Na mesa de abertura, o seminário contou com o jurista, ex-ministro e ex-governador Tarso Genro, a advogada e ex-deputada federal de Santa Catarina, Angela Albino e o jornalista e ex-prefeito de Canoas, Jairo Jorge, da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, com mediação do professor José Vicente dos Santos, coordenador do Ilea-UFRGS.

O evento começou com “um minuto de aplausos” em homenagem à memória da vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL). Na mesa de abertura que antecedeu o debate do dia, comandada pela ex-deputada estadual Jussara Cony (PCdoB), representantes das fundações dos partidos PT, PCdoB, PDT, PSB e PSOL destacaram a importância de se construir bandeiras comuns para todos os partidos de esquerda, como a defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos sociais. Em diversas falas, as palavras “unidade” e “frente ampla” emergiam. Contudo, o deputado estadual Altemir Tortelli (PT), que participou da mesa de abertura representando a Assembleia Legislativa, destacou que a energia que tem motivado as fundações dos partidos progressistas a buscarem essa união deve se refletir na prática, isto é, nas eleições e atuações legislativas para construir “uma grande frente para derrotarmos o golpismo”, o que, segundo ele, já foi feito pelo “povo na rua” nas mobilizações contra a reforma da Previdência.

Limites da democracia representativa

 

(Foto: Walmaro Paz)

O ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, abriu os trabalhos fazendo uma reflexão sobre os limites da democracia representativa. “Há momentos em nossa história que são momentos de virada da consciência pública, de ousadia da direita e do fascismo e estamos vivendo um desses
momentos”, disse. “Todos aqui estamos preocupados em construir uma unidade política superior, não só de resistência ao fascismo e ao projeto neoliberal rentista, mas também de construir um programa comum de uma esquerda plural, capaz de construir um grande plano político e democrático de avanço para o país”, destacou.

O ex-governador destacou que o Brasil vive um enigma político que não é diferente daquele enfrentando em muitos países da Europa, isto é, o da validade do modelo liberal-democrático-representativo. “Ele ainda é capaz de absorver e processar crises segundo aqueles modelos tradicionais de composição de maiorias dentro da democracia política ou não? Aparenta, aqui no Brasil, que não. Este modelo republicano-representativo que está aqui demonstrou a impotência brutal, tanto é verdade que as forças conservadoras, reacionárias, neoliberais deram um golpe institucional, articulado com o Congresso Nacional, mas um golpe para derrubar uma presidenta legítima e colocar no seu lugar uma confederação de investigados e denunciados. Está aí o país sofrendo essa crise”, disse.

Genro lembrou que o moderno estado de direito deixou legados importantes como os princípios da igualdade e da inviolabilidade dos direitos. “Quando esses fundamentos começam a ser erodidos de maneira planejada, é porque o estado moderno, tal qual foi concebido, está em crise”.

Um dos exemplos dessa erosão destacados pelo ex-ministro é o tratamento diferente que a Justiça tem reservado a acusados de corrupção. Ao fazer isso, a Justiça “rompe com o princípio da igualdade formal, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Portanto, aquilo que é uma deformação se torna um elemento constante do próprio regime, colocando o Estado contra um determinado setor da sociedade, contra alguns partidos políticos e algumas lideranças”.

Outra grave violação dos direitos fundamentais apontada pelo ex-ministro vem pela reforma trabalhista, especialmente pela modalidade intermitente. “Um trabalhador intermitente terá de trabalhar 12 horas para ganhar um salário mínimo. Essa regra viola direitos como a jornada de 8 horas, com reflexos na saúde e na vida das pessoas. E isso está sendo feito, aprovado “legalmente” por um Congresso eleito pelo povo”.

Para Genro, ataques como estes são possíveis graças a mecanismos de formação de hegemonia comandada pelas classes dominantes e pelo sistema financeiro, nas quais se inserem think tanks como o Instituto Millenium e grandes veículos de comunicação, como a Rede Globo. “Eles
formam pensamentos e produzem o senso comum alienado”, explicou. Isso, disse, “é o vírus do fascismo”, que compra a opinião do povo “para atacar a política e dissolve-la, abrindo fendas para a força normativa do capital sobre as massas populares”.

 

Tarso Genro avalia que o grande dilema da democracia é se o modelo representativo ainda tem validade (Foto: Guilherme Santos/Sul21 )

Para Tarso, seria justamente a capacidade de absorver e processar crises sem perder seus fundamentos a grande demonstração de vitalidade desse modelo de democracia, contudo, no Brasil, teria ocorrido o contrário. “A representação política foi esquartejada. Os partidos políticos foram neutralizados pelo controle e a manipulação da informação que fazem os grandes grupos de comunicação. Então, se você extingue a vitalidade dos partidos, você dissolve a legitimidade da política, você produz na opinião pública um sentimento de ódio contra tudo que não seja o modelo neoliberal. O que você gera? Gera a desconstituição do modelo democrático moderno tal qual ele está instalado. Então, é isso que o pensamento da esquerda, democrática, republicana e socialista tem que debater. Até onde é possível suportar isso? Tem recuperação ou não?”

