Renato participou, com o presidente da Fundação João Mangabeira, Alexandre Navarro, da abertura do 3º Seminário Jurídico da CTB, que reuniu dirigentes de 20 estados, na sede da CTB Nacional em São Paulo. As mesas desta quinta levantaram a discussão sobre a centralidade do trabalho e os impactos da decisão do STF sobre a contribuição sindical. Leia a cobertura completa do evento em www.ctb.org.br.

Embora o Governo Bolsonaro ainda não tenha sido empossado, Renato procurou analisar a conjuntura a partir da transição e manifestações públicas de suas principais referências. “Não perdemos só para a direita, mas para a extrema direita. A esquerda perdeu o embate ideológico devido às deficiências do nosso campo”, lamenta ele. Ironizando, ele lembrou que setores da esquerda torciam para que o segundo turno fosse com Bolsonaro, em vez do PSDB, pois seria mais fácil derrotá-lo.

Entre as debilidades da esquerda apontadas no debate atual, está a falta de proximidade com as massas populares. “Com certeza, se tivéssemos isso, a luta política ideológica imposta por eles não teria pegado. Nossa distância das massas dificulta a nossa compreensão das narrativas da violência e do desemprego, assim como da importância das organizações religiosas na periferia”.

“Antes, o vínculo entre os sindicatos e as massas se dava organicamente nas periferias das cidades. Hoje, são as igrejas evangélicas, com as quais sequer temos diálogo, que cumprem esse papel. Nossa narrativa vai penetrar nas massas, conforme as consequências desse governo forem se concretizando na vida material do povo”, prevê ele.

“Como vai ser a resistência? É o que nos resta”, destacou o dirigente comunista. Para ele, o centro de gravidade da resistência será um desafio: construir uma ampla unidade em defesa da democracia. “Juntar todas as oposições a esse governo em respeito à Constituição de 1988, à plena garantia da democracia e à liberdade política. Se garantirmos isso, já vai ser a grande luta que abre portas”, afirmou.

Caráter do diabo

 

(Foto: Cezar Xavier)

“Qual o diabo do caráter desse governo de extrema-direita?”, questionou ele. Renato se sente a vontade para afirmar que há uma questão mais visível e aparente: “trata-se de um governo autoritário, projeto econômico ultraliberal, pró-ocidente, tendo como centro os EUA”. Para ele, o Brasil se anuncia aliado dos EUA na promoção de um retorno da guerra fria, agora contra a China, país que ascendeu no sistema internacional. Para ele, esta guerra comercial é a disputa maior na geopolítica mundial.

“O clã Bolsonaro já tomou partido contra a China, algo que nem a direita faz. O extremismo desse governo é tão grande e a ideologia tão rasa que coloca a China como alvo, quando é um dos principal parceiros comerciais do Brasil”, criticou.

Para ele, este governo mostra traços fundamentalistas de uma visão cultural e religiosa “anterior ao iluminismo”. Ele mencionou ideias que pululam na atualidade como a de formar crianças apenas na família e na religião, sem precisar ir para a escola. “Isso é coisa de idade média!”

Ele também mencionou o ideário do novo chanceler Ernesto Araújo, cotado para ser o ministro de Relações Exteriores. “Ele diz que toda oposição é cultura marxista e que a Revolução Francesa é produto da cultura marxista, sendo que Marx nasceu décadas depois daqueles conflitos. “Esse é o caráter do governo. O ministério que estão montando é um horror. É o esgoto!”, afirmou ele, exaltado.

Para ele, o núcleo do governo Bolsonaro é a farda, a toga, o clã Bolsonaro e o mercado. “A classe dominante brasileira não queria esse tipo de gente, mas se desmascara para evitar a volta da esquerda ao poder. Isso mostra a natureza dessa classe dominante”, pontuou.

Renato disse que o centro de gravidade desse governo é o autoritarismo, que pode chegar a uma forma ditatorial, “especialmente se houver revezes no governo”. Para impor o ultraliberalismo, a anulação de direitos e a alienação da soberania do país, Renato acredita que o autoritarismo se expressará por meio do alvejamento à oposição politica e à mídia que não se submeta ao governo. “Já anunciam restrições a liberdade de imprensa, vejam o que aconteceu com a Folha de S. Paulo”, disse ele, referindo-se à denúncia do jornal sobre a campanha de fakenews disparada e financiada por Bolsonaro, e que acabou sofrendo ameaças do novo presidente eleito.

Conforme avança sobre o estado, Bolsonaro explicita seus alvos de ataque: o PT e a esquerda, ativistas sociais, movimentos e entidades do povo e dos trabalhadores, mídia digital democrática e trabalhista. “O próprio Congresso já percebe que não saberá como se posicionar com esse governo, dado seu extremismo, buscando defender sua autonomia. Não sei qual será o desfecho desse confronto”, indaga.

