadas em um papel de polícia”, afirmou. Segundo aquela lógica, a ordem econômica e política estratégica seria garantida pelas grandes potências, lembrou.

Genoino comentou que a esquerda tinha dificuldade em dialogar com as Forças Armadas. “Esse seminário mostra que a gente trabalha com nova agenda, discutindo a Estratégia Nacional de Defesa, o futuro do projeto nacional, do projeto democrático, da soberania do pais, da integração nacional. Esse processo é tenso, processual”, afirmou. Segundo ele, a centralidade desse tema é o conceito de dissuasão. “Isso não pode ser uma palavra apenas. A dissuasão significa diminuir vulnerabilidades, na medida em que não temos um inimigo determinado fixo no tempo e no espaço. Dissuasão pressupõe impedir a concentração de forças contrárias aos nossos interesses, aos nossos projetos estratégicos”, comentou.

Para ele, o conceito da guerra não pode ser mais aquele petrificado no tempo e no espaço. O estudo sobre a Estratégia Nacional de Defesa exige o reposicionamento das Forças Armadas no território nacional, porque as localizações obedeceram a uma determinada situação estratégica e geopolítica que não existe mais, segundo Genoino. “Por isso, é fundamental trabalharmos com sistema integrado. Não dá para desligar o programa aeroespacial e a aquisição do satélite geoestacionário da nossa capacidade de monitoramento da fronteira; não dá para discutir o submarino de propulsão nuclear atlântico se não tivermos capacidade de se comunicar com o fundo do mar; não tem como a Força Aérea ter capacidade de proteger o espaço aéreo sem o satélite geoestacionário de alta definição”, comentou.

Genoino defendeu um diálogo franco da esquerda na relação com as Forças Armadas. “Quando a gente estuda o passado e a memória não podemos ficar só com o retrovisor. Temos de ter também pára-brisa para pôr o futuro no centro desse caminho que o Brasil está construindo”, disse.

Francisco Leite filho

Francisco Leite filho, representando a Fundação Leonel Brizola–Alberto Pasqualini, falou em seguido. Fez um breve histórico do compromisso nacional do PDT e comentou que qualquer política de defesa terá de ser assegurada por uma aliança regional nos aspectos econômico, cultural, ambiental, comercial e comunicacional. Segundo ele, a Unasul já deu os primeiros passos nessa direção. Lembrou que o intercâmbio comercial quase decuplicou com alguns países da região, como a Argentina, a Venezuela e a Colômbia.

Citou que a regulação da comunicação, que já avançou muito na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Venezuela, empacou no Brasil. “Nenhum modelo será capaz de governar com o assédio implacável dos meios de comunicação pairando acima das instituições e tendo como único fim interesses financeiros e oligopólicos”, afirmou. Para Francisco Leite Filho, trata-se de uma situação antiga, atávica, secular. “Aqui no Brasil, os recentes episódios, os factóides que viram crises institucionais, dão bem a demonstração do nosso atraso nessa matéria em relação a outros países”, lembrou.

Para ele, os mexericos, as frivolidades e os escândalos impedem o país de discutir questões de fundo e as propostas para elas. “Nós, por exemplo, formos muito marcados, principalmente o Brizola, por causa dessa marginalização, desse ataque da mídia”, comentou. Citou o caso do Enem, atacado por interesses empresariais incrustados na mídia. Lembrou que a Telesul, um projeto multiestatal com a participação da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, de Cuba e da Bolívia, vem há cinco anos enfrentando os monopólios mundiais.

Francisco Leite Filho comentou também que a internet e as redes sociais são espaços importantes, e advertiu que 90% das conexões são controladas por Miami. “Isso porque não investimos em fibra ótica”, opinou. Segundo ele, os governos da Argentina e da Venezuela estão cobrindo seus países de fibra ótica e internet sem fio de graça. “Estamos atrasados porque o país está atolado na herança do que foi a privataria. Nossas empresas de telecomunicações são todas multinacionais e estão chegando quase ao colapso com o congestionamento de suas redes. Isso pode ser até bom, porque o Estado terá de intervir, como fez Cristina Kirchner, que estatizou o petróleo com a tomada da empresa Repsol”, comentou.

