O primeiro turno eleitoral ocorrido no dia 7 de fevereiro no Equador permanece inconcluso por tensões sociais e acusações de fraude. No entanto, a passagem de Andrés Arauz para o segundo turno é inconteste, confirmando o retorno da corrente correísta, de esquerda, ao protagonismo político, após a desastrosa gestão de Lenin Moreno.

Para a liderança do PCdoB, Manuela D’Ávila (RS), que viajou a Quito para observar o processo eleitoral local, o que mais a impressionou foi perceber como as forças progressistas de esquerda, ligadas ao correísmo, a corrente liderada pelo ex-presidente Rafael Correa, conseguiram reconstituir seus laços sociais, mesmo diante da brutal perseguição das elites.

Ela observou que o Equador é um dos países com o lawfare (perseguição judicial) mais intenso, ”com a judicialização da política punindo e perseguindo lideranças políticas”. Após a eleição de seu aliado Lenín Moreno, Correa foi obrigado a viver fora do país, assim como um conjunto de ex-ministros, ex-deputados, ex-governadores e outras lideranças que vivem exilados em outros países. Desde que assumiu, com apoio de Correa, Moreno iniciou a implacável perseguição aos próprios aliados, com apoio das elites financeiras, mídia e judiciário local.

O processo ocorrido no Equador, chegando à cassação do registro do partido de Correa, é similar ao ocorrido em vários outros países latino-americanos, como o Brasil.

“Ontem, circulando pelas escolas e caminhando com alguns deles, fiquei emocionada com a força de reorganização e reconstrução depois de uma verdadeira destruição e perseguição. Eles lideram a ida ao segundo turno com mais de 32%”, disse Manuela, de Quito, em suas redes sociais, sobre o dia de votação.

O vencedor do primeiro turno foi o economista de esquerda Andrés Arauz, que obteve 32,71% dos votos. Ele pode ser o presidente mais jovem do país, com 36 anos.

Manuela entende que essa “é uma vitória tremenda deles, uma vitória para o nosso continente”. “Eu volto do Equador cheia de esperança de como a luta política é capaz de mudar a vida. A ideia de que, com luta social, é possível nos reorganizarmos e lutarmos para devolver nossos países para seus povos, retomar nossos países dessas elites que golpearam diversas nações no último período”, afirmou.

Segundo turno

O que permanece de inconcluso no processo eleitoral é a definição de quem iria ao segundo turno. Após a votação, Manuela já apontava para a perspectiva de recontagem de votos, independente de quem ficasse em segundo lugar. Ela lembra que na eleição anterior, as habituais amostragens de votos foram anunciadas com tom de resultado final e se revelaram erradas. “Isso gerou muita tensão popular e virou um temor a divulgação agora”.

Para vencer no primeiro turno, basta ter 40% com uma diferença de 10 pontos. Se o primeiro colocado tiver 40% e o segundo 30%, já se define a eleição. “Então, vocês podem imaginar a desestabilização que pode haver com a divulgação de pesquisas inconclusas”, analisou Manuela.

De acordo com a justiça eleitoral local, com 99,84% das urnas computadas, o banqueiro Guillermo Lasso possui 19,74%, e, Yaku Pérez, líder indígena e advogado ambientalista, está com 19,38%.

Na sexta-feira (12), Pérez e Lasso tentaram celebrar um acordo de auditoria de parte das urnas. O pedido foi suspenso pela falta de maioria na votação do plenário do Conselho Nacional Eleitoral. Dos cinco membros, dois votaram a favor do pedido de Pérez, um contra, outro optou pela abstenção e o quinto não compareceu à sessão.

Desde o primeiro turno da eleição presidencial e legislativa de 7 de fevereiro, os indígenas e militantes de esquerda realizam várias manifestações pacíficas em apoio a Yaku Pérez diante das sedes do CNE em Quito e em Guayaquil, a segunda maior cidade do país.

A situação também inquieta o atual presidente, cujo mandato termina em 24 de maio. Pelo Twitter, Moreno incitou o CNE à “transparência e ao bom senso”. A OEA está “preocupada” com a recontagem de 6 milhões de cédulas, que representam 45% dos votos, anunciada no sábado (13). 

Polarização

Muito jovem, o candidato da aliança progressista União pela Esperança (Unes), apadrinhado pelo ex-presidente Rafael Correa, Andrés Arauz, e seu candidato a vice-presidente, Carlos Rabascall, contam com forte apelo popular. Foi diretor do Banco Central, com 26 anos, ministro do Talento Humano, com 30 anos e fez doutorado no México.

O adversário principal é o banqueiro conservador Guillermo Lasso, da aliança de direita Criando Oportunidades (Creo), que já concorreu três vezes à eleição. “Próximo à Opus Dei [vertente religiosa conversadora], ele disputa fazendo um discurso muito próximo do que ouvimos no Brasil, usando a Venezuela para atacar a esquerda”, descreveu a ex-candidata a vice-presidenta do Brasil.

Tendo disputado recentemente a Prefeitura de Porto Alegre, sob intenso ataque de fake news, Manuela ficou particularmente impressionada com o cenário equatoriano. “O que me chamou a atenção foi justamente que Araus tem denunciado o uso das fake news e do uso de perfis falsos na disputa eleitoral. Quando isso era usado com toda força nas eleições brasileiras, ainda era algo incipiente no resto da América Latina”, comenta.

Os equatorianos foram às urnas, após quatro anos de governo de Lenín Moreno, uma administração controversa e caracterizada por suas políticas neoliberais, mas também contraposta pelos maiores protestos em décadas. A gestão também tem sido qualificada como desastrosa pela opinião pública.

A articulação entre a crise econômica, a recessão, o desemprego, o aumento da pobreza e a crise sanitária, sendo o Equador um dos países com maior número de mortes, não apenas na região, mas globalmente, gera uma atmosfera de desolação, desesperança e um nível de sofrimento social sem precedente.

Com as eleições gerais de domingo, a era de Lenín Moreno no comando do país, começada em 2017 com 51% dos votos e o apoio de Correa, chega ao fim. Embora os equatorianos esperassem que Moreno, quando foi eleito, continuasse com o projeto em andamento da chamada Revolução Cidadã, ele quebrou laços com seu partido e, desde então, assumiu um governo destacado por novos acordos comerciais e alianças com o setor privado.

A economia decresceu e atingiu duramente os setores populares, que levaram seu governo a ser caracterizado por diversas tensões sociais, uma das mais violentas foram as mobilizações indígenas e populares de outubro de 2019, quando milhares de pessoas saíram às ruas contra o corte nos subsídios aos combustíveis, o que gerou um aumento dos preços no país. Moreno teve que declarar estado de emergência, o toque de recolher, resultando em mais de uma dúzia de mortes, bem como centenas de feridos e detidos.

O governo Moreno tornou-se intolerável para os equatorianos, que sentiram a dureza dos cortes sociais e as diferentes políticas de recessão, mesmo em meio à pandemia. O aumento significativo dos lucros do setor privado, lucros escandalosos mesmo no meio de uma pandemia, e a concentração da riqueza são os principais resultado das políticas de Moreno.