Na abertura da mesa, a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março, foi homenageada. Sua irmã, Anielle Silva, estava presente e agradeceu a solidariedade. “Ainda não estamos prontos para falar sobre nossa tragédia. Mas sabemos da importância de momentos como este”, afirmou.

Mediada pelo jornalista Renato Rovai, da revista Fórum, a pré-candidata do PCdoB, Manuela D´Ávila, destacou a importância das editoras independentes para o fomento de produção de obras que ajudam a construí o pensamento político. Para ela, o esforço feito pelas editoras independentes precisa ser fortalecido no país para que “mais obras relacionadas à construção do nosso pensamento das nossas ideias e do nosso projeto para o país sigam circulando, fazendo com que novas pessoas pensem, reflitam e se engajem nesse projeto de transformação que o país precisa”.

Manuela fez questão de trazer ao debate obras que demonstram a importância da questão de gênero e raça para o desenvolvimento de um país. “Selecionei algumas leituras que mudaram muito a minha perspectiva e que fazem a gente refletir sobre algo que muito importante no Brasil e no mundo de hoje. A construção de um projeto nacional de desenvolvimento que enfrente duas questões que estruturam a desigualdade em nosso país: as questões de gênero e de raça”, frisou Manuela.

Para a pré-candidata, o Brasil não pode pensar um projeto nacional de desenvolvimento sem que perceba que as mulheres, os negros e negras – que compõem a maior parte da população -, estão “alijados da construção desse desenvolvimento”.

Ela citou obras como “Mulher, Estado e Revolução”, de Wendy Goldman, e “A Mulher Habitada”, da nicaraguense Gioconda Belli. “Me instiga por ser uma escritora maravilhosa, mas também por ser uma guerrilheira”, enfatizou.

Outra escritora citada por Manuela foi a inglesa Virginia Woolf, apontando o artigo “Profissões para mulheres”, escrito em 1931. Manuela contou que Virginia Woolf escreveu o artigo para um grupo de mulheres trabalhadoras, para abordar o poema de Patmore e a necessidade de matar o que ela chama de “anjo do lar”, que apenas obedece e cumpre as suas funções domésticas como mulher. No artigo, ela afirma que todas as mulheres possuem esse tal anjo dentro de si e que, para uma vida saudável é preciso combatê-lo.

Misoginia e o golpe

Manuela apontou que o golpe de 2016 contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff é uma demonstração de como a questão de gênero é estrutural.

“O golpe que nós vivemos que é inconstitucional e antidemocrático, tem a narrativa popular baseado na misoginia machista. O que diziam para justificar o golpe: que a Dilma não era capaz de enfrentar a crise, era a Dilma mal-amada, a mulher que gritava diante de homens calmos, sensatos e ponderados”, lembrou Manuela, que também é deputada estadual pelo Rio Grande do Sul.

“Quando a gente pensa no golpe precisamos pensar que é um projeto antibrasileiro, que partiu de um impeachment sem crime de responsabilidade, mas a legitimidade social desse golpe partiu da ideia de que a Dilma era incapaz de superar a crise econômica do Brasil. Na ideia de que as mulheres precisam abraçar o seu ‘anjo do lar’ e não enfrentá-lo”, comparou Manuela.

A mesa também contou com a pré-candidata pelo PSTU, Vera Lúcia, que salientou que o seu primeiro contato com a leitura política foi quando trabalhava em uma fábrica, onde tornou-se costureira de sapatos, e leu o Manifesto Comunista, de Marx e Engels. Para ela, os conceitos de internacionalização da luta da classe trabalhadora e do Estado marcaram a sua vida.

Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi representado pelo presidente da Fundação Perseu Abramo e economista Marcio Pochmann. Lula, que está preso desde o dia 7 de abril, enviou uma carta que foi lida por Pochmann durante o debate. “Espero que a Constituição seja o livro de cabeceira de todos neste momento”, frisou o ex-presidente, que foi condenado e preso num processo irregular e de violações aos direitos e garantias individuais.

Pochmann afirmou que Lula tem feito uma “leitura mais sistemática a respeito do Brasil” e citou livros que Lula leu no último período como a trilogia do jornalista Lira Neto sobre Getúlio Vargas. Na carta lida pelo economista, Lula citou a oposição sofrida por Vargas contra a legislação trabalhista, a criação da Petrobras e da Eletrobras, que foram as bases do desenvolvimento industrial e tecnológica do país. “Hoje enfrentamos de novo forças que não querem a democracia, o desenvolvimento, a soberania e a inclusão social”, diz Lula em outro trecho da carta.

A pedido dos organizadores do evento, aberto na noite desta segunda-feira (18) na PUC-SP, Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, que estava representando Lula, leu a carta enviada pelo ex-presidente que leu 21 livros desde o dia 7 de abril, quando decidiu cumprir a ordem judicial.

Em um dos trechos da carta, Lula diz ser candidato a presidente porque não cometeu crime e que o medo “deles” é que volte a ocupar o Palácio do Planalto.

No final, o ex-presidente lembra que a Constituição diz em seu 1º artigo que todo o poder emana do povo, que o exerce por representantes eleitos e espera que a Constituição seja o livro de cabeceira de todos nesse momento.

Leia a íntegra da carta do ex-presidente Lula

O livro que mais me marcou recentemente, na realidade, são três: a trilogia de Lira Neto sobre Getúlio Vargas.

