O Brasil e o Rio de Janeiro foram palcos do maior espetáculo esportivo das Américas nos Jogos Pan e Parapan-americanos Rio 2007. A vibração contagiou a população carioca, a cidade e o país abriram as portas para visitantes e delegações estrangeiras, mais de oito mil atletas, técnicos, oficiais e dirigentes.

Quem conhece a realidade da cidade maravilhosa, dividida em dois mundos separados por um abismo, pôde reconhecer com os Jogos um Rio diferente. Os investimentos, principalmente do governo federal, possibilitaram a realização de um evento de alta qualidade. Da preparação ao encerramento do Pan, o esporte foi motivo para que bandeiras tremulassem nas janelas, um colorido intenso estampasse as ruas e os chapéus e camisas verdeamarelos encantassem o país numa “onda” de vitória.

Mas, que vitória comemorar? O esporte é permeado pela luta de classes e suas contradições. A história mostra a função ideológica do esporte, ora manipulando a opinião pública e reforçando o pensamento dominante em cada época, ora tornando-se espaço contrahegemônico e de expressão de anseios políticos do povo. Os Jogos Rio 2007 deflagraram sérias disputas de projetos. Fortalecer e construir os pilares do desenvolvimento nacional, tendo o esporte como um dos seus conteúdos, é parte de um processo de resistência e acúmulo de forças para enfrentar o projeto neoliberal e recolocar o Estado como indutor de políticas públicas enfrentando a tese do Estado mínimo. Realizar os Jogos Rio 2007 faz parte da estratégia de desenvolvimento nacional. Os investimentos do Estado nesse evento foram de R$ 1,8 bilhão. Cerca de 50% do total gasto foi utilizado em instalações esportivas, sistema de segurança, logística e custeio do comitê organizador. Sediar os Jogos Militares Mundiais 2011, a Copa de Futebol 2014 e as Olimpíadas e Paraolimpíadas 2016, além de vários mundiais de modalidades, é parte da estratégia de desenvolvimento econômico e social que tem na inserção do Brasil no circuito esportivo internacional um dos seus pilares.

Grandes eventos, como esse, causam impacto na economia, potencializam a cadeia produtiva do esporte e a geração de novos postos de trabalho com empregos diretos e indiretos: desenvolvem o turismo e os setores hoteleiro, alimentício, construção civil, tecnologia, informação, comunicação e outros. No comércio e serviços ligados ao esporte estima-se que os Jogos mobilizaram a economia em volume semelhante ao do Carnaval. Esses eventos possibilitam a integração entre os povos, o intercâmbio de conhecimentos, de técnicas e da cultura. Estreitam os laços entre países, exercitam a tolerância ao diferente, socializando os melhores exemplos, e estimulam a cooperação e a solidariedade. Mas, também refletem a luta política de regiões e países. Nesses Jogos pudemos presenciar que, enquanto as forças democráticas nacionais avançadas cunhavam o slogan “Pan do Rio, vitória do Brasil!” em outdoors espalhados pela cidade os setores conservadores de plantão apregoavam a falsa polêmica em torno da “paternidade” do evento com o nítido objetivo de capitalizar o sucesso dos Jogos. Vê-se que esse slogan reforça a tese de que o país ganhou com a realização bem sucedida dos Jogos, de que a unidade em torno das causas esportivas é importante para projetar o país internacionalmente. Confirma a correta orientação de o governo federal investir nessa atividade para o desenvolvimento do país. Assim, a vitória do PAN representa a vitória das forças democráticas e populares.

Pelo destaque que ocupa no continente americano, principalmente na América Latina, é fundamental ao Brasil compor espaços comuns de troca de experiências, credenciando-se para exercer a liderança como potência olímpica. Ao mesmo tempo, é imperativo que construa unidade política, sobretudo com países sul-americanos, para fortalecer a resistência ao projeto neoliberal com uma nova concepção de esporte que supere a visão mercantilista e instrumental que separa a democratização do acesso ao esporte da formação da elite esportiva. Que afirme o desenvolvimento do esporte como resultado da relação dialética entre a prática esportiva de todos, em suas várias dimensões, e a elevação do nível técnico com base em novos conhecimentos e tecnologia.

