Eles se encontraram em um inverno chuvoso de algum lugar no futuro. E ao reconhecê-lo, ela só lembrava de um dia ter me dito Ele é a pessoa mais especial que existe nessa cidade. Mas a vida dela cresceu, junto com seus cabelos e suas responsabilidades, e já não cabia naquela cidade.

      Para lá dessas fronteiras, descobriu outros encantos, gente cheia de especialidades. E, por isso, quando se esbarraram em um momento bem lá na frente, houve ali uma reflexão. As pessoas passam, ela resignou-se de imediato. Depois o olhou bem muito e percebeu que não. As pessoas ficam guardadas, às vezes em gavetas distantes.

      Enquanto conversávamos, os olhinhos dela eram quase transparentes, denunciavam o choro. Porque ele era mesmo especial e tinha um sorriso incrível, lembrava de coisas que pertenciam apenas aos dois e continuava o mesmo cara simples e envolvente de antes.

      Eu só pensava que, nas gavetas, nem sempre cabe tudo inteirinho. Sempre deixamos algum pedaço do lado de fora, que depois a gente nem sabe mais. Mas, naquele inverno, ele ofereceu-lhe seu guarda-chuva vermelho e abraçou-lhe com ternura, porque também tinha seus armários.

      Não se beijaram, mas ela agora se perguntava E se?  É vício imaginarmos voltar atrás. Então ele, empoeirado que se encontrava, agora perambulava pelas ruelas do seu juízo. Mas a cidade era pequena e logo existiriam novos encontros, antigas recordações e mais olhos transparentes.

      Então, saiu para dançar, perdeu-se na noite distraída com o agora. Quando amanheceu, estava cansada demais para arrumar ou revirar qualquer coisa. Ele havia voltado para a gaveta. Ela partiu para o mundo e para o que viria depois, sem bagagem. Não se desfez, contudo, dos antigos pertences, de suas âncoras. Que vez por outra tinha saudade ou solidão. Revisitava os passados, reinventava as coisas. E me contava novas versões de nossas vidas.