Belém da Amazônia:  400 janeiros e 1001 contradições.


Vem da aldeia do rádio, do Jurunas, o transe tremeterra das tribos extintas sob guitarrada do apocalypso com somzão tecnobrega e a musa parauara Gaby Amarantos conquistando corações e mentes do Brasil brasileiro. Show bem cabano da democracia tupiniquim liberando e reinventando a pirapuracéia proibida no arraial de Nazaré pelo arcebispo do Grão Pará (ler a história do Círio pelo jornalista e historiador Carlos Rocque). Do bairro do Jurunas vem também o criativo exemplo do Vereador trabalhador Gonçalo Duarte, o qual não sabia fazer discurso bacana na Câmara Municipal, masporém de enxada em punho limpava valas e capinava ruas do bairro das tribos como ninguém…

Atualmente o Jurunas é um dos bairros mais populosos da capital paraense, recebe muita gente do interior e migrantes de estados irmãos, que vêm à cidade tratar de diversos assuntos conforme a necessidade de cada um e, muitas vezes, se hospedam em casa de parente e amigo conforme antigos usos e costumes locais. Sua formação populacional se deve à construção do antigo presídio São José, que hoje é o espaço turístico e cultural São José Liberto, transformado do convento da ordem de Nossa Senhora da Piedade, datando de 1749. Junto com o bairro do Guamá, o Jurunas forma a maior parte residencial da cidade de Belém. Está situado na zona sul fazendo limites com o bairro da Cidade Velha a oeste, Batista Campos ao norte, o bairro da Condor a leste e o rio Guamá ao sul.
O antigo convento da Piedade foi transformado em quartel no século XIX e depois passou a ser utilizado como cadeia pública, o Presídio São José célebre pelas rebeliões de presos. Hoje é um dos pontos turísticos de Belém mais visitados: um dos lugares de roteiro da Cabanagem, único levante popular brasileiro onde o povo chegou ao poder (1835-1836, portanto antes da famosa Comuna de Paris) iniciado com o assalto à cidade por guerrilheiros ribeirinhos vindos através das ilhas do Guajará na madrugada do dia 7 de janeiro de 1835, vingando a morte do cônego Batista Campos ocorrida nas matas de Barcarena. Onde o defensor dos fracos e oprimidos havia se refugiado para escapar à perseguição sem tréguas movida pelo presidente da província, Bernardo Lobo de Souza; enviado pelo Império à revelia dos paraenses.
A tropa do dito quartel de São José, segundo o historiador Domingos Antonio Raiol, liderada por um certo capitão Gomes Varela aderiu aos cabanos durante o ataque para derrubada do imperial tirano. Em 1937 e 1938 o Presídio São José foi cárcere de presos políticos tais como Dalcídio Jurandir, Argemiro Nascimento e outros militantes paraenses da Aliança Nacional Libertadora (ANL), misturados a costumeiros ladrões de gado nos campos do Marajó e meliantes vulgares de Belém; durante a caça aos comunistas pela polícia do governo fascista de Getúlio Vargas após a chamada Intentona de 1935, ocorrida por coincidência no primeiro centenário da Cabanagem… 
O Jurunas da Aldeia do Rádio da PRC-5 Rádio Club do Pará, fundada por Edgard Proença e Roberto Camelier; teve muitas “batalhas de confete” no Carnaval e curtição à beça no bar Macaco Branco; um famoso arraial de boi-bumbá, sede social do São Domingos Esporte Clube e de tradicionais escolas de samba de Belém como a Academia de Samba Jurunense, ´´Rancho Não Posso Me Amofiná”, Coração Jurunense e um dos mais antigos blocos de carnaval de bairro, sugestivamente se chamava “Os Carpinteiros”… Sem esquecer seus tradicionais terreiros e searas de Umbannda nem a famosa “sopa do Padre Serra” na paróquia de Santa Terezinha chamando atenção para a espantosa realidade da pobreza dos subúrbios. Notável predisposição para bairro de artistas e revolucionários como Bruno de Menezes e João Amazonas, por exemplo.

