A proporção de mulheres que publicam artigos científicos –principal forma de avaliação na carreira acadêmica– cresceu 11% no Brasil nos últimos 20 anos. Agora elas publicam quase a mesma quantidade que os pesquisadores homens (49%).

Os resultados são parte do relatório Gender in the Global Research Landscape (gênero no cenário global de pesquisa, em tradução livre), lançado nesta quarta (8) pela Elsevier, maior editora científica do mundo. O material traz um levantamento de dados da publicação acadêmica feita por mulheres em 11 países e na União Europeia em dois períodos: de 1996 a 2000 e de 2011 a 2015.

Os dados mostram que, dentre os países pesquisados, Brasil e Portugal são os que mais contam com autoras em trabalhos científicos (49% do total).

Isso é percebido no cotidiano dos cientistas: “Eu não tinha as estatísticas, mas já diria que hoje nós mulheres somos metade da produção científica nacional”, diz Mayana Zatz, geneticista do Centro de Genoma Humano da USP.

Em outros seis países (Reino Unido, Canadá, Austrália, França e Dinamarca) o número de publicações por mulheres já atingiu pelo menos 40% do total, considerado patamar de igualdade.

Nos dados entre os anos de 1996 e 2000, somente Portugal contava com taxas superiores a 40%.

A quantidade de pesquisadoras, no entanto, muda de acordo com a área do conhecimento, segundo o relatório.

Saúde

Hoje, são elas que dominam as publicações de medicina no país: uma em cada quatro estudos publicados na área por pesquisadores brasileiros tem uma cientista mulher como principal autora.

Nas chamadas ciências duras, no entanto, elas ainda estão em minoria. De acordo com o levantamento da Elsevier, publicações de áreas como ciências de computação e matemática têm mais do que 75% de homens na autoria dos trabalhos na maior parte dos países pesquisados.

“Áreas de exatas são um problema porque desde a primeira infância as meninas vão sendo afastadas”, diz Márcia Barbosa, física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e especialista em gênero.

Fato: um estudo publicado na revista científica “Science” em fevereiro mostrou que a partir dos seis anos as meninas começam a se achar menos inteligentes do que os meninos na escola –que, acreditam elas, lideram e fazem grandes descobertas.

“Temos uma cultura de que a menina tem de ser uma princesinha que, por exemplo, não pode se sujar”, diz Barbosa. “Ciências exigem experimentação.”

Teto de vidro

A igualdade na distribuição de autoria dos trabalhos científicos observada no Brasil não se reflete, no entanto, nos cargos científicos de liderança. Reitores de universidade, chefes de departamentos e coordenadores de linhas de pesquisa ainda são, em sua maioria, homens.

É isso que os estudiosos de gênero chamam de “teto de vidro”: um bloqueio invisível que as mulheres não conseguem quebrar para chegar ao topo.

“As mulheres vão sumindo ao longo da carreira. É como se houvesse um vazamento de mulheres pelo caminho”, diz Marcia. Para a especialista, é preciso ter políticas que entendam e trabalhem o fenômeno. “Não podemos ver isso como algo dado e natural.”

Tamara Naiz, historiadora e presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos) afirma que a mulher precisa lidar com diversos entraves ao longo da carreira científica. Um deles, diz ela, é a falta de proteção com relação a maternidade.

“Quando uma mulher é aprovada em um curso de pós-graduação, é comum ela ouvir de orientadores que não poderá engravidar para que a pesquisa não seja interrompida”, conta.

“Se somos cientistas tão capazes quanto os homens, por que isso não se reflete em igualdade de salários e de oportunidades?”, questiona Naiz. “O resultado do levantamento mostra que, mesmo partindo de condições desiguais, a mulher consegue desenvolver uma pesquisa tão boa quanto a de um homem.”

Impacto

Isso pode ser observado nos números. No Brasil, a qualidade dos trabalhos publicados por homens e por mulheres –medido pela quantidade de vezes em que um estudo é citado em outros trabalhos, que é chamado de “impacto”,– também é semelhante.

As brasileiras recebem 0,74 citação por estudo publicado, enquanto os cientistas homens do país têm 0,81 citação em seus trabalhos.

O impacto dos artigos científicos publicados por homens e por mulheres é semelhante até nos países em que a produção de ciência é bastante desigual.

No Japão, por exemplo, as mulheres são autoras de apenas dois em cada dez trabalhos científicos. Os artigos delas, no entanto, recebem 0,94 citação –número bem próximo do impacto dos trabalhos dos homens daquele país (0,96).

O levantamento foi feito com a base de dados da Elsevier, a Scopus, que lista autores de mais de 62 milhões de documentos em cerca de 21,5 mil revistas acadêmicas.

Como a identificação de gênero não é necessária em publicações científicas, um segundo processo atribui gênero aos nomes contando com conjuntos de informações de cada país que relacionam nome e sexo com pelo menos 80% de certeza.

Cientistas brasileiras

A bióloga e geneticista brasileira Mayana Zatz no Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP.

A astrofísica brasileira Thaisa Bergman, ganhadora do Prêmio Para Mulheres na Ciência, da L´Oreal e da Unesco, em 2015.

A neurocientista brasileira Suzana Herluno-Houzel participa de mesa de debate na FLIP de 2016 (Festa Literária Internacional de Paraty).

A astrônoma brasileira Duília de Mello, pesquisadora associada do Goddard Space Flight Center, faz apresentação na Campus Party de 2017.

A psiquiatra brasileira Nise da Silveira em sua casa, no Rio de Janeiro, em 1995.