Quero escrever a alma desta hora,
como quem prega na lapela de festa
a borboleta última
– creme, limão, canário –
que acaba de pulsar entre meus olhos
bêbados de formosura…
A beleza perfeita destas águas amigas;
a vida exuberante da floresta múltipla:
o sarã rasteiro chapinhando,
o alto louro moço,
a imbaúba – figueira de lapela virada,
o vermelhão estendido
e a taboca fiandeira
de filamentos amarelos e de lancetas verdes-claras.
Revoa um papagaio, travesso de alegria.
Cruzamos ilhas, lagos, enseadas.
As nuvens lassas dão ao rio quieto
um tom de transida madrepérola.
E o sol do Mato Grosso faz-se tíbio
para não calcinar tanta beleza.

O barco pára. Falam os meninos
do tão falado amor.
E riem duas mocinhas morenas, na margem,
descalças, despenteadas,
pura beleza índia em bruto.
Outra vez se adiou o casamento!

Ronca o motor de novo. A menina
de mil sangues cruzados
– Ásia, África, Europa: Ó América! –
me sorri, com dentes espaçados
e umas tranças minúsculas,
emoldurada na luz pela janela
aberta à flor do rio.

Depois, entre as páginas do livro
– a palavra e a margem paralelas –
uma inhuma de peitilho branco
alça o vôo, inefável, desta areia
eriçada de um verde calafrio.

 

Antologia Retirante – poemas
Dom Pedro Casaldáliga
Editora Civilização Brasileira – edição 1978