Belém do Pará é uma cidade de bairros temáticos: o Umarizal conta a odisséia paraense para adesão ao Brasil independente. O Marco lembra a Guerra do Paraguai onde paraenses, como meu bisavô Raymundo que voltou do combate trazendo uma imagem de Santa Rita de Cássia achada no campo de batalha e fatal tuberculose que o matou em casa rodeado dos seus; foram recrutados supostamente como “voluntários da Pátria” para atacar a pátria dos outros, sem atinar o por quê… Desta controvertida guerra guarani contam que oficiais militares muito se admiravam ao ouvir soldados paraenses e paraguaios, durante pausas de fogo; de um lado e outro da trincheira a se perguntar uns a outros, numa língua estranha; que diabos estavam a fazer ali. Era o velho nheengatu, língua-geral de índios cristianizados; veículo de comunicação que os oficiais não compreendiam.

O bairro dos Jurunas evoca Tupinambás, Tamoios, Mundurucus, Caripunas, Tembés, Pariquis, Apinagés… A mestiçagem cultural fez morada no Jurunas, como também em outros bairros como a Pedreira, Guamá, Telégrafo. A Campina desde o início se mostrou proletária e cabana, onde nordestinos como Eduardo Nogueira Angelim criaram fama nas arruaças com os brancos da Cidade Velha…

Ora, dirão os universitários (esses uns que leram Marx, Weber e outros catataus do pensamento político do velho continente transformando-os em cacoete, mas – com raras exceções – não pegaram o espírito da coisa…) criticando o caso estúrdio do jurunense Gonçalo Duarte, na Câmara Municipal: cargo de Vereador é só pra ver aquilo que o Prefeito faz ou deixa de fazer; tomar iniciativa de projetos de lei local, aprovar orçamento municipal e só. Portanto, no juízo teórico, é feio bancar gari, fazedor de coisas pra tapar buraco em bairro pobre ou favela… Melhor será (dizem sábios burgueses) curtir ar refrigerado, gastar verba de representação de gabinete com amigos do peito a fazer fofoca e contar piada durante horário de expediente… Quem se importa? Agora, não caia na tentação populista por nada.

Não sabem os jurisconsultos de elite, que valas sujas e enxadas já deram votos e até elegeram prefeitos, como o caso de um notável descendente libanês e comerciante da praça, que a fim de alçar voo ao poder municipal; não vacilou em calçar botas sete léguas, botar luvas de limpeza e comandar exército de limpeza de bairros; donde o patrício saiu triunfante para sentar na cadeira número um do palácio Antônio Lemos. Com exemplo maior, mais recente, do atual alcaide de Belém; modesto migrante do interior expulso de seus pagos pelo êxodo rural e na falta de oportunidades locais foi seguidor, no pobre bairro do Guamá, da escola jurunense fundada pelo digno vereador trabalhador Gonçalo. Este um folclorizado pela granfinagem ‘experta’ e louvadores chapa branca de redações de jornal e colunas sociais. 

Vejam só, paresque, como se fazem as diferentes classes sociais no tempo e no espaço pelos caminhos da Dispersão das tribos perdidas (está no Livro de Tiago)… Cala-te boca: a língua é um perigo mortal! É mais fácil um camelo passar pelo cu duma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus. Ou vir a habitar a utopia dita Terra sem males (lugar mágico dos índios, onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte)… Nesta expedita Belém ultramarina já se viu coisas do arco da velha que até Zeus duvida: por exemplo, preto virar branco (com testemunho imparcial do naturalista inglês Henry Bates) conforme os caprichos da Sorte grande. Não é por acaso as imensas filas de todas as classes dos “tristes tropiques” em frente a casas lotéricas buscando a Mega Sena. Quando da primeira viagem ao Pará o inglês ficou amigo de certo trabalhador negro liberto, sujeito decente; masporém quis o destino que na viagem seguinte o negro da história estivesse “branco”, branquinho da silva. A cabo de amealhar uma pequena fortuna, não importa como… Aqui o dito romano “pecunia non olerit” (“dinheiro não tem cheiro”, lavou está limpo e purificado) tem grande fama e aplicação.

