O que acontece com a paz, que na sua passagem não dura, e quase não se deixa amar? Por que só há epopéias de guerras, e não Ilíadas homéricas a narrar as sagas da Paz? O mal sempre vence quando os justos se negam a agir. Por que existem tão poucos pastores de Homens, e haverão de existir cada vez menos? Por falta de existirem quem os possam guiar, e de quem os queira seguir. O que são as lembranças penosas em nós, senão a recordação da culpa, do medo e da culpa? As pessoas cada vez mais se afundam em cultivar lembranças dolorosas, e com isto temos um mundo envolto em densa nuvem de pesares, de dores, tragédias e culpas.

      As lembranças sombrias, a que tanto nos apegamos, são as pedras do sofrimento auto-escolhido, a bloquear os caminhos do existir. Para sermos curados das lembranças que nos matam será preciso recordar amorosamente Daquele que em nós vive como paz e perdão. Só assim teremos lucidez e verdade para deixar no caminho o saco de tijolos do medo e da culpa. Curar lembranças doentias vem a ser a urgente reforma íntima para a cura interior: “A operação de cura interior não é apenas voltar ao passado e desenterrar de lá os detalhes mais sórdidos. Não é procurar ver a quantidade de lixo de que nos lembramos, mas é jogar fora todo o lixo que encontrarmos.

      Muitas vezes pensamos, com relação às lembranças desagradáveis: longe da vista, longe da lembrança. Mas este raciocínio é semelhante ao ato de ir se acumulando objetos dentro de um armário. Depois que fecharmos a porta, não vemos o amontoado, mas se continuarmos a colocar coisas ali, chegará um momento em que elas rolarão para fora”, explica Betty Tapscott, em A cura interior. “Este mesmo princípio se aplica à nossa mente. Vamos empilhando na mente toda sorte de lixo (medo, ressentimento, culpas) pensando que essas coisas não vão incomodar-nos, mas elas ficam lá, no fundo subconsciente e, sem dúvida alguma, irão afetar nossas emoções e influenciar o modo como agimos e reagimos”.

      Lemos o seguinte em Mateus 12:35: “O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más”. Ódio dá derrame, mágoa mata, amargura dá câncer. É preciso aprender a perdoar, para tornar mais leve a nossa caminhada. Perdoar, não para tornar mais feliz a pessoa a quem perdoamos, mas para fazer bem à nossa própria vida. Infelicidade crônica é o inferno escolhido de quem assim vive, a fazer da morte antecipada um estilo de vida. 

      O poeta Paulo Leminsky escreveu: “Viva a vida viva!” Eu acrescento: Pois há uma vida que é morta – vive na alma dos vampiros da sociedade dos mortos vivos. Emoções doentes abrem defesas para que cheguem as doenças físicas. E nos atacam com legiões perigosas, para as quais nunca estamos atentos e fortes. Como poderíamos não ser atacados por emoções mortíferas, se vivemos como máquinas, fragmentados e adormecidos, aceitando que somos Aquele que nos divide? A lembrança Daquele que disse: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida” pode nos fazer voltar ao passado e curar aqueles pontos em que fomos feridos.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.