O ciclo de debates Diálogos, Vida e Democracia trouxe o tema Crise, Comunicação e Democracia, que, por óbvio, se tornou uma investigação sobre o fenômeno das fake news como uma patologia da comunicação.

Sob a coordenação de Henrique Matthiesen, do Centro de Memória Trabalhista e membro da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, o ciclo promovido pelo Observatório da Democracia convidou os deputados David Miranda (Psol-RJ), Túlio Gadelha (PDT-PE), Lídice da Mata (PSB-BA), o senador Humberto Costa (PT-PE) e a ex-deputada federal e escritora, Manuela D’Ávila (PCdoB).

Segundo Mathiessen, as fake news têm provocado desastres na democracia brasileira. Ele as associa à crise pandêmica sem precedentes, que tem vitimado milhares de brasileiros, à crise econômica, com milhares de empresas sendo fechadas  e à crise política, com radicalização e negacionismo, que ele considera obstáculos para o Brasil superar sua pior crise.

Ele entende a disseminação de fake news como um sistema importado que interfere na soberania nacional do povo brasileiro para distorcer as informações com finalidade política. Ele observa que cada vez vai ficando mais claro o financiamento deste sistema por empresas privadas e recursos públicos. Ele acredita que a CPMI das Fake News tem condições de identificar o endereço de quem dissemina tanto ódio nas redes sociais.

Em sua opinião, por trás das fake news, está aflorado o preconceito de classe, para além da simples ignorância das pessoas sobre sua dinâmica. Por outro lado, ele acha que os partidos ainda pouco entendem o papel das fake news e como combatê-las.

A cobrança da fatura virá num grupo de Whatsapp

Para Manuela D´Ávila, debater todas as esferas de construção de opinião na politica implica em entender que, há apenas 15 anos atrás, a comunicação era composta de um único emissor em que a mensagem era recebida de forma passiva. A partir das mudanças tecnológicas, como a internet sem fio, os smartphones e as plataformas de redes sociais, passou a haver espaços de disputa e construção de opinião e construção do real, com elementos que não são orgânicos e verdadeiros, como as fake news, robôs e dados minerados por mecanismos de big data.

Para imaginar saídas e enfrentar coletivamente isso, Manuela considera importante compreender as redes sociais como espaço de construção de opinião, a relevância de disputar essa opinião, valorizar esses espaços e entender adequadamente os crimes cometidos. A falta dessa compreensão, de acordo com ela, nos torna ausentes e incapazes de decifrar partes da realidade brasileira, como a que levou à eleição surpreendente de Bolsonaro.

“Enquanto eles operavam com fake news, nós usávamos parâmetros antigos das eleições como partido nacional, centralização, capacidade de chegar nos grotões. A internet possibilitou isso e já se anunciava essa possibilidade. Assim como hoje se anuncia que pode surgir um novo pacto político que culmine num impeachment de Bolsonaro”, observou.

“Subestimamos o papel das fake news e medidas para enfrentá-las, porque não tínhamos, como campo político que defende a democracia, a dimensão do peso das mentiras impulsionadas por robôs na constituição do pensamento da sociedade brasileira. Não compreendíamos que as vítimas dos ataques de fake news, como eu, Maria do Rosario e Jean Wyllys, não apenas sofríamos os ataques pelos temas que defendíamos, como os temas que defendíamos eram escolhidos pelo eco que tinham na sociedade”.

Ela relatou que o candidato a presidente Fernando Haddad (PT) não entendia, por exemplo, porque não era alvo de fakenews, enquanto Manuela, sua candidata a vice era. “Ele não entendia que o homem branco que se enquadra em todo o perfil de sucesso da sociedade, é mais difícil de ser envolvido em mentiras. Enquanto isso, uma mulher, sem parentes importantes, num papel de poder pode ser acusada de todo tipo de mentira, que faz sentido na cabeça das pessoas que ela cometeu alguma barbaridade para estar ali”, afirmou.