Renato Rabelo

Haroldo Lima
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Após o encerramento das intervenções, Iole Ilíada, da Fundação Perseu Abramo; Haroldo Lima, dirigente do PCdoB; e Carlos Siqueira, da Fundação João Mangueira, fizeram rápidos comentários e perguntas aos palestrantes. Seguindo a ordem das intervenções, o primeiro a responder foi Renato Rabelo. Comentou que para compreender o papel das Forças Armadas, sobretudo nas condições atuais, é importante o que disse o ministro Celso Amorim sobre a direção delas pelo poder civil. Para ele, a identificação das Forças Armadas com a nação brasileira é fundamental, sobretudo diante da visão, como premissa da Estratégia Nacional de Defesa, de multiplicar-se em caso de conflito armado. Como enfrentar exércitos muito mais poderosos?, indagou. Com a identificação com a nação, respondeu.

Renato Rabelo
Foto: Claudio Gonzales

Renato Rabelo comentou que o Brasil, com essa maior dimensão da sua presença no cenário internacional, chegou a ser uma força protagonista no centro estratégico que é o Oriente Médio, muito bem retratado pelo ministro Celso Amorim. “Ou seja: o Brasil chegou a esse nível de poder ser um país que jogou um grande papel na busca de uma saída de paz numa região como essa. Um esforço enorme que o presidente Lula fez nesse sentido. Evidentemente que as grandes potências não gostaram”, afirmou.

Segundo o presidente do PCdoB, o Brasil deve lutar pela paz em um mundo como esse, de tendência de grandes conflitos, de guerras. “Não quer dizer que a tendência multipolar levará a uma tendência mundial de paz. A tendência ainda é de grandes conflitos”, disse. Renato Rabelo também comentou a revisão da Estratégia Nacional de Defesa, segundo ele um grande passo. Citou a revisão e a reelaboração do “Livro Branco” de defesa nacional, que vai ser discutido no Congresso Nacional. Finalizou dizendo que a defesa da Amazônia é outro ponto importante da defesa nacional. Segundo o presidente do PCdoB, é fundamental a criação da segunda esquadra da Marinha na Foz do rio Amazonas.

Roberto Amaral e Eloi Pietá

Roberto Amaral fez os comentários seguintes. Segundo ele, o Brasil precisa romper com o sentimento de “paz eterna”. “Essa suposição que nos foi introjetada não é verdadeira. Jamais foi, e agora que não é mesmo”, afirmou. Segundo ele, criaram-se dois sentimentos que devem ser combatidos urgentemente. Um de desapreço às Forças Armadas — do qual as forças de esquerda de certa forma participou, por razões subjetivas justificáveis. Outro da desnecessidade das Forças Armadas, relegadas a segundo plano em um país cujos gastos deveriam ser priorizados para o combate a outros problemas. “É por isso, entre outras coisas, que não temos nosso submarino de propulsão nuclear”, disse. O vice-presidente do PSB finalizou comentando os graves problemas relacionados a projetos e financiamentos do Programa Espacial Brasileiro.

Eloi Pietá disse que o seminário foi o início da ampliação de um debate que se restringia ao governo e ao parlamento. Segundo ele, a defesa da região Nordeste é um ponto que precisa entrar na pauta. Defendeu o avanço na “questão espacial”, no “setor de ponta da tecnologia” e a continuidade da luta para o Brasil ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. “Pelo papel que temos hoje no mundo e na América Latina, é inadmissível que sejamos apenas membro ocasional”, asseverou. Finalizou comentando a Comissão da Verdade, segundo ele um instrumento importante para a democracia. Francisco Leite Filho encerrou os trabalhos reforçando a importância da internet e das redes sociais com instrumento para o debate das questões nacionais.

Othon Luiz Pinheiro da Silva

A segunda mesa debateu o tema “Projetos Estratégicos de Defesa”. Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, foi o primeiro palestrante. Fez um breve histórico da energia nuclear no Brasil e comentou que a defesa nacional é essencial do ponto de vista econômico e do desenvolvimento do país. Segundo ele, a indústria da defesa é essencial por sua capacidade de inovar. Mas ressalvou que os investimentos precisam ser equalizados para garantir o desenvolvimento de outras áreas, além da militar, e não vulnerabilizar a economia.

Othon Luiz Pinheiro da Silva citou o exemplo da União Soviética, que, ao não priorizar o entrosamento entre a capacidade de defesa e o cotidiano da sociedade, fragilizou a economia. Lembrou que esteve no país dos sovietes e visitou um centro de pesquisa avançado na área de defesa, ao mesmo tempo em que outros setores da economia estavam absurdamente defasados tecnologicamente.

No caso brasileiro, lembrou o exemplo do submarino nuclear, que ganhou impulso quando o então ministro da Defesa Waldir Pires entendeu a sua importância e convenceu o presidente Lula a dar prioridade ao projeto. Para ele, a “vergonha” de dizer que se trabalha para a defesa do país atrabalha os projetos em desenvolvimento. “Um projeto de míssil vira sonda para medir temperatura”, exemplificou. “Temos de ter orgulho de dizer que é defesa”, enfatizou.

