Não é de hoje que o PCdoB defende a restauração democrática como estratégia de resistência ao golpe de estado ocorrido em 2016. No entanto, conforme avança o caos previsível diante de um governo ilegítimo, a bandeira da legitimidade eleitoral se torna uma necessidade histórica e uma emergência. Ou, então, o país retrocederá a um estado de violência estatal e supressão das liberdades democráticas. Segundo a análise do presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, esta é a perspectiva que vem se impondo em meio à profunda instabilidade econômica e política que vive o país.

A cerca de 170 lideranças sindicais e dirigentes partidários, vindos de todas as regiões do País para o 7º Encontro Sindical Nacional do PCdoB, no Hotel Nobile Downtown, em São Paulo, Renato Rabelo apontou as principais táticas para o enfrentamento do golpe que avança contra a esquerda, tomando o pleito de outubro como estratégico, mas atento ao risco oportunista de soluções extra-eleitorais para um colapso político e econômico que avança ao ritmo do golpe.

“O centro de gravidade da luta política, hoje, é a realização de eleições livres em 2018. Diante de um quadro tão tenebroso e tão adverso, a eleição é a única saída para nós”, afirmou. “É a tática em função de um objetivo estratégico.” Para Renato Rabelo, o cenário eleitoral não é seguro diante do golpe político imposto pela direita, que, para não entregar o governo aos setores que foram golpeados, mostra-se capaz de impedir o processo eleitoral sem constrangimentos. O dirigente do PCdoB mencionou como a proposta “oportunista” do parlamentarismo vem sendo discutida e colocada em tramitação como uma opção natural, tanto no Congresso, como no Judiciário.

Fracasso golpista, ascensão autoritária

A direita fracassou e desponta a opção de extrema direita. De acordo com a análise de Renato, passados dois anos do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff (PT), o consórcio das classes dominantes que tomou o poder está em xeque. Nem o que prometeram por ocasião do impeachment de Dilma, conseguiram entregar. O governo Michel Temer (MDB) impôs ao Brasil uma agenda ultraliberal, a serviço do capital financeiro. Mas a “profunda e grave crise política, econômica, social e institucional” elevou a rejeição popular a Temer, além de escancarar os limites do projeto golpista. Renato fez menção aos números catastróficos da economia que se agravam no noticiário, conforme o golpe avança. 

Renato aponta a dificuldade da direita conservadora em alavancar candidatos, assim como a impossibilidade de apresentar um programa. Algo que já ocorrera nas quatro eleições anteriores, derrotando-a. “Nas eleições, eles terão coragem de expor esse programa que vieram implementando desde o golpe?”, indaga. Para Renato, a narrativa que vão defender é de que a culpa continua sendo de Dilma tentando enganar incautos nesta altura do campeonato.

“Esse consórcio fracassou, não entregou nada do que prometeu. Há um escárnio completo contra esse governo”, complementa. Reflexo disso é a dificuldade da direita em lançar uma candidatura presidencial única – o que abre espaço para o crescimento de alternativas de extrema-direita como Jair Bolsonaro, no bojo do fracasso da direta. “A direita está sem um candidato, a não ser o da extrema direita. Quando a direita fracassa, surge a extrema direita para fazer demarcação – para propor a ordem e o autoritarismo. É quase uma lei universal.” 

Além dessa alternativa retrógrada, o próprio clima autoritário vai tomando conta do país pelas mãos da direita liberal do MDB e do PSDB. Com a greve de caminhoneiros e de petroleiros, o judiciário ameaça os sindicatos com multa que salta de R$ 500 mil para R$ 2 milhões, bloqueio de contas de sindicalistas e até prisão pela Polícia Federal. Um cenário que era contado em preto e branco, como parte de uma história remota de um país atrasado. “Não é a ditadura militar agindo, mas o poder judiciário funcionando como um esquema de poder paralelo”, observou. 

O desafio da unidade progressista

Se a direita se fragmenta em candidaturas que não se consolidam, mas derretem rapidamente diante do cenário recessivo, a esquerda tem desafios ainda maiores diante da prisão política de seu maior líder. Renato também avalia este cenário, as esperanças para a esquerda e seus impasses. Para ele, a construção de uma unidade da esquerda em torno de amplos setores progressistas será a alternativa estratégica para a superação do risco dos autoritarismos econômico ou político.

Cauteloso, Renato acredita que a indefinição da direita, por si só, não é o suficiente para derrotá-la e garantir a volta das forças progressistas e democráticas à Presidência. Renato pondera que, se a direita brasileira não tem um candidato de consenso, falta à esquerda dar passos concretos rumo à frente ampla. “É preciso superar as dificuldades de compor, organizar e unir as nossas forças.” Para ele, há um paradoxo em que a esquerda tem tudo para vencer a eleição, mas não tem tido a capacidade de unir forças.

