Primeira Introdução ao Poema

Caros
……….camaradas
………………….futuros!
Revolvendo
…….a merda fóssil
………………….de agora,
perscrutando
                     estes dias escuros,
talvez
…………..perguntareis
………………………….por mim. Ora,
começará
……………vosso homem de ciência,
afagando os porquês
………….num banho de sabença,
conta-se
…….que outrora
……………….um férvido cantor
a água sem fervura
……………………..combateu com fervor(1)
Professor,
………jogue fora
……………as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
……………..de mim
………………………de minha era.
Eu – incinerador,
……………             eu – sanitarista,
a revolução
……………..me convoca e me alista.
Troco pelo “front”
………                    a horticultura airosa
da poesia –
……………….fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim
      virgem
……………vargem
………………….sombra
………………………..alfombra.
"É assim o jardim de jasmim,
o jardim de jasmim do alfenim."
Estes verte versos feito regador,
aquele os baba,
                         boca em babador, –
bonifrates encapelados,
……………………descabelados vates –
entendê-los,
…………..ao diabo!,
………………………..quem há-de…
Quarentena é inútil contra eles –
………………mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
…………………….ta-ran-ten-n-n…"
Triste honra,
……………se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
………..escarra a tuberculose;
putas e rufiões
……………numa ronda de sífilis.
Também a mim
………a propaganda
……………………cansa,
é tão fácil
…….alinhavar
……………..romanças, –
mas eu
………me dominava
…………………entretanto
e pisava
………..a garganta do meu canto.
Escutai,
…………..camaradas futuros,
o agitador,
              o cáustico caudilho,
o extintor
…………..dos melífluos enxurros:
por cima
…….      .dos opúsculos líricos,
eu vos falo
………..   como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
……        à Comuna distante,
não como Iessiênin,
………………………….guitarriarcaico.
Mas através
…….             dos séculos em arco
sobre os poetas
…………………e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
…………….              .não como a seta
lírico-amável,
…………..       que persegue a caça.
Nem como
……..         ao numismata
……………                         a moeda gasta,
nem como a luz
………………………….das estrelas decrépitas.
Meu verso
………        com labor
………….                     rompe a mole dos anos,
e assoma
…..          a olho nu,
……………                palpável,
……………………                      bruto,
como a nossos dias
                               chega o aqueduto
levantado
…………..por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
………….                      versos como ossos,
se estas estrofes de aço
                                     acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
……………………como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
……………..mas terrível.
Ao ouvido
……….      não diz
…………….            blandícias
……………………….                minha voz;
lóbulos de donzelas
……..                      de cachos e bandós
não faço enrubescer
………………………….com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
…….                                   – tropas em parada,
e passo em revista
………………………o front das palavras.
Estrofes estacam
………..                chumbo-severas,
prontas para o triunfo
……..                           ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
…………… as maiúsculas
………..                             abertas.
Ei-la,
…..a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
………………………..alerta para a luta.
Rimas em riste,
……sofreando o entusiasmo,
eriça
…….suas lanças agudas.
E todo
……este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
                                      não batido,
eu vos dôo,
………………proletários do planeta,
cada folha
………….até a última letra.
O inimigo
……         da colossal
……………                  classe obreira,
é também
                meu inimigo
……………..                   figadal.
Anos
……..de servidão e de miséria
comandavam
………………………….nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
……..                        volume após volume,
janelas
………..de nossa casa
                                 abertas amplamente,
mas ainda sem ler
……………………….saberíamos o rumo!
onde combater,
…………….         de que lado,
…………………….                  .em que frente.
Dialética,
………       não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
……..                           ao fragor das batalhas,
quando,
             sob o nosso projétil,
debandava o burguês
……………………..       que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
…………………                  .– glória –
se arraste
               após os gênios,
……………..                      merencória.
Morre,
………meu verso,
………………..como um soldado
anônimo
             na lufada do assalto.
Cuspo
……sobre o bronze pesadíssimo,
cuspo
………sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
………………..                entre nós todos, –
o comum monumento:
                                    o socialismo,
………….forjado
………………….na refrega
………………………………e no fogo.
Vindouros,
……varejai vossos léxicos:
……………………….do Letes
…………………………brotam letras como lixo –
"tuberculose",
…….."bloqueio",
………….."meretrício".
Por vós,
……geração de saudáveis, –
…………………..um poeta,
………………….com a língua dos cartazes,
lambeu
……….os escarros da tísis.
A cauda dos anos
………..faz-me agora
………………um monstro,
……………………..fossilcoleante.
Camarada vida,
……….vamos,
………….para diante,
galopemos
…….pelo qüinqüênio afora.
Os versos
……para mim
………….não deram rublos,
……………………….nem mobílias
………………de madeiras caras.
Uma camisa
……lavada e clara,
…………………..e basta, –
…………………….para mim é tudo.
Ao Comitê Central
…………….do futuro
………………….ofuscante,
……………………..sobre a malta
……………….dos vates
velhacos e falsários,
………………….apresento
……………………………em lugar
do registro partidário
……todos
…………os cem tomos
……………………dos meus livros militantes.
 

 

dezembro 1929/janeiro 1930
Do livro "Maiakovski – Poemas"/Editora Perspectiva, 1982
(Tradução de Haroldo de Campos)

1. Maiakóvski escreveu versos de propaganda sanitária.