Hoje em dia, do ponto de vista econômico, nenhum país é uma ilha. De modo que a crise surgida no coração do capitalismo está afetando, em graus diferentes de intensidade, todos os países do mundo. O relatório “Tendências Mundiais do Emprego”, da Organização Internacional do Trabalho – OIT –, estima que em 2009 o aumento do número de desempregados estará entre 18 milhões e 50 milhões.

Números tão diferentes mostram que há muita incerteza sobre o que vai acontecer, e uma das razões é seguramente o desconhecimento sobre como agirá cada governo nacional. Ou seja, os efeitos da crise dependerão em muito das medidas que forem adotadas em cada país. Eu tenho plena consciência de que, por tudo o que vimos fazendo nos últimos anos, nós já estamos em melhores condições para enfrentar essa crise, que está visitando todos os países sem ser convidada. E isso não é dito apenas por mim ou por membros do meu governo. Isso é reconhecido por qualquer instituição internacional ou por qualquer fórum empresarial ou de debate econômico. O Brasil está sendo visto como um país com plenas condições de atravessar esse período crítico com menos prejuízos. Mas, apesar de estarmos mais preparados e, por sabermos do papel indispensável do Estado, estamos agindo em várias frentes. Estou convencido de que quanto mais rapidamente dermos as respostas adequadas, menores serão as perdas de emprego e os custos sociais desta crise que os países desenvolvidos impuseram ao mundo, pela absoluta falta de controle sobre o mercado financeiro.

Desde o surgimento dos primeiros sintomas da crise, determinei às minhas equipes para atuarem em três grandes linhas. Em primeiro lugar, trabalhar para atenuar o impacto da retração do crédito destinado à produção e ao consumo. Uma das medidas foi reduzir o compulsório dos bancos, liberando recursos para serem emprestados às empresas e aos consumidores; estamos tomando providências para que haja uma redução do spread bancário – uma delas é recomendar aos bancos públicos que deem o exemplo; usamos parte das reservas em dólar que acumulamos ao longo dos últimos anos para abrir novas linhas de crédito para exportadores e produtores brasileiros; aumentamos em R$ 100 bilhões o volume de recursos que o BNDES poderá colocar à disposição dos produtores, reforçando algumas linhas para as micro e pequenas empresas, que respondem pela maior parte – 55% – dos empregos com carteira assinada no Brasil; reduzimos e mudamos o recolhimento de vários impostos, para que as empresas disponham de maior folga de caixa e dependam menos de crédito para capital de giro; e reduzimos alíquotas do imposto de renda, para que os contribuintes tenham mais recursos para o consumo.

Em segundo lugar, ao invés de cancelar obras do PAC, com medo da crise, nós fizemos exatamente o contrário: ampliamos o volume de recursos de R$ 504 bilhões para R$ 646 bilhões até 2010. Além disso, estamos reforçando o controle sobre a execução das obras, para garantir o cumprimento dos cronogramas de investimentos. As milhares de obras que estão nas fases preliminares, em execução ou concluídas em todo o país tornam o PAC um dos principais sustentáculos das barreiras anticrise que estamos levantando. Sua importância não é apenas por injetar um volume inédito de recursos na economia, criando milhões de empregos em praticamente todos os municípios do país, mas também por eliminar os gargalos de infraestrutura, criando os alicerces para um desenvolvimento econômico duradouro e sustentável.

Tenho conversado com empresários para que instituam o segundo e, se possível, até o terceiro turno de trabalho para que as obras do PAC sejam concluídas com maior rapidez e também para uma maior absorção de mão-de-obra, o que contribuirá também para atenuar os efeitos da crise. No Brasil de hoje, 53,6% da população, ou seja, a maioria, vive em apenas 4,5% dos municípios. À medida que está presente em todos os rincões do país, o PAC aponta também para a redistribuição de riquezas, para a redução das desigualdades sociais e regionais, para a desconcentração populacional. Até há pouco tempo, quando eu conversava com representantes de empreiteiras como a Odebrecht, Andrade Gutierrez, Suez, ou Camargo Corrêa, a principal reclamação era: “Presidente, está faltando engenheiro”, “Presidente, está faltando pedreiro”, e por aí afora. E eu posso dizer que há o risco de faltar ainda mais.

