Corria o ano de 1890. A região da  capital do café, fervilhava de gente atraída pelo dinheiro que o café rendia aos grandes fazendeiros. Certa vez, lá na região de Ribeirão Preto, vindo não se sabe de onde, o Pedro Malazarte; querendo um emprego numa fazenda de café. Dirigiu-se à sede da fazenda para falar com o dono das terras:
– Bas tarde, Nhô Junquêra!
– Boa tarde! Quem é você e o que quer?
– Meu nome é Pedro Malazarte. Quero trabaiá cum u sinhô; sô bom de enxada e foice, inda sei derriçá café e secá no terrerão! Sô trabaiadô, sim sinhô!
– Para trabalhar comigo, além de ser tudo isso que você falou, tem que ser esperto e muito especial; senão não contrato.
– Mai ieu sô isperto! Si o sinhô me dé pôso na sua fazenda, amanhã posso prová tudisso pro sinhô.
-Tá bom, Pedro. Como é que você pode provar que é esperto e muito especial?
-Bão; disse o Pedro Malazarte: ieu sô capaiz di furá uma árve com o dedo da mão!
– Pois amanhã quero ver isso.
– I o que qui o sihô qué dizê cum ieu sê muito especiá?
– Você tem que passar pela frente da sede da fazenda do seguinte modo: você não pode estar nem pelado nem vestido, não pode estar nem montado nem a pé, ainda tem que beber água que não seja do céu nem da terra. Se você fizer tudo isso e furar uma árvore com o dedo da mão, eu te contrato por dois anos, com casa de graça e um  bom salário mensal. Que tal?
– Aceito u desafio, sim sinhô. Agora quero cumê i durmí pras arte de amanhã.
Efetivamente o coronel Junqueira chamou o capataz e mandou providenciar comida e pouso para aquele maluco que pedia emprego. Todos os outros colonos, inclusive o capataz administrador, caçoaram do Pedro Malazarte, antevendo o evento da manhã seguinte, quando queriam dar muita risada com o maluco que queria ser colono da fazenda.
Tão logo deram janta e um quarto para o Pedro Malazarte dormir, ele pediu para ficar sozinho, pois queria descansar bastante para a prova do dia seguinte.
Mal saíram o capataz e os outros colonos, fazendo pilhérias do Pedro Malazarte, este saiu do quarto pela janela e esgueirou-se da casa onde estava, entrando na mata. Felizmente era noite de lua cheia e se podia ver tudo em volta, mesmo em meio da mata. Malazarte então encontrou uma colmeia de abelha mandassaia, sem ferrão, e retirou tudo que pode dos favos de mel, colocando-os dentro de um embornal. Esgueirou-se ainda pelos fundos da oficina da fazenda, onde pegou um arco-de-pua e uma verruma de furar. 
Ainda escondido, foi até o tronco do imponente ipê rosa defronte da sede da fazenda e fez um furo no tronco da árvore com a verruma. Verificou que o furo era um pouco maior que o diâmetro de seu dedo indicador. Em seguida, mastigou os favos de mel, usando a cera para encher o buraco que havia feito. Aproveitou para dar alguns favos de mel para os cachorros, para que acalmassem. Dito e feito!
Depois, esgueirou-se novamente, devolveu a ferramenta na oficina, jogou quase todos os favos de mel restantes para os cachorros da fazenda; entrou pela janela e foi dormir.
Seis horas da manhã: o coronel ordenou ao capataz que trouxesse o Pedro Malazarte defronte da sede. Ele chegou cumprimentando a todos.
– Bons dia, Nhô Junquêra!
-Bom dia Malazarte. Você ainda quer trabalhar na minha fazenda? (Falava isso enquanto chegavam cada vez mais colonos e a molecada, que queriam se divertir com o maluquinho que havia pousado na fazenda). Pois então, vamos ver se você merece ser um trabalhador da minha fazenda!
– Cum licença, Nhô Junquêra: u sinhô pode me arrumá um cavalo arriado, pra eu?
– Claro, disse o coronel, já antecipando o prazer de dar uma boas risadas com o maluquinho. Vá buscar um cavalo arreado, disse ao capataz!
Em poucos minutos, o capataz trouxe um cavalo arreado e entregou as rédeas ao Malazarte.
Ele fez um carinho no cavalo e deu um favo de mel para ele. O cavalo mostrou-se satisfeito com o Pedro!
– Cum licença Nhô Junquêra, vô tê que desvestí a rôpa.
– Tem a minha permissão, disse o coronel já rindo sem parar, acompanhado de todos ali presentes.
Então o Malazarte ficou só de cuecas, pôs o pé direito no estribo do cavalo, e tocou o cavalo num galope curto: Malazarte, com um pé no chão, outro no estribo, só de cuecas; deu uma volta completa no terreiro da sede da fazenda, passando por várias vezes defronte ao coronel. 
– Cuma u sinhô disse, coroné, num tô nem pelado nem vestido e num tava nem muntado nem de a pé. Cumpri o prumetido!
– Falta beber água que não seja nem do céu e nem da terra!, disse o coronel Junqueira.
– Mai isso é facinho, disse o Malazarte; enquanto pedia um pequeno latão de leite vazio, que foi trazido pelo capataz. 
– Malazarte pediu para o capataz acompanha-lo até um lugar reservado e urinou dentro do pequeno latão.
Em seguida voltou defronte a sede e disse ao coronel que o conteúdo daquele latão era água que não vinha nem do céu nem da terra, e que o capataz podia comprovar.
– É verdade; disse o capataz.
Em seguida o Malazarte tomou um pouco daquela água e todos o aplaudiram; menos o coronel.
– Mas, ainda falta ver você furar uma árvore, usando apenas os dedos das mãos!
Malazarte pediu para vestir sua roupa. Após postou-se ao lado do ipê que ficava bem próximo da varanda se de da fazenda, onde estava o coronel:
 – Ocêis tudo tão de prova que já fiz tudo que u Nhô Junquêra pediu preu fazê; só farta furá uma árve com us dedo das mão. Vô fazê isso agora!
Em seguida, diante de um pequeno exército de colonos e do coronel Junqueira, Malazarte fez o impossível: ele se aproximou do tronco do ipê e deu uma dedada com o dedo indicador no tronco; e o dedo perfurou o tronco do ipê, para espanto de todos.
E o Pedro Malazarte, desse dia em diante, passou a fazer parte dos colonos da fazenda de café. Creio que ele ficou por lá muitos e muitos anos, depois do desafio. O Coronel Junqueira, depois desse episódio se casou com uma mulher que se transformaria num mito regional e nacional: uma coronel de saias! Já o coronel, depois de nascido três filhos, morreu calmamente numa tarde de pouco sol, em meio ao cafezal, conversando com o Malazarte, a quem ele acreditava ser muito esperto mesmo. O coronel nunca soube como o Malazarte conseguiu furar uma árvore com os dedos, mas tinha uma enorme curiosidade; coisa que o Malazarte nunca confidenciou a ninguém. 
 
Mas, depois da morte do coronel, o Malazarte ficou inconformado e foi embora da fazenda. Ele viajou por tudo quanto era lugar; levando sua astúcia, esperteza e seu jeito muito especial de ser.