Era intenso o calor, passava já do meio-dia;
Estendi-me na cama a repousar os membros.
Das janelas, em parte abertas, em parte cerradas,
Vinha luz semelhante à que há dentro das matas,
À luz mortiça do crepúsculo, após Febo sumir,
Ou de antes de a noite ir-se sem que seja dia.
A esta luz é que se hão de mostrar as jovens tímidas;
Nela, o pudor medroso espera achar refúgio.
Eis que chega Corina numa túnica ligeira,
Cobriam os cabelos seu alvo pescoço;
Assim entrava pela alcova a formosa Semíramis ,
Diz-se, e Laís , a quem tantos homens amaram.
Desvesti-lhe a túnica; de tão tênue, mal contava:
Ela lutou, entanto, por cobrir-se com
A túnica, mas sem nenhum empenho de vencer:
Venceu-a, sem pesar, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa alguma, diante dos meus olhos.
Não havia, em seu corpo, um único defeito.
Que ombros e que braços a mim foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que deleite comprimi-los!
Que ventre mais polido logo debaixo do peito!
As ancas, que primor! Que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi de não louvável!
E a nudez lhe estreitei contra o meu próprio corpo.
Quem não sabe o resto? Exaustos, repousamos depois.
Que mais outros meios-dias prósperos me sejam!


Ovídio
Poemas da carne e do exílio
Seleção, tradução, introdução e notas: José Paulo Paes
Editora Companhia das Letras – edição 1997