O esporte competitivo e recreativo deve ser acessível a todos que queiram praticá-lo. Por isso, no Brasil, o esporte é objeto de uma política de Estado. Acreditamos que o país pode tornarse uma potência olímpica. A base é o desenvolvimento do esporte educacional, o desafio é construir uma matriz de formação para nossos atletas, com raízes em escolas e universidades, que supere a teoria da pirâmide esportiva de caráter excludente. Esse foi o caminho seguido por Cuba que priorizou o esporte entre as principais políticas sociais para projeção, autonomia, autodeterminação e soberania do país.

Seu sistema esportivo estruturase a partir da escola, mas, ultrapassa seus muros. A população desenvolveu o hábito de praticar esporte, fazer atividade física de forma autoorganizada em bairros, praças, quadras, ginásios e outros espaços porque foram educados de forma integral e compreendem a sua importância para elevar a qualidade de vida. Nesse modelo a educação é universal e a escola é para todos. Todos freqüentam as aulas de educação física, disciplina obrigatória nos currículos desde a educação infantil até a universidade. Os que detêm condições, ou queiram, podem seguir a carreira de atleta nos institutos de excelência esportiva especializados no desenvolvimento e treinamento de modalidades como a ginástica, que têm renome internacional. O esporte faz parte do acervo da cultura corporal que expõe o estágio mais avançado de desenvolvimento técnico, científico, artístico, plástico e criativo, do qual subjaz um processo sistemático e contínuo de educação e formação integral. Os princípios da educação esportiva dos currículos afirmam a relação teoria-prática e a formação da consciência política para enfrentamento dos problemas sociais. O esporte para Cuba é instrumento de luta política, afirmação ideológica de um modelo que impulsiona a excelência esportiva do país, mesmo sob as condições adversas impostas pelo bloqueio econômico dos Estados Unidos.

Esse ponto é fundamental como objeto de intercâmbio e cooperação entre nossos países. Antes de transplantá-lo mecanicamente, queremos apreender a totalidade do modelo e, ao mesmo tempo, contribuir com os conhecimentos desenvolvidos em nossos programas esportivos sociais.
Resistir ao projeto neoliberal no mundo do esporte, com os demais países irmãos, uns mais e outros menos avançados, significa defender a inclusão social como fator que contribui para o desenvolvimento, a unidade e a resistência regional. Vemos, na América Latina, um momento fértil de aprofundamento da democracia e de construção de projetos nacionais em que as políticas públicas têm grande relevância para a reversão da vulnerabilidade social.

A democratização do acesso e da gestão do esporte tem sido um princípio unificador das políticas públicas contra-hegemônicas de muitos países latino-americanos. Há características gerais na identidade de programas como Segundo Tempo, Esporte e Lazer da Cidade e Pintando a Cidadania no Brasil. O Bairro Adentro na Venezuela e os projetos Formação de Promotores Esportivos e Adultos Maiores na Argentina. Essas políticas sociais privilegiam a construção coletiva, a participação popular, a diversidade e os traços próprios da realidade local permitindo o acesso de todos os que queiram praticar esportes, de acordo com suas próprias possibilidades, mas, com perspectivas concretas de superação pessoal e coletiva. Desenvolver o esporte da região na ótica da inclusão dos sujeitos que, historicamente, foram alijados desse direito caro à humanidade, repre senta uma agenda extremamente avançada. Durante os Jogos 2007, o Ministério do Esporte teve intensa atividade com representantes de vários países das Américas que resultaram em ações bilaterais de cooperação e intercâmbio internacional. Ressaltamos o compromisso reafirmado com Haiti e Cuba que buscam relações mais sistemáticas e perenes no campo do esporte.

A cooperação e transferência de conhecimento sobre programas esportivos sociais podem representar fator significativo de unidade regional para a luta, resistência e reversão do atual quadro de desigualdades sociais dos nossos países. Assim como a busca de novos horizontes políticos de fortalecimento regional, seja pela identidade de nossa gente ou pela semelhança dos problemas que clamam por mudanças estruturais que, sabemos, estão sendo, e serão, erigidas no projeto histórico socialista.