Dentre as quatro pré-candidaturas que representam a esquerda, – Manuela D’Ávila (PCdoB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) –, apenas o PCdoB não impõe a cabeça da chapa como pré-condição para avançar na composição. Ele mencionou os elogios e acenos públicos ao PCdoB, sempre sob a condição primária de abandonar a candidatura de Manuela. “Temos um nome na disputa – aliás, um ótimo nome –, e o objetivo é manter a candidatura. É só em função da unidade, e não de um projeto específico de outro partido, que podemos abrir mão.”

“A unidade nunca foi tão necessária, ainda mais em nossa realidade, em que a luta deve ser de salvação nacional. Não é uma questão de verborragia, de retórica. Para o PCdoB, desde João Amazonas, a unidade sempre foi a bandeira da esperança”, declara Renato, sempre apontando para um otimismo característico de um partido que já atravessou momentos muito difíceis. Renato falou que, diante da falta de mobilização popular diante da perplexidade com a situação do país, ou diante da explosão de revoltas como a dos caminhoneiros que pode se alastrar, é preciso que a esquerda seja forte, unida e tenha aliados para conduzir a mobilização popular.

Tomar a iniciativa

Mesmo diante de tantas ressalvas observadas em outros setores da esquerda e do campo progressista, o exemplo do manifesto “Unidade para Reconstruir o Brasil”, lançado em fevereiro pelas fundações partidárias do PCdoB, PT, PDT e PSOL – a fundação do PSB não assinou o texto, mas participou de sua formulação, deu um novo fôlego à resistência golpista que estava paralisada e defensiva. Os debates que culminaram na redação final levaram um ano, mas ocuparam um lugar importante no vazio discursivo, de acordo com o dirigente. 

O mérito do manifesto foi unir as fundações, e movimentar seus partidos, em torno de uma ideia avançada – um novo projeto nacional de desenvolvimento. “É a proposta comum que ganha força. Já estava no Programa Socialista do PCdoB, de 2009, e agora está textualmente dito no manifesto”, afirma Renato. Ele costuma dizer que cada partido sempre desviava o debate para temas setoriais de suas lutas, priorizando este ou aquele tema, sem compreender o fundo estrutural da crise que vivemos. O debate sobre o NPND, feita desde sempre no PCdoB, acabou tornando-se o catalisador que unificou o ideário progressista das fundações.

Este debate de projeto nacional, na opinião de Renato, é um centro de convergência que dá sentido à frente ampla. Apenas unir setores distintos da política e da sociedade não basta sem um projeto sistêmico. “Sem um projeto para o País como centro da convergência, ficaremos em dispersão, em visões setorialistas.” Esse projeto sistêmico, do qual Renato é o maior defensor, leva em conta a questão nacional, com ênfase na soberania, na reforma do Estado brasileiro e na reindustrialização. Além disso, o combate à desigualdade e a defesa da democracia também sobressaem.

O dirigente também antecipou alguns passos da tática que visa ao avanço deste diálogo na frente política. “As fundações criaram um lastro programático. Agora, o objetivo é ter lastro parlamentar, com uma frente de partidos no Congresso Nacional”, avalia. “Só assim poderemos vislumbrar o passo decisivo, que é a frente eleitoral.” Para ele, estes passos inéditos na esquerda brasileira dão enorme esperança para a superação do impasse golpista.

No entanto, Renato Rabelo não está alheio ao fato de que toda esta tática programática e política está fundada numa expectativa democrática de realização do pleito eleitoral em outubro. Por isso, ele alerta para uma atenção da esquerda à possibilidade do consórcio conservador deslocar o sentido de urgência eleitoral para um sentido de emergência política.

“O que podem fazer é truncar as eleições de 2018 – tudo para impedir que o poder saia da mão deles”, denuncia. Neste caso, Renato enfatiza a importância de unir em torno da esquerda todos os setores que rejeitam o andamento do governo golpista, mesmo aqueles que o tornaram possível e se arrependeram, mas não encontram possibilidade de diálogo na esquerda.

“Já que o governo tem mais de 90% de rejeição, por que não unir amplos setores contra ele? Cabe à oposição, em especial ao PCdoB, liderar a luta de resistência, formar de fato uma frente ampla. Se unir só a militância, só a esquerda, vamos continuar facilitando o golpe sobre nós.”

Desafios sindicais além do golpe

O secretário Sindical do PCdoB, Nivaldo Santana, antecedeu Renato Rabelo, apontando os objetivos do encontro para a estratégia da militância sindical do Partido, em meio a um processo de desestruturação do movimento sindical pelo governo golpista.