Dos três livros, o primeiro é muito interessante por contar a origem de Getúlio e a política gaúcha do início do século XX.

Mas tendo lido a trilogia após ter sido presidente da República, o melhor foi observar no terceiro livro da trilogia as lutas de Getúlio em sua volta ao governo pelo voto, entre 1950 e 1954.

O enfrentamento com as forças que atuam contra a soberania e o desenvolvimento do país. Ao ler o livro notamos muitas semelhanças com o momento atual; que muitas dessas forças são as mesmas que atuam hoje contra o Brasil, com o mesmo discurso e as mesmas táticas.

A oposição que Vargas enfrentava na época era justamente contra as leis trabalhistas, a fundação da Petrobras, da Eletrobras, da siderurgia nacional, das bases para um desenvolvimento industrial e tecnológico do país.

O sacrifício máximo de Getúlio para muitos conseguiu fazer com que se impedissem por alguns anos aventuras antidemocráticas.

Hoje nós enfrentamos de novo forças que não querem a Democracia, não querem o desenvolvimento, não querem a soberania, não querem a inclusão social.

Sou candidato a presidente porque não cometi crime nenhum e quero fazer o Brasil ser feliz de novo. Não estou preso por causa de um apartamento no Guarujá no qual nunca dormi, do qual nunca tive chave, e que jamais foi meu. O medo deles é que eu volte a ocupar o Palácio do Planalto.

Lutaremos pela democracia até o fim. Pelo direito do povo brasileiro escolher quem os governa e para que a justiça seja feita.

A Constituição diz em seu primeiro artigo que todo o poder emana do povo, que o exerce por representantes eleitos.  Espero que a Constituição seja o livro de cabeceira de todos nesse momento. Deixem o povo decidir quem será o presidente do Brasil.

Um forte abraço,

Luiz Inácio Lula da Silva

Manifesto contra o golpe

Ao final do evento, os editores independentes leram uma manifesto contra o golpe de 2016 e as suas consequências na educação e no setor livreiro e o papel do livro na construção de uma sociedade mais igualitária.

Leia a íntegra da carta dos editores

Nós, editores independentes, somos também testemunhas do rumo destrutivo que o país tomou depois do golpe de 2016. Como não poderia deixar de ser, a mudança abrupta de poder significou cortes e perdas de continuidade nas políticas do livro e leitura, paralisação de discussões centrais para a área e crise econômica severa, que atinge, inclusive, os grandes grupos do setor que apoiaram a derrubada do governo democraticamente eleito.

O fechamento de livrarias, cujo exemplo mais recente é o encerramento das atividades da loja da Fnac-Livraria Cultura de Pinheiros, é o sinal mais evidente desse retrocesso. Pequenas e médias livrarias pelo país enfrentam situação similar, enfraquecendo a capilaridade da circulação do livro.

A crise política e econômica decorrente do golpe se soma, neste momento, à transformação tecnológica radical do setor, talvez a mais radical desde a invenção da prensa, há 500 anos, com a formação de grandes redes de livrarias baseadas no big data, a organização de conglomerados mundiais de edição, as vendas pela internet e a digitalização acelerada, legalmente ou não, de conteúdos.

Tudo isso parece ser praticamente ignorado pelo governo e pelos parlamentares, que, a despeito de uma ou outra legislação para o setor, não conseguem conceber uma política geral para o livro e a leitura. Reina o laissez-faire improdutivo ou, melhor dizendo, destrutivo, para o mercado editorial e para o debate democrático que ele deveria sustentar.

A construção social de um projeto inclusivo de leitura é tarefa nada simples. A ideia de que a cultura é naturalmente boa era uma falácia que, com dificuldade, combatíamos, tanto na organização do Salão do Livro Político quanto na Libre – Liga Brasileira de Editoras, entidade que reúne editores independentes de todo o país.

Essa falácia por muito tempo deixou o livro fora do alcance de políticas públicas pensadas a fundo. Por muito tempo, acreditou-se que bastava distribuir livros às mancheias, como diz o poema. Ninguém discutia a mediação e a construção da leitura. Ninguém discutia se o conteúdo era libertador ou ideologicamente aprisionador. Ninguém discutia os livros e como torná-los vivos: o livro era uma entidade quase religiosa, cujas festas serviam à elite e deviam ser admiradas pelo povo.

Se essa ideia era paralisante e constrangia a democratização do livro, uma pior tomou a frente da cena: a de que o livro é potencialmente perigoso.

Viceja a ideia de que cultura é coisa de esquerdista-comunista-feminista-gayzista (como se essas palavras fossem ofensas…). De que a cultura letrada, tradicionalmente dominada pelos poderosos, é potencialmente perigosa quando apropriadas pelos de baixo e pelos condenados da terra. 

Um novo governo democrático, no país, deve buscar mais democracia, mais participação e mais diversidade – racial, de gênero, cultural e editorial – na construção de sua política de leitura. Será preciso reconstruir um diálogo, no âmbito federal, que foi altamente produtivo de 2003 a 2010 para o setor do livro, encontrou algum recuo entre 2010 e 2016 e tornou-se bastante avesso à bibliodiversidade e às editoras independentes depois disso.

Este salão, agora em sua 4ª edição, é um sinal da importância que o livro tem para a política, para a emancipação dos trabalhadores e dos oprimidos e para a construção de um projeto alternativo de sociedade.

O pré-candidato pelo PSol, Guilherme Boulos, foi convidado mas não compareceu.

Publicado no Portal Vermelho