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Escrever um livro sobre o Dia Internacional da Mulher para suas filhas, Helena e Gabriela, foi o meio que Ana Maria Prestes encontrou para suprir uma lacuna na escola das meninas. Diante de uma pesquisa sobre o tema, não havia nenhum material melhor direcionado para o público infantil. Com isso, é dificil fugir do apelo comercial da data para uma politização feminista na luta por mais liberdade, autonomia, independência, desenvolvimento e emancipação para as mulheres. 

Todos os materiais que encontrou, impressos ou virtuais, falavam em termos que as crianças ainda têm dificuldades para compreender, por serem muito específicos das divergências políticas ou até por serem muito cruéis, assustadores. É sórdido dizer para uma criança que cerca de 100 mulheres foram trancadas em uma fábrica e queimadas vivas. Essa historia famosa, sobre as tecelãs queimadas em Nova Iorque, além de ser assustadora para uma criança, carece de evidências para sua comprovação. Por outro lado, pouco se fala das mulheres russas de Petrogrado que realizaram uma greve em 8 de março de 1917, às vésperas da revolução russa de outubro, e foram fundamentais para a construção desta data histórica.

Helena, a filha mais velha, foi o laboratório de observação. Se aos 7 anos ela teve dificuldade para fazer o trabalho sobre o 8 de março, no ano seguinte, já no quarto ano do fundamental, ela teve mais facilidade por causa das conversas, pesquisas e debates sobre a ideia do livro. Atualmente, no quinto ano, ela foi mais uma vez escolhida para falar do tema na escola e fez as professoras se emocionarem ao recitar o poema que é a base do livro Mirela e o Dia Internacional da Mulher. Já a Gabriela, que hoje está com 6 anos, ficou muito orgulhosa quando o texto foi lido pela primeira vez e vibrou quando a personagem ganhou um nome e feições das mãos da ilustradora Vanja Freitas. Lá em casa, a Mirela virou uma filha e irmã caçula da qual todas estamos cuidando.

Por outro lado, no Brasil dos últimos anos, com a ascensão de uma mulher à Presidência da República e o fortalecimento de movimentos sociais que tratam de temas sensíveis à condição feminina e dos direitos à igualdade, houve um fortalecimento de uma agenda feminista mais significativa e vinculada às verdadeiras aspirações da data. Pra resumir, há um verso do nosso livro que diz:

“O 8 de março nasceu
também para ser bonito
Mas não vamos deixar as flores
esconderem o conflito”

Ana nasceu em uma família com mulheres muito fortes, como a bisavó, Leocádia Prestes, que liderou uma campanha internacional pela libertação de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes em tempos de ditadura e sem internet! Olga, a primeira esposa do avô Luiz Carlos, foi uma jovem revolucionária comunista que morreu em um campo de concentração nazista e defendeu a justeza de sua causa até o último minuto de vida. Maria Prestes, a segunda esposa de Prestes e avó de Ana, sempre foi a grande referência de vida. Uma mulher que enfrentou a ditadura do estado novo e a ditadura militar, ao mesmo tempo em que formava uma grande família e até hoje defende os ideais libertários aos quais aderiu ainda na adolescência. Desde muito nova, Ana diz que se transformou em uma questionadora da condição feminina.

Veja o video da campanha e leia a entrevista com a autora do livro:

 

O livro foi feito pensando em meninos ou meninas? Como espera que eles e elas apreendam a discussão em suas diferenças?

O livro foi pensado para crianças, mas obviamente, pela temática, provavelmente terá mais apelo entre as meninas. O livro fala do universo feminino, das conquistas das mulheres, das lutas das mulheres, do desafio de ser mulher, do fato das mulheres terem um dia mundial dedicado a elas.

Em tempos de reacionarismo contra o que chama de “ideologia de gênero”, seu livro parece surgir como resistência. Acredita que as escolas tenham dificuldade em incorporar o debate?

A grande maioria das escolas, pelo que observo, tem dificuldade para incorporar esse debate sim. Nossa herança patriarcal é muito forte. Há muita pressão da igreja para que a escola não questione um padrão de família reproduzido por elas, em que o lugar da mulher na sociedade é muito definido. A escola questionadora e crítica tem enorme dificuldade para prosperar neste ambiente. A abordagem aos temas relativos à igualdade e à apropriação feminina sobre seu corpo e sua vida são prejudicados por um sistema hegemônico, necessariamente reproduzido no sistema escolar. Como disse Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”.

Existe uma diversidade de temas abordados no livro, no tocante às demandas feministas? Quais são eles?

Na verdade, o livro é centrado na origem do Dia Internacional da Mulher. Por que ele existe? Como ele surgiu? São as perguntas que a menina Mirela tenta responder, após receber uma tarefa escolar. Ao contar esta história ela desvenda uma série de demandas feministas, que foram se alterando ao longo do tempo, a partir das conquistas das mulheres. A princípio a mulher não podia votar, não podia cumprir certos papeis sociais destinados somente aos homens, hoje as mulheres ainda são tratadas com muita violência e recebem salários menores que dos homens, pelo mesmo trabalho realizado, as crianças precisam saber disso.

Teve algum tema que você gostaria, mas preferiu não abordar, por se tratar de crianças como público alvo?

Um tema que eu acho bem importante, mas muito difícil pra tratar com as crianças, é o da violência de gênero. A violência específica com as mulheres. Nós sabemos que muitas crianças vivenciam isto dentro de casa, com suas famílias. É preciso falar do tema, mas não abordei no livro. Falei genericamente de violência contra as mulheres como mais uma das questões que atingem as mulheres. É preciso muita sutileza e sabedoria para falar do tema em uma fase em que as crianças ainda estão descobrindo seu corpo, compondo sua identidade, sua individualidade, sua presença no mundo.

A campanha na internet tem sido bem recebida, faltando 20 dias para encerrar. A que atribui o interesse do público?

Felizmente a campanha deu certo. Ainda faltam 18 dias para terminar a campanha e já atingimos 91% da meta de arrecadação. A luta das mulheres está em evidência no Brasil. Neste exato momento, em que atravessamos um enorme revés no nosso sistema democrático, as mulheres organizadas têm sobressaído em defesa da democracia. As mulheres têm conseguido pautar suas bandeiras e a adesão ao projeto do livro é uma demonstração de que as pessoas querem compartilhar isso com as crianças. Querem que as crianças participem deste momento.

Teve algo na percepção de suas filhas que alterou o conteúdo do livro?

O livro foi feito em parceria com as minhas filhas, Helena, hoje com 10 anos e Gabriela, 6 anos. A linguagem utilizada, a forma de abordagem, até a sonoridade da leitura do livro por elas influenciou. Não digo que a percepção delas alterou o conteúdo, pois a percepção delas e a minha, somadas, formaram conteúdo.

Teve algum livro que inspirou-a ou serviu de influência?

Não há um livro específico que tenha me inspirado. Aliás, foi a própria inexistência de um livro sobre o tema que me inspirou. Busquei um livro que falasse do Dia 8 de março para crianças e não encontrei! Daí resolvi escrever um. Minha inspiração foram todas as mulheres que são referência para o feminismo mundialmente. As mulheres da minha família, como minha bisavó Leocádia Prestes e minha avó Maria.

Tem vontade de continuar escrevendo para crianças? Sobre que assunto?

Penso que sim. O universo infantil é fascinante. Por enquanto estou concentrada no livro Mirela e o Dia Internacional da Mulher.