A Boitempo acaba de lançar Che Guevara e o debate econômico em Cuba, de Luiz Bernardo Pericás. Lançado originalmente em 2004, o livro ganhou o Prêmio Ezequiel Martínez Estrada 2014, da Casa de las Américas (Cuba), e foi publicado na Argentina, nos Estados Unidos e em Cuba. A nova edição brasileira, revista e ampliada pelo autor, conta com prefácio de Michael Löwy e posfácio de Luiz Alberto Moniz Bandeira. O texto de orelha, assinado por Jorge Grespan, você lê abaixo. A obra se destaca em meio à bibliografia existente, na qual Guevara costuma ser visto mais como guerrilheiro heroico do que como formulador de diretrizes econômicas. Claro, acessível, bem documentado e escrito em linguagem envolvente, o livro tem o mérito adicional de pôr as ideias de Che Guevara sobre a economia em seu contexto histórico, incluindo as mudanças radicais de seu pensamento – entre 1959 e 1965 – em relação à União Soviética e mesmo a Cuba. Pericás analisa as principais discussões sobre a industrialização da ilha e a gestão das empresas no período em questão, traçando um painel econômico rico a partir de dados estatísticos sobre o país. Para isso, recorreu tanto à bibliografia e a documentos do período mencionado quanto a publicações sobre o tema; e entrevistou estudiosos, especialistas em economia socialista e personalidades do governo cubano que participaram dos projetos de desenvolvimento no início daquele processo. A nova edição foi complementada com dados estatísticos apresentados por estudos historiográficos mais recentes. Leia abaixo, o texto escrito por Jorge Grespan para a orelha do livro.

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Sem o preparo técnico formal de um economista – e talvez por isso mesmo –, Guevara foi capaz de formular uma estratégia coerente para a industrialização e o desenvolvimento de Cuba que permitisse a autossuficiência da ilha e lograsse superar a dependência da economia agrário-exportadora. Com isso, Guevara instalava-se no centro de um dos debates mais importantes do século XX, sobre a transição do capitalismo ao socialismo, travado no âmbito teórico e prático nos vários países do chamado campo socialista, muitas vezes opostos quanto aos caminhos que trilhavam.

É precisamente o núcleo desse debate que é aqui apreendido e exposto, tomando por eixo a atuação do Che. Com o detalhe necessário, o autor analisa temas tão diversos como as concepções dos papéis dos sindicatos na construção do socialismo ou o significado do conceito de “homem novo”, livre da alienação capitalista.

Pericás resgata este último conceito – de importância crucial na caracterização de toda uma época na história das ideias – relacionando o “homem novo” idealizado por Guevara à nova ordem econômica então proposta e às tarefas que nela caberiam aos indivíduos. Neste, como em outros casos, portanto, Pericás busca muito mais reconstituir um momento histórico decisivo através da atuação de um de seus principais personagens do que escrever-lhe a biografia. Pericás localiza os momentos em que o líder revolucionário, que se fez também estrategista da economia, entrou em choque com as tendências que começavam a predominar na União Soviética da década de 1960.

Acusado pelos soviéticos de “trotskista” e “maoista” justamente por esses desacordos, Guevara, nesta obra, é caracterizado pelo descompromisso para com quaisquer “ortodoxias” que lhe restringissem a liberdade de pensar e agir. Assim, além de sugerir uma explicação para sua saída de Cuba e seu retorno à guerrilha, o livro permite ainda especular sobre a realização das sombrias previsões do Che quanto ao destino do socialismo na União Soviética e no mundo, caso os rumos então tomados não fossem modificados a tempo; e não o foram. Por tudo isso, a leitura do livro de Pericás é tão interessante, lançando nova luz sobre uma das figuras mais emblemáticas de nosso tempo.

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“Este livro é uma importante contribuição para a compreensão das ideias econômicas de Che Guevara. Mostra, com muita habilidade, que o debate entre reconhecidos economistas marxistas europeus, como Ernest Mandel – a favor de Guevara – e Charles Bettleheim – contra –, se referia não apenas às particularidades do caminho cubano rumo ao socialismo, como também a problemas mais gerais da teoria e da prática econômicas marxistas” – Michael Löwy

“Neste excelente livro, o historiador e escritor Luiz Bernardo Pericás analisa e interpreta em profundidade o pensamento econômico do Che. Trata-se de uma contribuição para o avanço do socialismo, particularmente neste momento de profundas transformações em Cuba.” – Tirso W. Sáenz