A Boitempo acaba de lançar Nós que amávamos tanto ‘O capital’: leituras de Marx no Brasil, um livraço escrito por Roberto Schwarz, José Arthur Giannotti, Emir Sader e João Quartim de Moraes, refletindo sobre os célebres “Seminários Marx” dos anos 60-70 no Brasil. Com apresentação de Sofia Manzano e quarta-capa de Michael Löwy, o livro chega às prateleiras brasileiras por apenas R$23. Confira, abaixo, o texto de orelha do livro, escrito por Lidiane S. Rodrigues.

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Alguém em sã consciência ignora que a leitura tem uma história e toma formas sociais diversas? Não. E, no entanto, o trabalho de organização social dos leitores tem sido subestimado pelos interessados no destino da obra de Karl Marx. O livro Nós que amávamos tanto ‘O capital’ é um documento inestimável para se constatar a relevância da forma e da vida social de uma leitura. Ele reúne depoimentos dos “corações veteranos” de uma das primeiras experiências de auto-organização para ler Karl Marx em grupo.

A crônica é conhecida: José Arthur Giannotti voltou da França em 1958 e chamou seus amigos para ler O capital, segundo as rédeas da leitura estrutural do texto; colocando suas competências disciplinares e linguísticas a serviço de causa digna – havia historiador, sociólogo, filósofo, crítico literário, economista; alguns iam apenas com a vontade de ler, outros levavam também seu alemão, seu francês, seu inglês, seu espanhol e seu humor. Alguns foram e não voltaram – “duro demais”. E poderia ser diferente?

O feito ficou conhecido como Seminários Marx. A troca de ideias, sentimentos e favores configurou um grupo – no sentido pleno do termo. O intercâmbio contínuo de ideias entre os seminaristas e o exercício constante da prática de leitura deram frutos: foram importados para os doutorados e, gradativamente, para as disciplinas acadêmicas em que atuavam. Tal difusão variou segundo a lógica interna de cada uma – permeabilidade lógica ao marxismo (o grupo leu outros livros, além d’O capital, basta conferir o repertório de conceitos compartilhado por eles); temáticas de investigação; ritmo de profissionalização; dominação dos catedráticos; negociações léxicas, bibliográficas.

Os efeitos de médio prazo desse trabalho de organização da leitura são evidentes para qualquer observador da cultura acadêmica brasileira. Ao longo das seis décadas que nos distanciam do início de tal atividade, as reviravoltas da vida política (ditadura militar, tortura, exílios e presidências) e as reconfigurações dos espaços sociais implicados (universidade, luta armada, revistas, partidos) foram embaralhando filiações e tomadas de posição. Além disso, a rotinização da prática obnubilou o cerne da inovação dos Seminários Marx, isto é, a forma social da leitura coletiva. Os depoimentos reunidos nesse livro podem restituir essa dimensão aos que os lerem com inteligência e delicadeza.

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“Os célebres Seminários Marx foram uma bela experiência de aprendizado comum, intercâmbio mútuo e confronto de interpretações, não sem polêmicas e controvérsias, mas também com momentos de ironia e de humor. Fui um modesto participante durante os anos 1959-1960. Os quatro brilhantes pensadores que compõem este importante livrinho representam, de forma coerente e instigante, as lições muito diferentes que cada um tirou dessa iniciativa. Para que serve O capital de nosso amigo Karl Heinrich Marx, cujo Livro I completa neste ano o 150 aniversário? Para estudar o método dialético? Para entender a realidade brasileira? Para tentar transformá-la, como propõe sua Tese XI sobre Feuerbach? Ao leitor cabe tirar as próprias conclusões…” – Michael Löwy

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Lidiane S. Rodrigues é professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP). Pós-Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), com com estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS/Paris). Doutora em História Social pela USP, com a tese A produção social do marxismo universitário. Mestres, discípulos e ‘Um Seminário’ em São Paulo (1958-1978).