O Pan representa um divisor de águas

Afirmar a vitória do PAN é ressaltar o êxito do projeto de desenvolvimento nacional. Não se trata de um fenômeno isolado ou resultado espontâneo. Podemos afirmar que temos uma equipe qualificada e experiência para realizar eventos esportivos internacionais. Os resultados esportivos, a excelência das instalações, a qualidade dos equipamentos e serviços, a capacidade administrativa e de gestão e a competência de executar o evento são resultado de um projeto político. São fruto de um trabalho iniciado pelo Ministério do Esporte desde sua criação, que primou pela construção coletiva da Política Nacional do Esporte com a realização de duas Conferências Nacionais que garantiram ampla participação popular – combinando anseios dos vários segmentos do esporte e da sociedade em geral qualificando, com o que há de mais elaborado, as políticas públicas de esporte e lazer.

Em que pese as contradições do projeto de desenvolvimento do governo Lula, têm se afirmado políticas sociais importantes que podem impulsionar o crescimento do país. Devemos reconhecer o esforço para consolidar políticas estruturantes, sistemáticas e perenes em várias áreas. Participamos do empenho do governo para articular, integrar e potencializar políticas em vários setores visando a acelerar o crescimento como estratégia de desenvolvimento do país. O Ministério do Esporte participa do Programa Integrado da Juventude e tem estreitado relações com o Ministério da Educação para potencializar ações conjuntas no âmbito do esporte.

Agendas com governadores de Estado e prefeitos fizeram parte do método escolhido para inserir os Jogos no contexto da política do Ministério do Esporte. Consolidar as relações estabelecidas com os fóruns de gestores é um caminho para a construção do Sistema Nacional do Esporte e Lazer. Nas reuniões com dirigentes de entidades de administração e prática esportiva procurouse qualificar a relação do Estado com as federações e as confederações de esporte e explicitar os papéis de cada agente, estabelecer pontes e regular as relações entre o público e o privado. Essas reuniões estreitaram a relação de confiança mútua e independência que pode significar novos horizontes para o desenvolvimento do esporte brasileiro sob as bases mais sólidas do futuro sistema esportivo.

O esporte correspondeu às expectativas

O Brasil vive seu melhor momento no esporte, e na história dos Pan e Parapan-americanos obtendo, nestes últimos, excelentes resultados e ascendendo ao terceiro lugar geral. No Parapan o desempenho foi surpreendente. Muita quebra de recordes nos rendeu a primeira colocação geral. Sediar o evento esportivo mais importante do continente representa o reconhecimento do nosso esporte e da nossa capacidade de gestão de eventos de grande envergadura.

O árduo treinamento dos atletas, os equipamentos, o apoio proporcionado pela política inclusiva do governo federal e pelos recursos da Lei AgneloPiva e do programa Bolsa Atleta, criaram essas condições favoráveis. No Pan, 79 atletas da nossa delegação são contemplados pela Bolsa Atleta, dos quais 24 foram vencedores. No Parapan 45% da delegação brasileira – 103 atletas – são bolsistas e 81 deles ganharam medalhas.

Apesar dos problemas inerentes à realização de grandes eventos, procuramos conduzir o processo com habilidade e amplitude política nas relações com os governos estadual e municipal do Rio de Janeiro. Nossa responsabilidade foi replanejar, ampliar o financiamento e executar um projeto de largo espectro – que apresentava limitações desde sua origem – e, em seu curso, estruturar, organizar e desenvolver novos métodos de trabalho, de gestão e de novas relações público-privadas que fortaleceram e projetaram o governo federal. Isso num momento muito particular, em que os êxitos do governo Lula antecipam as disputas políticoeleitorais do próximo ano. É importante explicitar que nossa participação no governo é parte da tática política de acúmulo de forças que em nada impede a construção de um projeto político independente no tocante a seu trajeto sindical e eleitoral. Novos rumos exigem novos investimentos, planejamento, grande esforço e ousadia

O Ministério do Esporte e suas lideranças serão chamados a se pronunciar sobre os resultados dos Jogos Rio 2007 e dos próximos eventos – o que implica, certamente, posicionar-se sobre o significado dos valores, dos rumos e do papel histórico que o esporte assumirá em nosso país.