O encontro anterior, no Rio de Janeiro, ocorrido em novembro de 2015, foi anterior ao golpe parlamentar e, portanto, demanda uma atualização urgente da política sindical do Partido. Uma atualização tática e estratégica frente a um golpe que se efetivou, uma agenda governamental que ataques aos sindicatos e direitos trabalhistas, a um governo corrupto que se mantém com apoio de um consórcio midiático e judicial, à dramática prisão do ex-presidente e pré-candidato Lula, e, agora, ameaças de truncar o processo eleitoral.

Ainda que a urgência seja o clima do encontro, Nivaldo defende a necessidade de resgatar elementos da história do sindicalismo, em geral, e da atuação comunista entre os trabalhadores em particular. No primeiro dia de programação, houve, por exemplo, uma mesa dedicada aos 30 anos Corrente Sindical Classista, a CSC, fundada por sindicalistas sob orientação do PCdoB em abril de 1988. O “registro histórico”, em tom memorialístico, coube a Aloísio Sérgio Barroso, um dos idealizadores da CSC e seu primeiro coordenador nacional.

Para Nivaldo, o movimento vive uma “etapa de resistência e acumulação de força”, diante das medidas impostas pelo governo Temer contra os trabalhadores. Tendo como principal referência as resoluções do 14º Congresso do PCdoB, realizado em novembro de 2017, o dirigente sustentou que o Brasil vive um novo ciclo político pautado por uma agenda “com conteúdo bastante reacionário”.

“Temer está à frente de um governo, essencialmente, ultraliberal, neocolonial e autoritário. Particularmente para os trabalhadores, esse governo tem sido muito perverso”, disse Nivaldo. Entre as medidas recentes, mencionadas pelo sindicalista, estão a PEC do Teto de Gastos Públicos, a lei da “terceirização irrestrita” e, acima de tudo, a reforma trabalhista. Com isso, o saldo do ajuste fiscal conservador resulta em aumento do desemprego, precarização das relações de trabalho e redução da massa salarial real. 

No caso da nova legislação trabalhista, além do desmonte irresponsável da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), deu-se “o pior ataque ao movimento sindical nas últimas décadas”, em sua opinião. “Com a reforma, o governo conseguiu limitar o poder de representação e negociação do sindicato”, declarou Nivaldo. “O fim da contribuição sindical compulsória abalou a sustentação das entidades.”

Nivaldo, no entanto, não localiza os problemas do sindicalismo apenas no retrocesso neoliberal atual, com seus governos e agendas ilegítimas. As mudanças estruturais do capitalismo afetam os alicerces do sindicalismo. O declínio do sistema fordistas-taylorista e o distanciamento crescente entre a cúpula e a base das entidades são dois aspectos fundamentais, mencionados por Nivaldo, para a corrosão do movimento.

Sobre as estruturas de oficinas coletivistas da indústria, Nivaldo explica que o movimento sindical moderno se ergueu sobre esse sistema de grande concentração de mão de obra, produção em massa e coerção dos trabalhadores. “As históricas greves de 1978 são um símbolo disso. Reunir 100 mil numa assembleia era mais natural dada a grande aglomeração de trabalhadores nas fábricas. Um simples comício na porta de fábrica atingia milhares de operários”, diz Nivaldo. 

Mas, desde o advento do “toyotismo”, esse sistema foi superado, com a fragmentação e profunda alienação dos trabalhadores. O trabalho e suas relações se moldam às necessidades; as empresas tentam cooptar mais sutilmente os funcionários. Foi esse novo paradigma individualista do mundo do trabalho que justificou uma crescente precarização do trabalho por meio de regulações “flexíveis” das relações de trabalho, que resultaram em extinção de direitos, diminuição dos custos e da capacidade de intervenção sindical.

Quanto à tendência ao “cupulismo”, o secretário sindical do PCdoB é taxativo: “O movimento, de modo geral, perdeu força na base. Temos de melhorar a organização sindical no Brasil – e melhorar, sobretudo, a organização no local de trabalho, o enraizamento entre os trabalhadores, as taxas de sindicalização”.

Para apontar as reflexões a serem feitas durante o Encontro, Nivaldo evocou o documento histórico para o sindicalismo comunista: “Por um Movimento Operário Combativo, Unido e Consciente”, lançado pelo PCdoB em 1981, por iniciativa do líder comunista João Amazonas (1912-2002). Ali estão sistematizados “pontos essenciais da concepção e da política sindical do PCdoB”.

“Defendemos eleições livres para repactuar a vida nacional e estabelecer uma nova agenda. O movimento sindical tem o dever classista, fundamental, de ter uma participação decisiva nas eleições 2018”, sustentou Nivaldo, em diálogo com o debate proposto por Renato Rabelo.

O 7º Encontro Sindical Nacional do PCdoB termina nesta sexta-feira (1/6). O ato político, no período da tarde, contará com a presença da pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela D’Ávila.