Durante as disputas de Bolsonaro e Moro, ela observa que velhas fake news foram reaquecidas porque existe um sistema que as legitima. Ela defende que, ao mesmo tempo que temos que combater as fake news, precisamos ensinar as pessoas a identificá-las, criar ferramentas que digam a verdade e denunciem as mentiras.

“Mas também precisamos entrar nas redes sociais. As fake news não são o único motivo das vitórias deles e derrotas nossas. Existe uma vida organizada nas redes que, nós, pela tradição dos partidos, das assembleias e reuniões presenciais, subestimamos e ainda não compreendemos bem”.

Manuela é otimista em acreditar que “a história se impõe”, e vivemos um momento em que a ideologia e a mentira estão muito ligadas num tema em que a fatura é cobrada muito rápido. “É a morte de milhares de brasileiros pela irresponsabilidade desse governo sustentada por essa nova indústria de mentiras relacionadas ao coronavírus. Toda a máquina que era direcionada a nos deslegitimar, agora está voltada a legitimar a omissão de morte do governo federal. Na minha opinião, a consciência da população fica mais facilmente despertável”, declarou.

Ela observa que os instrumentos de checagem conseguem audiência cada vez maior. Os canais de comunicação referenciais de notícias ganharam legitimidade e visibilidade maior com a pandemia. “Por outro lado, tenho esperança que, assim como o movimento que culminou na eleição de Bolsonaro, sustentado pelas mentiras e robôs, também traz em si os desejos de muitos se expressarem, que esse mesmo ambiente que produziu isso, também produza a saída, a ruptura que precisamos para governar o Brasil”.

Para ela, este espaço está à disposição das forças progressistas para construção de opiniões democráticas. Ela diz ter a impressão de que esse espaço é mais unido e tem mais unidade de ação que os partidos progressistas. “Esse espaço olha mais para o presente do que para o passado e o futuro. O presente é de necessidade de enfrentamento de Bolsonaro, independente do que aconteceu em 2014 e do que haverá em 2022. Pela velocidade, as redes nos impõe colocar os pés no presente”,conclui.

O ódio acima de tudo

O senador Humberto Costa admitiu sua ingenuidade, quando, diante da pandemia, imaginou que talvez fôssemos nos solidarizar e nos humanizar contra o discurso do ódio e da raiva, além da questão objetiva da doença como  um desastre do ponto de vista humanitário e econômico. “Qual não foi minha surpresa quando, não só se manteve o clima de ódio e mentiras, como aumentou. As fake news encontram em grupos da política, grupos de países como os EUA, e nas religiões fundamentalistas, terreno fértil pra se reproduzir, até mesmo numa pandemia”, observou.

Ele ainda percebe que são trabalhadas as emoções mais negativas. A pandemia mexe com os piores sentimentos do brasileiro, hoje, que são a raiva e o ódio. “O ódio acima de tudo”. Diante da solidariedade ativada pela doença, para resistir no poder, eles vão pra cima da lógica da própria pandemia ao disseminar que ela não é tão grave, tem um remédio que resolve, mas não é utilizado, porque há uma conspiração internacional.

“Neste contexto, a verdade não tem importância, mas minha opinião articulada com a ação do grupo a que defendo. Ninguém mais representa ninguém e me sinto participando, com minhas opiniões, de um grande sistema de democracia direta. Nada mais tem valor, senão as opiniões do indivíduo”, analisou.

Esse trabalho é fácil de se reproduzir, porque, ao longo do tempo, promoveu-se um processo de fragilização das instituições. A única instituição que esse governo preserva, pelos interesses que defendem, são as forças armadas.

Em outros países, suprematistas brancos, neonazistas, extrema direita e extrema esquerda se manifestaram mas se sentiram inibidos pelas instituições e pela sociedade. “Aqui, não”.

