Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e, pelo mar,
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas.

(…)

Vai uma onda, vem outra onda
E nesse eterno vaivém
Coitadas! Não acham quem,
Quem as esconda, as esconda…

(…)

A Lua – o globo de louça –
Surgiu em lúcido véu.
Cantam! Os astros do Céu
Ouçam, e a Lua Cheia ouça!

Ouça do alto da Lua Cheia
Que a sereia vai falar…
Haja silêncio no mar
Para se ouvir a sereia.

Que é que ela diz? Será uma
História de amor feliz?!

Não! O que a sereia diz
Não é história nenhuma.

É como um réquiem profundo
De tristíssimos bemóis…
Sua voz é igual à voz
Das dores todas do mundo!

“Fecha-te nesse medonho
“Reduto de Maldição,
“Viajeiro da Extrema-Unção,
“Sonhador do último sonho!

(…)

– E disse e porque isto disse
O luar no Céu se apagou…
Súbito o barco tombou
Sem que o poeta o pressentisse!

Vista de luto o Universo
E Deus se enlute no Céu!
Mais um poeta que morreu,
Mais um coveiro do Verso!

Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e, pelo mar,
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas!

 

Augusto dos Anjos
Eu, 1912