Para grande espanto do viajante Bates, seu informante esclareceu sobre o estúrdio fenômeno amazônico, dizendo por arremate: “pode um negro ser rico?”… Este liberto pelo menos, graças ao talento para os negócios e boa sorte, o dinheiro graças a Deus o promoveu à augusta categoria social dos “brancos” da província. Inversamente, no Pará e alhures, podem ser encontrados pobres branquelos de olhos azuís e cabelos louros socialmente decaídos à condição de “preto”… Daí talvez se criou a expressão popular que diz que esta ou aquela situação difícil “está preta” ou que alguém face ao perigo “viu a coisa preta”. Égua da inventividade racista!!!… Todavia esta gente brancarana, descendente geralmente de degredados e exilados sem eira nem beira nem ramo de figueira, viu a coisa preta no Maranhão e Grão-Pará e aí roeu uma pupunha.

O diabo é que, enquanto o mestre pronto-socorrista de bairro Vereador Gonçalo Duarte sempre alvo de chacotas caiu no esquecimento, alguns discípulos dele vão bem muito obrigado. E continuam ganhando votos à beça e fazendo carreira de vento em popa. Não necessariamente em benefício do povo, bem entendido… É uma desgraça redobrada quando pobre vira rico e logo se esquece da pobreza para reproduzir desigualdades e preconceitos historicamente adquiridos da Conquista e Colonização das regiões ultramarinas; originalmente povoadas de ricas civilizações nativas – como é exemplo a ecocivilização Marajoara de 1500 anos de idade -, que foram forçadas a empobrecer a ferro e fogo para enriquecer pobres e indesejáveis emigrantes do velho mundo deportados pouco mais ou menos como negros escravos, vendidos pelos próprios irmãos de raça a mercadores negreiros.

Ou nunca se ouviu falar de certo capitão de navio chamado Simão Estácio da Silveira, o primeiro gato (aliciador de trabalho escravo) de nossa história que, em 1618, escreveu panfleto aos pobres de Portugal (leia-se, Açores) lhes prometendo o paraíso no Maranhão? Astúcia de cristão-novo com as mentiras de praxe, obrigado pela necessidade do gueto pisado pela arrogante estupidez do anti-semitismo de cristãos-velhos ignorantes até a alma… Na verdade, este mercador das arábias queria conquistar por conta e risco alheio o famoso “rio das Almazonas” rico de tesouros imagináveis e povoado de bárbaros pagãos em cujos “dialetos” não havia as letras F, L, R (pelo motivo, falso aliás; de que supostamente índio não tem Fé (religião), Lei (ordem) e Rei (governo). Como pode uma cidade se tornar metrópole, sem descarregar os vícios da ignorância da História?

Acho eu que algo está errado nessa estória geral das tribos perdidas lá e cá. Sabiam que a velha Câmara de Belém requereu ao rei a extinção e cativeiro dos índios das ilhas do Marajó sob acusação de piratas? Que os Jesuítas foram expulsos, em 1661 e 1760, por estorvar o cativeiro dos índios? E que o governador do Maranhão e Grão-Pará, Andre Vidal de Negreiros (filho de índia e português) propôs levar a capital do estado-colônia para Joanes [Marajó], projeto vetado pelos vereadores de antanho, “Homens-Bons” os quais esquecidos da própria Pobreza que os expulsou da mãe-pátria, da outra margem do “rio Babel” só queriam braços escravos capturados por outros escravos?