Altas expectativas

Como reagirá a opinião pública a tudo isso, questiona Renato, conforme o governo não apresente resultados que supram as altas expectativas depositadas por seus eleitores: “Ele vai pedir paciência? Vai justificar a crise com a necessidade de vender todo o patrimônio nacional? A reforma da previdência será muito mais truculenta do que prevíamos, a trabalhista será complementar a que está aí. Nem se toca no assunto de uma reforma tributária progressiva. É tudo contra a maioria do povo”, mencionou.

Haverá retomada de emprego? “Posso dizer que haverá crescimento lento em maior período de tempo, com ajuste fiscal draconiano. Por outro lado, a previsão de analistas, é de uma desaceleração da economia no mundo todo no próximo ano, especialmente por conta da guerra comercial”.

Outro aspecto que aflora desta transição é a ideologia de estado reduzido com soluções de mercado predominando sobre as de estado. Haveria, segundo ele, uma forte desregulamentação das mercadorias do capitalismo: trabalho, terra e dinheiro. “Bolsonaro prepara as condições para a financeirização completa da economia brasileira”, resume.

Qual a consistência desse regime político de extrema-direita? Renato aponta para a experiência da extrema-direita no mundo, em que o vínculo com a sociedade se dá através do moderno aparato de comunicação das redes sociais. A escolha de um alvo como bode expiatório para ocultar suas falhas é outra característica. Se na Europa etnias e refugiados são o alvo de ataque preferencial, no Brasil, a esquerda e o PT são os mais mencionados como motivo da desgraça nacional.

Renato enfatiza, no entanto, que Bolsonaro é apenas um instrumento em sua mediocridade. O objetivo para a direita e a classe dominante nacional é consolidar seu poder, uma vez conquistado, após quatro governos de esquerda. “O Brasil é um teste planetário, não se iludam!”, diz ele sobre o problema de fundo, embora duvide da capacidade de conseguirem isso com Bolsonaro ou se haverá lastro popular para tanto.

Não é por acaso que a orientação vem dos EUA, em sua opinião. Renato ainda mencionou o fato recente da recepção de Bolsonaro a oficial americano batendo continência. “Isto é uma humilhação para o povo brasileiro!”, exaltou-se mais uma vez.

 

Amplitude política

A lógica que deve orientar a resistência é unir forças, denunciar as restrições às liberdades democráticas e a renuncia à soberania do país, “que chega ao nível de vergonha aos brasileiros”. Ele mencionou a reunião da Clacso, em que as ex-presidentas Dilma Rousseff e Christina Kirshner defenderam um levante de todas as oposições juntas, “até o diabo”, literalmente. A argentina falou numa frente cívico-patriótica.

Não obstante, Renato já antecipa as críticas à formação de “frente ampla” por setores de esquerda, que preferem uma “frente popular”. Para ele, trata-se de uma falsa polêmica, pois não há contradição entre frente ampla e frente popular. “A frente popular dá consequência à frente ampla. Quanto mais ampla, mais isola o adversário. A frente popular fica só e facilita o golpe sobre nós”, define ele.

Bolsonaro atinge um amplo espectro político como alvo de ataques, na opinião de Renato, que vai desde a esquerda mais consequente e vai até o liberalismo democrático. “Não é por acaso que o PSDB afundou-se completamente”. Desta forma, mesmo setores tucanos que quiserem partir para a oposição devem ser bem-vindos nessa hora difícil.

Para esse governo, os trabalhadores são o foco decisivo da austeridade, não a burguesia. “Essa ditadura é para os trabalhadores, para a maioria do povo”, afirmou.

De acordo com Renato, esta saída da direita e entrada da extrema-direita, expressas por Trump, Brexit e Bolsonaro, precisam ser entendidas indo à infraestrutura do sistema. “O capitalismo é cada vez mais um sistema de capital fictício, de rentismo, com hipertrofia produtiva. Por isso, a quarta revolução industrial leva à desvalorização do trabalho e valorização do capitalismo financeiro. A desvalorização do trabalho, por sua vez, leva à perda sistêmica de direitos, precarização crescente do trabalho, marginalização de camadas de trabalhadores. Tudo isso com uma tecnologia extraordinária que não estará a serviço dos trabalhadores”, analisa.

Bolsonaro se antecipa propondo a “carteira profissional verde e amarela”, ou seja, a oficialização de um documento para o trabalho precário. Ao trabalhador fica a escolha entre trabalho e direitos. “Fomos enxotados por eles para isso: para aceitar o trabalho sem direitos”.

Por isso, diz ele, a resistência tem que ser ampla. “É ilusão pensar que o trabalhador vai fazer uma resistência própria. Trabalhador organizado participa com mais força de uma frente ampla”, concluiu.

 

(Foto: Cezar Xavier)