O Brasil viveu um momento singular da nossa história esportiva. O Rio de Janeiro foi sede desses jogos, como São Paulo foi em 1963. Vale refletir sobre algumas questões abordadas quando o Brasil volta a editar os Jogos. Qual o legado dos Jogos Pan-americanos de quarenta anos atrás? (O Conjunto Residencial da USP (CRUSP), onde foi a Vila Pan-americana.) Na edição de 2007, os legados superam a infra-estrutura. O salto qualitativo, a nosso ver, é termos conseguido alçar o esporte à política de primeira grandeza. Esses jogos representaram um momento único para impulsionar a melhoria técnica, a ampliação da prática esportiva e o desenvolvimento social e econômico do país, em especial na cidade sede. Seu impacto é altamente positivo e se reflete em diversos legados esportivos sociais e n a economia e infra-estrutura da cidade. Esse impulso será fundamental nos passos futuros para consolidar a Política Nacional de Esporte com base na ampliação da democratização do acesso ao esporte em todas as suas dimensões, a elevação do nível técnico esportivo e a inserção do país no circuito do esporte internacional.

Para o esporte poder contribuir significativamente com o desenvolvimento nacional, temos de enfrentar e vencer os desafios de ampliar a infra-estrutura esportiva, incrementar programas de inclusão social, como o Segundo Tempo que pode chegar a atender mais de um milhão de crianças em todo o país. Potencializar o esporte de alto rendimento com ampliação significativa do programa Bolsa Atleta. Apoiar o desenvolvimento da cadeia produtiva do esporte nacional, estimular a formação de recursos humanos e a pesquisa científica aplicada ao esporte e ao lazer, modernizar a legislação da prática esportiva e captar e realizar grandes eventos esportivos internacionais. A diversificação e ampliação das fontes de financiamento do setor são necessárias, mas exigem a colaboração da iniciativa privada.

É básica a conquista de uma fatia maior do orçamento para materializar esse objetivo, seja compondo programas unificados ou com projeto próprio de desenvolvimento do esporte. Precisamos estreitar relações com o Congresso Nacional, através das Comissões da Câmara e do Senado, que sempre contribuíram com a agenda do esporte. Esse será um passo firme para conquistar emendas específicas para os nossos programas.

O Brasil deve ser conhecido, para além dos seus resultados nas competições, pelos seus programas esportivos sociais que, inseparavelmente do esporte de rendimento, têm o esporte como fator de desenvolvimento humano; quer dizer, como atividade fundamental para que as novas gerações, especialmente dentro do âmbito escolar, se apropriem da cultura esportiva gerada pelos seus antecessores e possam desenvolver suas aptidões.

É preciso ampliar os legados dos Jogos 2007 implementando políticas públicas que desenvolvam o esporte nos equipamentos novos e reformados. Distribuindo os materiais esportivos às entidades que elevarão o nível técnico do esporte no Brasil. Essas ações estarão articuladas a um projeto maior, como o da implantação de Centros Nacionais de Treinamento de Modalidades que fortaleçam esportes já consagrados e estimulem as práticas esportivas menos difundidas no país.

A inserção do Brasil no circuito do esporte internacional possibilita a projeção da imagem positiva de um país que passa a ser reconhecido, além de sua beleza, pela competência, organização e criatividade em realizar o que se propõe e, ao mesmo tempo, pela hospitalidade, alegria e solidariedade de sua gente.

Como podemos ver, a responsabilidade sobre o sucesso dos Jogos Rio 2007 nos remete a grandes desafios para tornar o esporte fator de desenvolvimento nacional.

Orlando Silva Júnior é ministro do Esporte e membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Notas
(1)Poema de A. Antunes, tema musical dos Jogos Pan e Parapan americanos Rio 2007.
(2)O ME contratou a Fundação Instituto de Administração da USP para pesquisar sobre o choque econômico desses Jogos no estado e município do Rio, a partir dos gastos diretos e o consumo autônomo dos turistas. Considerando a arrecadação de impostos e horas de trabalho diretas e indiretas na execução do evento.
(3)Tem como base o “treinamento esportivo” cujos métodos inspiraram-se no mundo do trabalho e nos princípios tayloristas da sua administração, têm como prioridade a busca do mais alto rendimento da “máquina humana” e fizeram do desenvolvimento de VARF (velocidade, habilidade e destreza, resistência e força) o objetivo e a razão de ser da Educação Física Escolar. Ver “Construindo a relação esporte-escola”. Damiani e Escobar. Revista Princípios n. 84.

EDIÇÃO 92, OUT/NOV, 2007, PÁGINAS 94, 95, 96, 97