“Nós podemos estar a caminho de uma fascistização do Estado brasileiro de novo tipo, através da combinação do autoritarismo estatal, comandado pela hipnose da Rede Globo, de um lado, e de grupos privados cometendo atos de violência. Mas, a população vai reagir também. Isso aí tem que ter um paradeiro. E essa reação que não se sabe qual é a sua potência real de confronto, se esse confronto ocorrer. Tomara que seja um confronto político”, afirmou.

Tarso Genro finalizou dizendo que diante deste cenário, a neutralidade acaba sendo “a manifestação dos covardes e ineptos”. Para ele, “não pode haver neutralidade contra o fascismo”. A superação deste momento, disse, passa pela formação de uma frente política com direção política de hegemonia da esquerda para dar consequência a esse processo de lutas. Além disso, defendeu a necessidade de se trabalhar com três elementos concretos: a reforma política, a democratização dos meios de comunicação e a “desdinheirização” da política, porque “não é mais possível que a política tenha de passar por relações espúrias ou de mendicância” junto ao empresariado.

Equívocos da esquerda

 

(Foto: Walmaro Paz)

A ex-deputada e presidente do PCdoB de Santa Catarina, Angela Albino, iniciou sua apresentação homenageando o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, cujo suicídio, destacou, foi “fruto do Estado de exceção que vivemos no Brasil”.

Na sequência, a advogada elencou algumas das dificuldades da esquerda que precisam ser superadas para o enfrentamento do momento atual. Um deles é o não reconhecimento do real inimigo, o imperialismo. “Na hora em que o Brasil diz que é uma nação soberana, que passa a ter assento na ONU, que faz acordos que vão além dos acordos aos quais historicamente estivemos submetidos como quintal dos EUA, a partir deste momento, deveriam ter sido adotadas medidas que nos protegessem deste grande e real inimigo”.

Ângela ponderou que o principal debate que o Brasil deve fazer hoje é como conjugar desenvolvimento econômico, democracia e direitos sociais. “A gente vai formando a convicção de que nós vivemos num tempo do neoliberalismo que a democracia passou a ser um entulho, não só no Brasil, como em outros lugares. A própria sede que eles têm de prender o Lula significa isso, evitar que o povo escolha. A democracia como entulho. Junto com isso, um contexto de perda de direitos sociais que, na nossa convicção, vai cada vez mais abalando o desenvolvimento econômico do País. Um povo empobrecido não tem condições de ser mercado de consumo”, disse.

Outro ponto colocado por Angela é que “a melhor política de direitos humanos é o desenvolvimento econômico”. “Em algum momento, tivemos a impressão de que as nossas lutas segmentadas eram maiores do que a luta de classes”, explicou.

O terceiro equívoco destacado por Angela foi a “incompreensão dos limites da correlação de forças”. “Esperamos que deste momento tão doloroso que estamos vivendo, possamos aprender que o inimigo não está entre nós; o inimigo não é aquele com o qual se disputa uma eleição num mesmo segmento; o inimigo está do outro lado. E precisamos construir, sobre bases concretas, essa correlação de forças mais favorável”.

Por fim, o último equívoco apontado pela ex-deputada foi uma profunda ilusão de Estado e do republicanismo. Ela abordou as carreiras de estado neste processo atualmente vivido. Para exemplificar, lembrou o jejum prometido pelo procurador Daltan Dallagnol que busca pressionar
o STF com relação à decisão de condenação em segunda instância. “É uma lástima que não tenham jejuado pelo fim do auxílio-moradia”, brincou.

 

Ângela Albino alertou que a democracia vem sendo tratada como ‘entulho’ (Foto: Guilherme Santos/Sul21 )

Angela Albino também destacou que a grande votação de Marine Le Pen na França e a vitória de Donald Trump nos EUA acendem um alerta importante: “demonstram que tem muita gente que precisamos disputar no campo das ideias, incansavelmente, todos os dias”. Para ela, essas votações, bem como certas candidaturas de extrema-direita no Brasil, não têm como base apenas o discurso de ódio. “Elas falam da vida concreta, do cara que tem medo de sair com o celular e ser assaltado. Como disputar essas pessoas?”, questionou.

Ângela também destacou que o momento de retrocessos em direitos não é exclusivo do Brasil, mas compartilhado por quase toda a humanidade. “Nós, às vezes, mesmo na esquerda, subestimamos o tamanho do enfrentamento que é a questão do fundamentalismo nesse momento de ódio, que é, inclusive, muito insuflado por religiões, uma coisa assombrosa. Então, essa forma como o ódio se impôs como nicho eleitoral para nós é uma faceta muito preocupante desse momento de retrocesso que o Brasil vive, porque vai criando no imaginário do povo um sentimento que é esse caminho mesmo, tem que perder direitos. Não consegue ver que o próximo que vai ser devorado somos nós todos”.

