À grande maioria da população brasileira cabe quase sempre unicamente a função de “torcer” por um dos contendores: no futebol, na política, na novela, nas questões sociais, etc. A relação intrincada entre futebol, economia, política e vida social em nosso país nos leva às mais complexas reflexões acerca do senso de responsabilidade e do engajamento de cada cidadão no processo de emancipação da sociedade brasileira nesta virada do milênio.

      Nosso plano econômico real foi o mais absoluto sucesso, entre todos o mais belo, excetuando obviamente os fracassomaníacos, a miséria insistente, a fome saqueadora e acintosamente política, a infame distribuição de renda e de terra, os milhões de menores carentes, o sucateamento do ensino público e da assistência médica, a falta de escolas e de projetos sociais amplos efetivos, o desvio de verbas, a corrupção descarada, a impunidade cínica, os vampiros, os sanguessugas, o extermínio volante, os remédios e políticos falsificados e a crescente criminalidade hedionda, entre outras coisas. Os constantes massacres de presidiários, menores abandonados, favelados, sem-teto e sem-terra disseminam cada vez mais em nossa sociedade a idéia equivocada de que as vítimas inexplicavelmente se transformaram nos verdadeiros culpados. Os partidos há muito estabelecidos do poder são em geral liberais demais em sua imoralidade. E o lema das classes superiores parece continuar sendo: eles lá, nós aqui!. Infelizmente vigora ainda o acordo tácito, que une as elites dirigentes da nova e velha geração, para perpetuar a miséria e os baixos salários, cá na ilha de Santa Cruz.

      Será esse apenas um traço patológico do capitalismo nesse momento de retorno às origens com o neoliberalismo e que se manifesta na obsessão pelo crescimento veloz e descomedido, na ânsia destruidora e corrosiva por vitórias e conquistas, doa a quem doer, e na opressão abusiva dos desabrigados e excluídos? A pesquisadora inglesa Margarete Lok, num de seus ensaios, afirma que nos tornamos tão obcecados pelo conhecimento racional, pela objetividade e pela quantificação que sentimos extrema insegurança e indecisão ao lidarmos com experiências e valores humanos. A crença cega nas pesquisas, nas percentagens, nos índices, nas tabelas, na âncora cambial que afundou a taxa de juros pelo excesso de gordura, deixando vir à tona o déficit público, faz de todos nós joguetes nas mãos dos donos do poder e dos veículos de comunicação.

      A hegemonia capitalista neoliberal imposta pelos países ricos através das instituições internacionais e dos conglomerados de empresas multinacionais desconhece quaisquer valores éticos e qualquer compaixão pelas culturas condenadas à extinção. De Coca-Cola a Xuxa, de MacDonald’s a Madona, de Big brother a Reebock, vivemos rodeados por marcas e slogans que garantem nossa felicidade terrena e tornam nossas criações culturais autênticas totalmente supérfluas, até mesmo quixotescamente grotescas em sua persistência e em sua luta heróica pela sobrevivência. Essa economia de mercado do salve-se-quem-puder acaba enobrecendo algumas de nossas predisposições mais execráveis e antisociais, tais como a cobiça material, a competitividade desleal, o ódio, a soberba, o egoísmo, a gula, o auto-descontrole e a ganância nua e crua. Mas há momentos de solidariedade e palavras de conforto como as daquele milionário profundamente sensibilizado que, antes de participar de mais um jantar beneficente, disse aos flagelados e aflitos aglomerados a uma certa distância: “De que me valem a fama e a fortuna? Há coisas muito mais importantes na vida”.

      Nossos shows televisivos de cada dia, por sua vez, não poupam apelações nessa guerra cotidiana pela audiência. O curioso é que nós supostamente somos os maiores interessados porque, acreditemos ou não, estamos incluídos naquelas pesquisas e percentagens tão decisivas na vida e na organização do lazer cotidiano dessa massa gigantesca de teleplugados. Pequenas oscilações bastam para sermos castigados com programações ainda mais banais e emocionalistas. Tudo em nome da verdade jornalística e da máxima mercadológica “é ruim, mas vende”.

      Seja como indivíduos, como países ou como planeta, vivemos hoje um momento de profunda transformação: moral, ecológica, econômica, política e ética. Uma nova consciência desponta no horizonte e se faz necessária neste novo século globalizado, no qual se impõem a superpopulação, o aquecimento global, a falta de alimentos, a reestruturação dos sistemas de produção e do comportamento social, e sobretudo inúmeros desafios. Podemos, é claro, tornarmo-nos completamente insensíveis e indiferentes a eles e a tudo o mais, ou então aceitá-los, priorizando o respeito pelo semelhante e valorizando a vida. Assim, quem sabe, com paciência e alegria, estaremos criando um final feliz para todos nós.