Mas Costa aposta na superação de estado de coisas. Tem crescido muito o número de pessoas que estão procurando mais fontes de informações e valorizando as fontes tradicionais.

“Estamos numa encruzilhada histórica. Temos apoio para mudar esse governo, mas não temos força suficiente para executar isso. Bolsonaro vai perdendo apoio na população, não tem nenhum apoio institucional, senão em partes das Forças Armadas, portanto não tem condições de se impor como ditador num golpe de estado. Uma disputa grande para um novo momento”, aponta o senador.

Na opinião dele, o campo progressita tem saído da visão amadorística de lidar com as redes sociais. A CPMI das fake news tem ajudado, assim como o inquérito no Supremo Tribunal Federal que as analisa. “O próprio TSE que não quer chegar a lugar algum, mas tem sido obrigado a fazer algumas investigações para identificar esse submundo. As plataformas de redes sociais estão sendo obrigadas a fazerem mudanças para sair do clima de forte pressão. Temos descoberto mecanismos capazes de desmontar a influência que esses agrupamentos de extrema direita têm”, diz ele.

Costa cita, ainda, o surgimento no Brasl do perfil Sleeping Giants, que tem obtido resposta positiva em desmontar o financiamento de focos de fake news. “A insistência do Carluxo em que o Banco do Brasil continue financiando o Jornal da Cidade, o pior foco de mentiras depois do gabinete do ódio, gera uma questão que pode conscientizar a população”.

De acordo com o otimismo do senador, se sobrevivermos à pandemia e Bolsonaro não conseguir dar um golpe, temos espaço para uma mudança importante na democracia brasileira.

A despreparo da pandemia de fake news

O deputado Túlio Gadelha citou a pesquisa da Fundação Tide Setúbal, que revela as diferenças de conservadores moderados, que têm sua pauta conservadora, e que teriam acreditado em Bolsonaro como uma esperança de luta contra a corrupção, sem conhecer sua trajetória nos porões da política.

Para ele, é importante compreender essas diferenças e não generalizar uma percepção sobre o brasileiro conservador. “Erramos em fazer um discurso de confronto aos ideais conservadores de grande parte da população brasileira, o que favoreceu o avanço do discurso de políticos como Bolsonaro. Essa abordagem de confronto impediu uma sensibilização da população conservadora de pautas raciais, por exemplo, pois nunca entenderam-nas como dívidas históricas. Para eles, essas minorias não estariam lutando por direitos, mas por privilégios”, acredita ele.

Depois, tem a vontade dessas pessoas de opinar, de propagar informação em vez de apenas receber. Para elas, não importa a veracidade da opinião do opositor de esquerda, mas os fatos que confirmam a opinião delas.

Mas Gadelha observa que não existe uma propagação orgânica dessas fake news e opiniões, mas um sistema de propagação montado e financiado por muitos agentes. A CPMI das Fake News tenta descobrir, de acordo com ele, quem financia, como funciona e a quem serve.

O fato desses aplicativos de redes sociais serem estrangeiros e subordinados a tribunais norte-americanos, dificulta o acesso dos deputados a informações e dados. Ao mesmo tempo que os parlamentares precisam chegar a resultados elucidatórios desse sistema, existe preocupação do governo Bolsonaro de impedir o trabalho e acabar com a CPMI.

“Esse período de desinformação é histórico e as próximas gerações já virão vacinadas. As fake news surgem num momento em que as pessoas não tinham qualquer proteção contra elas. As pessoas não compreendiam como funcionava a mecânica do Whatsapp. Diziam grandes mentiras justificadas assim: ‘minha filha que me mandou. Você está dizendo que ela está mentindo?’ Essa geração que está vindo já chega mais blindada contra isso”.

Para ele, é preciso ter a humildade de não impor as pautas para pessoas que não as conhecem ou entendem. “Precisamos de um discurso mais leve e mais afinado”.