Rex Nazaré

Rex Nazaré. Foto: Claudio Gonzales

Rex Nazaré, físico e especialista em energia nuclear, diretor de Tecnologia da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), fez a intervenção seguinte. Segundo ele, a Estratégia Nacional de Defesa é inseparável da estratégia nacional de desenvolvimento. Portanto, não basta dispor de reservas de combustíveis. Tem de dominar a tecnologia, disse. “Se considerarmos o conceito mais amplo de defesa, temos de ver a defesa da alimentação, da saúde e do território”, afirmou.

Os projetos de estratégia de defesa, segundo Rex Nazaré, devem ter independência. Ele comentou que a grande dificuldade na área nuclear é a escassez de recursos humanos. Como há dificuldades para transferência de tecnologia, o Brasil deve valorizar sua reserva de urânio, suas duas usinas em operação e uma terceira em construção, além do ciclo de combustível nuclear com as tecnologias dominadas, defendeu.  

Marco Antonio Raupp
Foto: Claudio Gonzales

Marco Antonio Raupp, ministro da Ciência e Tecnologia, falou em seguida. Segundo ele, os últimos governos têm apoiado decisivamente a questão das pesquisas e do desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas. “Nós financiamos R$ 1,5 bilhão nos últimos anos”, afirmou. Para o ministro, é necessária maior integração entre as instituições que compõem o sistema espacial. “É preciso redirecionar práticas históricas para ter sucesso no futuro”, disse. “Existem algumas transformações na maneira de operacionalizar que são fundamentais, e uma delas é o protagonismo das empresas brasileiras”, completou.

Lembrando que a ciência e a tecnologia integram o Plano Brasil Maior e têm responsabilidades em vários setores, Raupp expôs um cronograma de lançamentos de satélites com início neste ano, visando à autonomia espacial do país. Na programação estão: o CBers 3 (2012), Itasat e Ibas (2013), CBers 4, Amazônia 1 e Geo Com (2014), Amazônia 1B (2015). “A presidenta quer que o satélite Geo Com (geoestacionário) esteja no ar em 2014, e nós vamos trabalhar com esta meta”, anunciou.

O desenvolvimento de um satélite geoestacionário pelo Brasil integra o Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae) com o objetivo de atender aos objetivos e necessidades do país nas áreas de comunicações seguras, meteorologia, controle de tráfego aéreo e defesa nacional, segundo o ministro. “Temos uma proposta de que a partir da experiência do satélite geoestacionário forme-se uma comissão, de nível maior, que acompanhe a disponibilidade de recursos para esta área, dado o caráter estratégico, já que a questão da tecnologia das Forças Armadas é vital no que se refere a uma política de ciência e tecnologia no país, comentou. A defesa exige autonomia tecnológica, as empresas podem comprar ferramentas tecnológicas, já nas Forças Armadas isso é mais difícil”, finalizou o ministro.

Roberto Amaral fez a intervenção seguinte e se deteve no Programa Espacial Brasileiro, segundo ele um projeto que não recebe a atenção devida do governo. Fez severas críticas ao descaso com as Forças Armadas durante o período neoliberal e reforçou a importância do planejamento e do investimento nos projetos de defesa.

Defesa Cibernética

O último tema do seminário foi a “Defesa Cibernética”. O general de Divisão José Carlos dos Santos, comandante do Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), fez comentários sobre episódios do livro Guerra Cibernética, do norte-americano Richard Clark, para exemplificar a importância que o tema vem assumindo. O autor do livro, segundo o general, foi assessor dessa área em quatro governos norte-americanos. Para ele, essa guerra já começou. A arma cibernética já existe e está sendo pesquisada. Alguns exemplos mostram que ela já esta sendo empregada, afirmou, citando reportagens do jornal The New York Times.

Samuel César da Cruz Júnior, pesquisador do nstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), encerrou o tema dizendo que defesa cibernética hoje não se faz combatendo vírus. Segundo ele, hardware e software estão integrados. Recomendou investimento em capacitação para enfrentar o problema. Para o pesquisador do Ipea, a pesquisa deve ser levada muito a sério. Para tanto, é fundamental a regularidade do investimento. Explicou que o trabalho em uma pesquisa interrompido após quatro ou cinco anos resulta em perda considerável. Ao retomar, com a desmobilização e as rápidas mudanças nas tecnologias, tudo que havia sido feito fica perdido. A regularidade do recurso é tão importante quanto a quantidade, concluiu.

Foto: Claudio Gonzales

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Editor do Portal Grabois