Os cravos portugueses

Sagraram-se

Pelo sangue derramado

De negros e alvos.

 

Os cravos, o povo português

Os porta à mão como quem empunha um fuzil.

E ao cravá-los na lapela,

Pulsa-lhes um segundo coração.

 

Os cravos portugueses

São perfumados e encarnados

De hastes altas, altivos mastros.

Na primavera suas pétalas

São jorros rubros de vinho.

Os cravos dessa terra.

O povo os semeia, os cultiva,

Os celebra.

 

No 25 de abril,

Os portugueses adquirem cravos

Como quem compra pão.

Carregam cravos e desbravam trevas,

As mãos seguram cravos como quem conduz

Tochas de fogo e luz.

 

Portugal que criou a ciência dos mares,

Vê Lisboa alagada pela esperança,

Vê, novamente, nos punhos cerrados do povo

A bravura de quem venceu a fúria dos oceanos,

E a selvageria dos tiranos.

 

Os opressores argumentam,

– Os tempos são outros.

E para ter, eternamente,

Os trabalhadores como escravos,

Alardeiam: os cravos de Abril

Murcharam, para sempre, irremediavelmente…

Esquecem que eles,

São viçosos, teimosos e persistentes.

Desconhecem que a Revolução

 

 

Semeou suas sementes

No solo e nas mentes.

E feito vinhas e feito trigo

Elas brotam e vicejam.

E sempre cá estão os cravos

A irmanar e a encantar o povo

A lembrá-lo a cada dia de trabalho,

A cada livro aberto,

A cada retalho de tecido para um

Vestido novo,

A cada taça de vinho

A cada verso de um fado

A continuar lutando

Contra o fardo da opressão.

Até que as algemas se quebrem,

Até que um novo Abril renasça,

Se faça, floresça e, dessa segunda vez,

Permaneça e daqui não mais parta.

 

(Almada, Lisboa, São Paulo, abril de 2004)

Adalberto Monteiro é jornalista e poeta. Editor da revista Princípios e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois.