Eu já falei para mim mesmo: nunca se meta com coisas muito complicadas. Afinal eu sempre levo a pior. Não sei por que, mas acabo me machucando.

      Outro dia, esqueci dos conselhos de mim para eu mesmo e me meti a dar uma de aventureiro. Passava tranqüilamente por uma calçada do meu bairro quando vi no galho de uma árvore um objeto azul, redondo e convidativo. Fiquei dando voltas em baixo da árvore para tentar reconhecer o tal objeto. Tudo em vão. Ele continuava lá e aumentava minha curiosidade. Eu já estava tão impressionado com o objeto que começava a imaginá-lo me chamando. Otário… Otário… É quer dizer. Otávio… Otávio… Como se estivesse hipnotizado, comecei a arquitetar um plano para subir até o galho. Vi que a parede do muro da casa onde estava a árvore ia até bem próximo ao tal galho, onde estava o objeto. Comecei a tentar subir. Pulei. Não alcancei o topo. Pulei de novo. Novamente não alcancei. Cai desequilibrado e fui direto para a vala da calçada. Isto não me desanimou. Dei alguns passos para traz e fui. Errei os cálculos e dei com a cara no muro salpicado de cimento. Com toda dor que estava sentindo, ainda tive que disfarçar, pois passavam algumas pessoas por perto, fiquei assoviando, esperando a dor passar. Agora era uma questão de honra. Fui até um terreno baldio e peguei algumas pedras. No percurso algumas caíram no meu pé, mas nada comparado à dor causada pela carada no muro.

      Consegui, estava agora sobre o muro. Sorte que não era nem um daqueles muros onde eles põem pregos ou vidros. Tinha só uns fiozinhos, nada que pudesse me machucar, imaginava eu. Tive que ficar de ponta de pé para alcançar o galho mais próximo e subir na árvore. Depois que estava lá foi tranqüilo chegar ao galho onde estava o objeto do meu desejo. Tá certo que me sujei todo de titica de pombo, mas nada que fizesse sangrar. Uma hora senti meu rosto coçar e, esquecendo de minhas mãos sujas, fui com tudo, fiquei igual a um índio com pinturas à base de cocô de pombo.

      Não tinha muito tempo, estiquei o braço e mesmo sem ver, peguei o tal objeto. Desci o mais rápido possível, a qualquer momento podia chegar alguém e eu já tinha feito barulho demais. Fui descendo apressadamente. Pisei no muro e escorreguei uma das mãos na sujeira das aves. Desequilibrei-me e descobri para que serviam aqueles fiozinhos. Tomei um choque que fiquei roxo e, se havia me desequilibrado antes, agora também estava atordoado.

      Logo após o choque fui de bunda no chão. Cai em algo cremoso e mole. Voltei a mim, não que eu tivesse ido a algum lugar, e vi que aquilo era bosta de cachorro – eu devia estar na merda mesmo -, aí descobri que tinha caído do lado errado do muro. Quando a descoberta estava completa, senti um bafo quente no pescoço. Já ia pedir um beijinho quando vi aquelas orelhas pequenas de pitt bull. Aí não teve mais jeito, o que era bosta de cachorro misturou-se indissoluvelmente com bosta de gente e foi um mal cheiro só. Pelo amor de nossa "virge" Maria! Meu santo padim pade cisso. Que cachorrinho lindo e fofinho — tentei me livrar da morte pela sedução, não deu certo. Senta! Senta! Se você não sentar eu finjo de morto. Claro, se você não me matar antes — tentei pelo autoridade, não deu certo. Peguei meus óculos e joguei para longe. Pega cachorrinho, pega! — tentei pela enganação mas nada adiantou. O tempo todo aqueles olhos vidrados nos meus. Acho que ele se apaixonou pelos meus olhos castanhos escuro. Esperava algum movimento meu e eu, esperava nem que fosse uma piscadela dele. Olhei bem nos seus olhos e ele fez aquilo com a boca que todo cachorro faz quando quer te ameaçar. Devo dizer que conseguiu. Deu um grunhido tão forte que eu descobri o significado da expressão: o que é um peido pra quem já está todo cagado. Neste meio tempo ele piscou. Quando isto aconteceu, não contei tempo, sai numa disparada tão grande que foi merda pra todo lado. Já não me preocupava mais com dignidade nenhuma. Entrei por uma porta que estava aberta, era a cozinha, a família, que até aquele momento não sabia o que se passava, ficou sem entender quando viu um maluco passar por eles todo cagado e o cachorro da casa correndo atrás. Imaginem a posição congelada e boquiaberta dos moradores.

      A casa era grande e meu destino era a porta da frente. Avistei meu objetivo e olhei para traz para ver o que se passava. A família, achando que se tratava de um assaltante, se pôs a correr atrás de mim também. Percebi isto quando olhei para conferir a situação. Além do rastro de excremento atrás de mim, vinham o cachorro, comandando a fileira bárbara, seguido pelo dono da casa — tirei esta conclusão pois era o mais velho e mais barrigudo —, a esposa, o filho mais velho, a filha, o filho mais novo, a sogra, que quase perdeu a dentadura na correria, e uma criancinha de aproximadamente uns dois aninhos de vida que mal conseguia correr. Com certeza achava que se tratava de alguma brincadeira, pega-pega ou coisa parecida. Alcancei a porta, abri, retirei a chave, fechei, bati com a cara na porta, pois fechei-a antes de sair — nestas horas agente não sabe o que faz —, abri-a novamente, sai e fechei-a momentos antes das tropas chegarem. Com muito esforço tranquei a porta com a chave.

      Respirei fundo e sai em direção à minha casa. Afinal ia precisar de um banho e alguns curativos. No meu quarto, depois de assustar a mãe com minha aparência, tive dificuldades para abrir a mão esquerda onde estava o tal objeto. Parecia que meus dedos tinham se petrificado. Depois de tanto esforço para alcançar o objeto, não ia perdê-lo por nada neste mundo. Para minha surpresa, desânimo e fúria, era um destes bolinhos da sorte que encontramos em restaurante chinês, estava apodrecido com o tempo. Já era tão velho que havia ficado azul de tão mofado. Para não perder de todo o esforço, abri o bolinho e vi o que falava a minha sorte. Num pedacinho de papel, dizia: Cuidado com as suas decisões, não se esforce muito por coisa pouca.

      Quase desmaiei em minha cama.