Para ela, o papel da esquerda é “disputar essas pessoas que estão nesse discurso de ódio porque, por trás disso, há uma angústia profunda com a segurança e com a perspectiva de futuro”. E defendeu a necessidade de uma frente ampla para construir um novo projeto nacional de desenvolvimento. “Nossas divergências, se somos leninistas ou trotskistas, não têm importância agora, porque estamos numa encruzilhada civilizatória no Brasil e temos de ter a responsabilidade de conduzi-la da melhor maneira”.

Aprofundar a democracia

 

(Foto: Walmaro Paz)

A última palestra da noite foi feita pelo jornalista e ex-prefeito de Canoas, Jairo Jorge, que se focou no aprofundamento da gestão democrática no campo governamental. “Vivemos tempos de intolerância, ódio e violência. Tempos de desconstrução de um projeto nacional e de ações para solapar conquistas sociais e avanços democráticos”, disse.

Jairo considerou que os ataques contra a Caravana de Lula em sua passagem pela região não são agressões apenas à esquerda e ao PT, mas contra a democracia, e que exigem que seja feita uma reflexão sobre os rumos da democracia e construída de forma comum um “novo destino” para o País. Para ele, esse novo destino passa pela “radicalização da democracia”.

“Eu defendo isso há muitos anos e acho que, neste momento em que se acirra os ânimos, no momento em que a democracia corre risco, todos nós democratas devemos buscar a convergência, o diálogo, e responder dessa forma àqueles que marcam a atuação política pela intolerância respondendo de outra forma, com diálogo, com tolerância. Acho que este é o melhor caminho para que a gente possa isolar esses setores que, na verdade, usam da violência para impor suas opiniões”, afirmou.

De acordo com Jorge, há uma crise de legitimidade entre o representante e o representado. “As pessoas não vêm nos eleitos práticas e propostas que estejam conectados com seus anseios e perspectivas e isso é um fenômeno mundial”, destacou.

Segundo ele, o grande desafio, hoje, “é reencantar os indivíduos com a política e a esfera pública; não podemos dar velhas respostas para novas perguntas”. Para o capital, explicou, “a democracia deixa de ser essencial” e “há um processo de desconstrução da política na cena mundial, em que os temas da corrupção e da ineficiência surgem como aríetes para derrubar governos progressistas e colocar em seu lugar a necessidade de soluções técnicas sem colorações ideológicas ou partidárias”.

 

Jairo Jorge fez a defesa da radicalização da democracia (Foto: Guilherme Santos/Sul21 )

Neste sentido, disse que “a versão neoliberal do desencanto se manifesta de diversas formas; uma delas é a apologia dos governos técnicos, apresentando o político como responsável por todos os males, como algo antiquado, uma espécie de tumor que precisa ser extirpado”.

Diante deste novo momento, destacou, “defendo que a melhor resposta da esquerda é estimular a cultura da participação popular, aprofundar a democracia fortalecendo as atuais e criando novas ferramentas de participação”. Para ele, é preciso “dessacralizar a autoridade e aproximar cada vez mais os cidadãos de nossos políticos” e a “vontade popular precisa estar no centro da administração”, um contraponto ao conceito de “choque de gestão” formulada pela direita neoliberal, na qual o cidadão é mero consumidor.

“Hoje, infelizmente, há um processo crescente de criminalização da política, afastando as pessoas do engajamento cívico. Isso leva ao afastamento de inúmeros talentos da construção de um Estado compromissado com a justiça e a garantia de direitos, com a promoção da democracia e de um projeto de desenvolvimento a serviço do povo”. Neste sentido, também defendeu a convergência e a unidade do campo da esquerda para a superação dos atuais desafios.

A mesa de abertura do evento contou com a participação e saudação do deputado Altemir Tortelli, representando a presidência da Alergs; Raul Carrion, da Fundação Maurício Grabois; Jorge Branco, da Fundação Perseu Abramo; Miguelina Vecchio, da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini; Francisvaldo Mendes de Souza, da Fundação Lauro de Campos — que prestou homenagem à vereadora Marielle Franco e ao seu motorista, Anderson Gomes, assassinados no dia 14 de março no Rio de Janeiro; Vicente Selistre, da Fundação João Mangabeira; da ex-deputada e atual dirigente do Cebrapaz-RS, Jussara Cony; Miguel Frederico do Espírito Santo, do Instituto Histórico e Geográfico do RS; Benedito Tadeu Cesar, do Comitê Gaúcho em Defesa da Democracia e Mark Kuschick, da Sociedade de Economia do RS.

O seminário segue no dia 9 de abril com a mesa “Soberania nacional e integração internacional não-subordinada”, com as participações de Renato Rabelo (Presidente da Fundação Maurício Grabois), do historiador Gilberto Maringoni (Fundação Lauro Campos e UFABC), do sociólogo Miguel Rossetto (ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário) e da historiadora Analúcia Danilevicz (NERINT/UFRGS).

Com informações de Sul 21

Veja a programação completa do seminário e como participar: Seminário no Rio Grande do Sul debaterá o desenvolvimento nacional

 

(Foto: Beto Rivera)