A crueldade dos números que se tornam nomes conhecidos

O deputado David Miranda lembrou que a ascensão da extrema direita e das fake news no Brasil e no mundo está relacionada com o surgimento da internet, desde a blogosfera, se acentuando com as redes sociais. Grupos que já eram organizados, como LGBTQI , negros e feministas, começam a se expressar nessas ferramentas e disputar espaços de poder “que não eram dados de mão beijada”. “Desta forma, é mais fácil atacar populações historicamente discriminadas pela sociedade”.

“É um absurdo o Bolsonaro ainda estar de pé com tantos crimes! Sabemos que isso só é possível porque existe uma máquina do ódio e das fake news”. Miranda diz que sequer se sabe qual o tamanho do financiamento dessa máquina, quanto do cartão corporativo da Presidência da República vai nisso, o quanto Steve Bannon está envolvido com a estratégia brasileira.

Por outro lado, a desinformação estimulada pelo Bolsonaro começa a ser percebida em sua crueldade conforme os números da pandemia começam a se transformar em nomes de conhecidos.

“O poder das empresas norte-americanas [Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, Google, etc] controlando os algoritmos de big data [dados macro de perfis individuais para utilização em publicidade em propaganda] brasileiros é muito grande. É muito perigoso para a democracia pois não sabemos como elas operam com esses dados”, alerta.

Em sua opinião, é hora de elaborar legislação que regule isso. “Sou otimista e não desisto. Acho que o Bolsonaro precisa sair pra que descubramos tudo de sujo que tem nestes mandatos dele e dos filhos. Ele é o maestro dessa situação toda. Estamos fechando um cenário com força de coalizão entre o campo progressista”, declarou. 

Se Bolsonaro não for tirado agora, na opinião de Miranda, a próxima epidemia será de fome. Ele acredita que o Brasil tem mais de um trilhão em reservas para conseguir manter as pessoas seguras para passar essa pandemia, mas, ele insiste, é preciso tirar o Bolsonaro para garantir esses recursos.

As fake news são fascistizantes ao impor o medo

A deputada Lídice da Mata diz que o gabinete do ódio leva para a prática governamental o que já fazia na campanha eleitoral. Segundo ela, o gabinete do ódio dissemina o mal não como uma experiência brasileira, mas internacional, comandada por pensadores de extrema direita unidos ao grande capitalismo. “Partem do princípio que é preciso destruir os valores da sociedade atual, baseada no humanismo e num pacto internacional de convivência com as diferenças, baseada num pacto democrático”.

As mobilizações da juventude que levaram ao Marco Civil da Internet com seus princípios democráticos de liberdade de expressão, de acordo com ela, passaram a conviver com as fake news que são a patologia da comunicação em rede nesse momento no mundo.

Na opinião da deputada que é relatora da CPMI das Fake News, o financiamento público do gabinete do ódio vai ficando cada vez mais claro, financiando a desinformação contra a estratégia internacional de combate à pandemia, assim como os ataques aos governadores e prefeitos que a seguem.

“A troca de mensagens entre Moro e Bolsonaro revela as fake news contra o governador e os senadores da Bahia. Boataria que desequilibra o ambiente social e fragiliza as pessoas que não sabem em quem acreditar e se submetem a eles até pelo medo que impõem. Uma atitude fascista que aterroriza a população contrária a eles”, relatou ela.

No entanto, surgem as empresas, institutos e organizações de checagem. Na pandemia, de acordo com Lídice, as pessoas querem saber a verdade e buscam fontes seguras de informação porque temem pela vida. “A comunicação é estratégica para a democracia e a CPMI deve se tornar fundamental no pós-pandemia”.

Lídice vê mudanças positivas no controle sobre a disseminação de fake news, mas ela considera necessário que a sociedade se questione qual o nível de abuso com os quais ela está disposta a conviver nas redes sociais. “Há uma revolta em segmentos da sociedade com a impunidade das fake news no Brasil. Temos que dar nossa contribuição para inibir a atuação dessas pessoas”.

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