O São José Liberto sendo pórtico do Jurunas com a história das tribos perdidas, bem que poderia libertar Belém da desmemoria: ensinar que a história só se repete como farsa… Ao contrário do que dizem jurisconsultos burgueses, eu não creio que é defeito vereador nenhum fazer parte de prefeito quando este deixa furos e moradores reclamam socorro a ouvidos de mercador. Melhor que gritar à toa na tribuna e falar mal da escuridão, seria melhor acender uma vela… Ótimo quando a ação atiça a concorrência ou os serviços municipais prevendo desgaste político chegam depressa a remediar o malfeito. No caso, pior é prefeito meter o bico nas discussões de vereadores ou botar os pés pelas mãos nas funções da Câmara…

Mas disto jornalões ávidos de verba publicitária não dão um pio (quando falam, o respeitável publico já sabe que os ditos cujos querem mamar). Pelo contrário da função social da imprensa, os falsários da “comunicação” induzem leitor a acreditar que o errado está certo. Enquanto a Constituição e a Lei orgânica dos Municípios resta letra morta sobre a velha prática adquirida da capitania-mor.

Claro, o sistema municipal brasileiro é arcaico: e a elite tão apaixonada pelo “primeiro mundo” quando fala em reforma política a última coisa que lembra é mexer com as sabidas contradição e confusões de poderes entre prefeitos e vereadores. Caraca! Já estamos na segunda década do século XXI, nossos velhos caciques nativos e mestres da civilização regional já morreram e ainda não apareceram discípulos da amazonidade à altura do desafio do “país que se chama Pará” e todas mais regiões amazônicas configuradas no Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), sob obrigação da OTCA no conjunto da diplomacia de integração da América Latina e Caribe. Masporém, como ensinou Eric Hobsbawn a gente patina ainda na lama do longo século XIX, com as ilusões e fantasias da “Belle époque” e da alegórica “Paris n’América”. A expressão geográfica de Belém do Pará nas calendas gregas, malgrado a tese geoestratégica inovadora Coudreau-Eidorfe Moreira, jogada pra escanteio e que não serve agora nem pra TCC de universidade particular.

O grande público do voto obrigatório não sabe, por exemplo, que em países desenvolvidos além do voto ser facultativo, câmaras ou conselhos municipais variando de país para país são coletividades encarregadas da gestão local. De modo que ser presidente de câmara é o mesmo que “prefeito”. Ali não há esta contradição básica do eleitorado votar separadamente o cargo de Prefeito para um lado e Vereadores para outro… Acompanhem a novela das relações contraditórias entre prefeitos e vereadores de partidos opostos ou mesmo de mesmo partido, e descobrirão que mais da metade das confusões e casos de mensalinhos e outras maracutaias nascem dos estorvos e combinas da governabilidade… Se a coisa acontece correntemente no “legislativo mirim” imaginem no parlamento açu!

Então a pergunta que não quer calar: quem nos países “adiantados”, de fato, toca o governo municipal? Da Câmara sai o Presidente do Conselho (prefeito) e os mais Vereadores formam colegiado executivo no papel legítimo de Representantes do Povo. Cada comissão tem função de supervisão a qual a respectiva secretaria executiva sob coordenação técnico-administrativa de carreira realiza as determinações políticas do Conselho Municipal eleito diretamente pelo Povo. No Brasil, se fosse adotado este princípio que vem de diversos países desenvolvidos, seria prefeito o vereador que conquistasse a maioria de votos de seus pares. Claro que este modelo não é perfeito, mas poderia ser menos “pior” do que se vê nestes Brasis surdidos das capitanias hereditárias, há quinhentos anos.

Então, viva o pranteado vereador jurunense Gonçalo Duarte, por necessidade e acaso, precuror da moderna gestão local em Belém do Grão Pará… enquanto “seu” prefeito não vem. E lá na minha terra, Ponta de Pedras, o falecido vereador Abaeté (Raimundo Rodrigues); antes que tudo era ele um autêntico líder comunitário da vila de Mangabeira (antiga aldeia de catequese de índios pescadores) e “curador” (pajé misturado com agente municipal de saúde) de gente ribeirinha aos montes, imbatível nas eleições. Seria ele clientelista? Ou um homem realista e justo que sabia onde o sapato aperta, pelo bom motivo de ser parte daquele povo humilhado e maltratado que ele representava no “legislativo mirim” saído das embromações coloniais do Diretório dos Índios. 