Nós decidimos recentemente que vamos construir 500 mil casas populares este ano e mais 500 mil no ano que vem. Trata-se de um investimento que vai movimentar a economia, criará um número extraordinário de empregos, especialmente de mão-de-obra não qualificada, além de atender às necessidades impostas pelo crescimento demográfico e pelo déficit habitacional acumulado ao longo da nossa história.

Em terceiro lugar, seguimos aprimorando as políticas sociais, que são uma das principais razões para o crescimento do Brasil nos últimos anos. Estamos mantendo e ampliando o Bolsa Família, que tem retirado milhões de pessoas da pobreza, e avançando em ações complementares na área de qualificação e crédito, que permitem aos membros dessas famílias melhores oportunidades no mercado de trabalho. Continuamos implementando a política de valorização do salário-mínimo, que subiu para R$ 465 a partir do dia 1º de fevereiro, o que representou um aumento nominal de 12,05% e um aumento real, ou seja, já descontada a inflação, de 6,39%. Desde 2003, o aumento real do salário-mínimo está em torno de 50%. Estou convencido de que, ao lado das demais medidas anticrise, esta política séria de distribuição de renda contribui decisivamente para que o mercado interno se mantenha relativamente aquecido, minimizando os efeitos da crise internacional sobre a nossa economia.

No atual cenário econômico, o peso do fator psicológico é muito grande. E enquanto nós estamos injetando ânimo nos atores econômicos, tomando todas as medidas às quais já me referi, estimulando estados e municípios a agirem da mesma forma, trabalhando para evitar o pânico, incentivando a população a continuar consumindo, há aqueles que sequer disfarçam que estão na maior torcida pela chegada da crise. Com isso, querem atingir o governo, mas até sem querer acabam trabalhando contra o país. Esse tipo de comportamento não conseguiu instalar a crise, mas já provocou alguns transtornos. Baseada na campanha alarmista e prevendo uma queda séria do consumo, a indústria automobilística brasileira reduziu drasticamente a produção. E qual foi o resultado? Pátios vazios e filas de compradores de 30, 60 e até 90 dias para a compra de automóveis. Resultado: o setor teve que rever suas projeções e retomar a produção a toque de caixa para dar conta de atender ao consumo. No mês de janeiro, por exemplo, a produção superou a de dezembro em nada menos que 96%. Tudo isso prova que estamos no rumo certo e que, mesmo com as campanhas a favor da crise e contra o país, estamos resistindo bravamente. Até pouco tempo atrás, não faltavam especialistas dos países ricos para nos dizerem o que deveriamos fazer – cortar isso, cortar aquilo, como escovar os dentes, que gravata usar para combinar com o terno etc. É como se nós só fizéssemos lambanças e como se o mundo deles fosse o melhor dos mundos. E agora, o que é que eles vão dizer em casa? Os chamados países emergentes, com destaque para o nosso país, estão provando que em matéria de seriedade não devem nada a ninguém. A dívida pública brasileira correspondia a 52% do PIB e agora a apenas 35%. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a dívida pública já está em 70% do PIB (o dobro do Brasil) e na Itália, corresponde a 105% (três vezes mais). É o caso de se perguntar: “quem tem autoridade para dar lição a quem”?

Esta crise não foi gerada na Venezuela, não foi gerada pelo socialismo bolivariano do presidente Hugo Chávez, não nasceu por causa das medidas adotadas por Evo Morales ou por causa da eleição de Fernando Lugo, no Paraguai. A crise é fruto do chamado Consenso de Washington, que vendeu a lógica de que o Estado não servia para nada, de que o Estado só atrapalhava, e que o deus mercado, deixado livre e solto, seria o propulsor do desenvolvimento, que traria em seu bojo a justiça social. Esse deus mercado, antes tão arrogante e autossuficiente, quebrou e agora corre para se aninhar no colo do Estado em busca de proteção.

O cenário econômico atual é a oportunidade que temos para inverter os papéis. Agora, somos nós que, sem arrogância, sem tripudiar, devemos dizer a eles como devem se comportar para evitar as ondas de desemprego, para evitar o sacrifício dos mais fracos, daqueles que não têm quase nada e que nunca poderão ser responsabilizados pelo que está acontecendo.

Luiz Inácio Lula da Silva é Presidente da República Federativa do Brasil

EDIÇÃO 100, MAR/ABR, 2009, PÁGINAS 8, 9, 12, 13