As palavras
se reanimam
recusam a base
mas propícia, o papel
de Fabriano, a tinta
nanquim, a pasta
de couro ou de veludo
que as guarde em segredo.
 
as palavras
quando se despertam
se ajeitam no verso
das faturas, nas margens
dos bilhetes de loto,
sobre os convites
para casamento ou enterro,

as palavras
não pedem mais do que
a confusão das teclas
da Olivetti portátil,
do que a escuridão dos bolsos
do colete, do que o fundo
das cestas de papéis, reduzidas
a bolinhas,

as palavras
não ficam nada contentes
de serem postas para fora
como meretrizes e acolhidas
com o furor de aplausos
e desonra;

as palavras
preferem o sono
na garrafa fechada ao ludíbrio
de serem lidas, vendidas
embalsamadas, hibernadas, 

as palavras
são de todos e em vão
se ocultam nos dicionários
porque há sempre o marrão
que desenterra as trufas
mais fedorentas e mais raras;
as palavras
após uma espera eterna
renunciam à esperança
de serem pronunciadas
de uma vez por todas
e de morrerem depois
com quem as possuiu.

 

Eugenio Montale Poesias
Seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti
Prefácio de Luciana Stegagno Picchio
Editora Record – Edição Bilíngüe, 1997