Nossas universidades merecem críticas quando fazem a cabeça dos cabocos (seja por formação ou extensão), como sonâmbulas seguindo a triste receita iluminista da “branquização” há duzentos e tontos anos passados… Muitas vezes – como se queixava o Cacique Seattle dos senhores dos Estados Unidos – a educação dos brancos deixa filhos de pretos e cabocos inúteis para lidar com os principais problemas da região e transformar municípios de baixo IDH “comme il faut”. Quem leu o romance “Primeira Manhã” de Dalcídio Jurandir; e achou o estilo uma graça, mas não pescou o lúcido protesto do calouro do interior contra a esterilização do Liceu, não entendeu nadinha. Nem pode compreender a revolução crioula bolivariana ora empreendida na Venezuela… Belém nas mãos do povo nos 400 anos da cidade fundada por Castelo Branco em acordo com caciques Tupinambás, repercutindo batuque modernista com gosto de açaí por aí afora… S’imbora! Bruno de Menezes e confraria da Academia do Peixe Frito; festa profana de São Benedito da Praia (codinome do orixá Ossain), padroeiro das vendedoras de ervas e mandingas do Ver O Peso.

Comendo gato por lebre, frango congelado por pato no tucupi; bagre por filhote; o turista desavisado não pode adivinhar o que se esconde sob a paisagem cultural de Belém e Ilhas da Amazônia Marajoara. Ainda que a Campina e a Cidade Velha – tombadas pelo vetusto IPHAN –  venham a ser retocadas com tintas frescas importadas da “belle époque”, o “city tour” não terá alma e coração de ‘flaneur’. Enquanto a cidade fugir para o reino das nuvens, com medo do rio e da pobreza ribeirinha importada da margem esquerda que o verde oculta do mato conquistado a ferro e a fogo aos antigos nativos Tapuias por arcos e remos Tupinambás aliados a mamelucos e soldados lusitanos encapetados na primeira hora.

É quando a gente pisa a Terra Firme (continente) desde a península da Cidade do Pará convidado a fazer viagem a modo de Saramago na “Viagem a Portugal” (ler “Novíssima Viagem Filosófica”, de José Varella Pereira, em REVISTA IBERIANA, secult: Belém, 1999). Uma excursão aos 400 anos deveria nos transportar da Feliz Lusitânia (Pará), a partir da Casa das Canoas antes de curtir o Museu de Arte Sacra… Para ir visitar Nova Lusitânia (Pernambuco) e depois à velha Lusitânia (Portugal), passando pela Galícia através do Caminho de Santiago a fim de concluir a viagem ao tempo de Belém Ocidental (Lisboa). Logo, querendo ir mais longe, na Palestina, em Belém irmã mais velha desta nossa “casa do pão” da terra e talvez chegar até a aldeia de Nazaré a fim de adivinhar os meandros do caminho da paz universal: não exatamente como peregrino, mas acima de tudo com espírito de reverência tal qual um historiador curioso da trama entre espaço sagrado e profano, que nem Renan… Ou melhor, seguindo a trilha intelectual de Morin através da complexidade antropoética que leva o viajante do mundo a fazer aposta dupla ao modo de Pascal (a Terra sem males está aqui e agora; ou há de vir no tempo além do futuro). Não importa, para a vida o que interessa é o eterno presente cujo rio não se mergulha duas vezes… A morte a Deus pertence.

