Brasis, Brasil: Índios, Cabocos…

 

A gente concorda com o discurso de Cristovam Buarque quando ele diz que poderia aceitar a internacionalização da Amazônia, desde que todo mundo a partir dos Estados Unidos, Alemanha, Japão, Inglaterra e França também fosse internacionalizado sem firula nem floreios de costume. Ou seja, tal qual na Antiguidade clássica, voltaríamos ao ditado que dizia “romanização é civilização”…  Quando será a volta daquilo que não passou? Nunca é uma palavra complicada e a experiência histórica mostra a par da complexidade (‘merci’ Edgar Morin…) necessidade de cautela e caldo de galinha em doses duplas.
Sobretudo agora com a estúrdia profecia maya do fim do mundo… Com certeza, um certo mundo está nas últimas. Deveras, o fim de um império pode estar com dias contados, mas não se pode dizer exatamente quanto o mastodonte geopolítico há de exalar o derradeiro suspiro: na verdade, sem aviso prévio, o parto de um novo mundo já está em curso. Após longo ciclo imperialista desde o Cativeiro da Babilônia. Então, a novidade está batendo à porta da História do futuro com a inacreditável, complexa, absurda era do Espírito Santo (codinome internet, segundo o teórico Pierre Levy) ou a planetarização.
Aí é que a porca torce o rabo, dizem os doutores em língua acadêmica. Seria o caso de alguns intérpretes da vulgata científica, como antigamente os reis colonizadores mandavam degredados às Índias aprender línguas indígenas para melhor as explorar; traduzir o latim geopolítico a diversos dialetos da patuléia internacional para fins precípuos da libertação dos povos. Claro, a receita da China do uso da força do inimigo contra o dito cujo. Assim como o dinheiro do petróleo transformado em fortuna dos Rockefeller; alimentou montanhas de traduções da vulgada da Bíblia cristã pelo polêmico Instituto Lingüístico de Verão (‘Summer Institute’ ou SIL para os íntimos) na evangelização das tribos. Desta feita, a revolução planetária não pegaria gente inocente de calças curtas, nem obrigaria sábios subversivos a tomar cicuta ou os novos inquisidores da mídia a mandar para o Calvário algum profeta do caos escolhido para Cristo.
A história não se repete nem dá saltos. Evoluir tem mais a ver com passistas da passarela do samba pela espiral evolutiva da história dialética; pra frente e pra trás: todavia sempre em vir a ser. No frigir dos ovos as Índias agora querem mais é botar o bloco na rua, fazer o BRICAS marchar mais depressa e o Mercado Comum do Sul crescer e aparecer. Contanto, que os trabalhadores do mundo deixem de ser burro de carga e carne de canhão. Anti-semitismo e anti-americanismo não é com a gente, aqui somos americanos do Sol; lá as tribos perdidas nos são próximas e o Brasil é cristão-novo desde a carta de Pero Vaz de Caminha… Somos brasileiros de 1500 anos desde a primeira ecocivilização da Amazônia, começada por conta própria na grande ilha do Marajó.
Como se poderá ver, no fundo; tudo continuará na mesma velha luta de classes desde a evolução quando a animalidade se transformou em humanidade. Com os primeiros grupos humanos – ‘data venia’ dos simpatizantes distraídos do criacionismo consolador como ópio do povão boa praça, aturdido por tonta desgraça – divididos em cacicados, tendo lá seus principais lotados de parentes crentes do nepotismo e aderentes mensaleiros no topo e a corja deserdada na base da pirâmide social.
Tomem-se a “aldeia global”, por exemplo, com suas faraônicas metrópoles conectadas umas com as outras pelo fio das elites esclarecidas e pelo consumo de produtos de primeira classe. E, então, vamos ver aí como a grande cidade se reparte em inúmeras aldeias com suas diferentes galeras prenhes de etnicidade, complexidade cultural e identidade territorial: umas ricas em bairros cobiçados, outras pobres ou miseráveis em favelas canibalizadas pela apartação regional ou a globalização. Tudo isto faz da tal aldeia global um imenso pandemônio, tal qual na metáfora bíblica da torre de Babel. Que, no esboço do espaço local e da história oral mesopotâmica, já é a luta impositiva da tradição patriarcal em reduzir a diversidade, seja ela cultural ou natural em “civilização” (ou seja, padrão, regra, lei).
E a pergunta que não quer calar: afinal de contas, quem irá pagar o fim da História? Eis aí um dentre outros exemplos do “fim dos tempos” com a queda do muro metafísico entre Paraíso, Purgatório e Inferno. Ou, por outro lado, o Apocalypso seria apenas um trocadilho picaresco com a rebelião dançante de empobrecidas massas nativas e imigrantes na Amazônia ao som brega aculturado de importações musicais e culturais do Caribe contra elites endinheiradas, mas impressionadas com as apavorantes revelações do fim do mundo conhecido pelo nome grego pagão de Apocalipse.
Tudo vale a pena se a alma não é panema… Chegou a hora de pagar as dívidas do Descobrimento, não basta pedir perdão aos lesados da Terra: o preço da sustentabilidade da Amazônia, por exemplo, é o resgate do estrago humano das “tropas de resgate” mais a compensação histórica das fraudes das leis da liberdade dos índios de 1655 e 1755 com indenização do trabalho na chamada Casa das Canoas e no Diretório dos Índios. Claro, haverá compensação histórica a criaturada grande ou não terá peixe frito e açaí pra ninguém! Marx se fosse vivo hoje concordaria, finalmente, com seu genro mestiço Paul Lafargues sobre o direito à preguiça. Ou se preferirem o direito dos afrodescendentes, índios e mestiços em geral em fazer a greve ao trabalho insalubre e mal pago, tanto quanto o boicote a produtos importados que concorrem com a geração de empregos locais seja aqui ou na Conchinchina. Ah, é protecionismo? Sim. E daí? Enquanto houver protecionismo ao mercado de empregos de primeiro mundo por uma complexa barreira social e filtros legais, a patuléia deveria cruzar os braços cantar e dançar e ocupar a tal aldeia global. Seria legal.

 

 

 José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.

autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com