Masporém, quando em Belém da Amazônia se depara com a praça da República a história muda de figura diante do Theatro da Paz lembrando ao viajante o fim da Guerra do Paraguai (cujo link leva à ópera “O Guarani” repetida à boca da noite pela Voz do Brasil. E os nossos cabanos sobreviventes do genocídio amazônico, chamados diz-que, Voluntários da Pátria recrutados à força que nem as tropas do Pará tiradas de aldeias indígenas a dentes de cachorro e pau de fogo pra ser domesticadas nas missões e transportadas a bordo do famigerado Diretório dos Índios (1755-1798) sob condição civilizada de súditos d’el-rei de Portugal. Caminhamos para 2016!

Imagine, agora que a esperança venceu o medo; uma pequena aldeia que descentraliza a cidade, onde a gente simples luta com fé na vida, trabalha e dança na certeza de melhores dias sabendo já que a maior riqueza regional não é minério nem madeira, mas sim saúde, educação, cultura e meio ambiente para a paz. Humanizar a cidade é preciso. O resto vem por consequência na solidariedade duma indústria e economia solidárias longe do tumulto desvairado das grandes cidades violentas, degradas e infartadas.

Toda metrópole é um conjunto de pequenas cidades chamados bairros. Lugar onde todo mundo se conhece ou devia se conhecer pelo nome… A aldeia do Jurunas é exemplo das sucessivas transformações de Belém para o bem e o mal. Sempre o Jurunas foi puxadinha da Cidade Velha, desde a Comedia do Peixe Boi (praça Amazonas), lugar bucólico do passado onde gados do rio iam pastar. O Jurunas foi o fim da picada do primitivo Horto de aclimatação das especiarias destinadas ao Jardim Botânico do Rio de Janeiros, furtadas do “jardin du roi” em Caiena durante a invasão anglo-portuguesa (1809-1817). Com antecedente do furto do café por Palheta, em 1723, que acabou servindo à riqueza de São Paulo; durante missão para buscar vivo ou morto o cacique Guaiamã (que deu nome ao rio Guamá), dos Aruãs e Mexianas, da ilha do Marajó. Caminho do Ver O Peso mato adentro rumo ao presídio São José pela estrada que se tornou Avenida 16 de novembro (homenagem à República, na data em que o Pará tomou conhecimento de falecimento do Império do Brazil), na continuação da Avenida Portugal e rua Marquês de Pombal… 

Nós não sabíamos que a paisagem cultural da Cidade se emenda naturalmente com o Guajará e as ilhas até o Marajó. Nossos prefeitos e vereadores, cansados de olhar ao próprio umbigo e sem mais tempo para ler os mestres da amazonidade; sob tensão permanente de uma eleição no rabo da outra, nem desconfiam do que se trata nestas mal traçadas linhas.

Mesmo assim, nossos votos aos eleitos de 2012 vão no sentido de que os bairros de Belém se revitalizem em “aldeias” ou condomínios verticais ou horizontais autogestionários. Sejam estes ainda bairros-dormitório revitalizado como referência socioambiental e econômica ao novo Brasil que está nascendo do mundo do trabalho libertado de antigas servidões. Com certeza, esta Belém da Amazônia quatrocentona há de mostrar ao mundo sua expressão geográfica e cuidar da refazenda da História. Nesta hora será justo lembrar o Vereador Gonçalo Duarte com sua humildade a dar lição de vida aos antecedores e sucessores da velha Câmara de Belém useira e vezeira na caça aos índios para cativeiro de pesqueiros, engenhos e fazendas; tanto quanto a reclamar à Corte mais e mais importações de negros africanos a fim de remediar a insustentável civilização dos trópicos montada no cangote do trabalho escravo. Esta deve ser a grande festa de libertação dos povos nos 400 anos de invenção da Amazônia. Uma questão de direito humano sustentável. Afinal de contas pra que vale tanto minério, energia, água, sol e alimentos exportados se nossa gente fica sempre a ver navios de barriga vazia na beira da baía sem entender nadinha do carimbó e ladainha da vovó?

 

       José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.

autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com