Em março de 2007, o PCdoB completou 85 anos de existência ininterrupta a serviço da construção de um Brasil soberano, independente, democrático e socialmente justo. Este objetivo é parte inseparável da luta pela emancipação da classe operária do jugo da exploração do capital e pela construção do socialismo.

Já vai longe aquele 25 de março de 1922, quando sob os ecos da vitoriosa revolução russa de 1917 um punhado de visionários, delegados comunistas de vários Estados, compostos de ex-anarquistas, operários, jornalistas e intelectuais, criou em Niterói (RJ) o Partido Comunista do Brasil.
Foi um tempo de grandes mudanças no mundo e no Brasil.

Consolidada a segunda revolução industrial de fins do século XIX e início do século XX, o capital se adaptava ao fim de sua época concorrêncial e se preparava para um período de predomínio do capital fortalecido pela concentração bancária e industrial: a época do Imperialismo. A acomodação dessas placas tectônicas econômicas, políticas e sociais levou ao primeiro grande conflito bélico de escala planetária: a primeira guerra mundial (1914-1917); e engendrou as condições para a emergência de um surto revolucionário que se espalhou pela Europa e que teve na velha Rússia dos czares seu ponto culminante. Era um mundo em transformação decorrente do embate entre duas forças poderosas: capital e trabalho, burgueses e proletários. Após a vitória da Revolução Russa em 1917, dirigida pelo Partido Comunista Bolchevique, surgiram vários Partidos Comunistas: na Argentina (1918), na França (1920), na Inglaterra (1920), na China (1921) e na Itália (1921).

O surgimento desses partidos em várias partes do mundo em um mesmo período foi o resultado de um fenômeno objetivo, e faz parte da marcha civilizatória da humanidade. Deita suas raízes na evolução econômica e política, desencadeada com o advento do capitalismo, enquanto sistema econômico hegemônico no mundo. No terreno das idéias, deriva do iluminismo – como fenômeno filosófico cultural – que buscava colocar sobre o império da razão o estabelecimento das relações sociais em contraposição ao irracionalismo derivado das trevas do medievo. O marxismo foi a base teórica e filosófica que deu suporte a esse incipiente movimento. E as contribuições teóricas e a prática política de Lênin deram o escopo e o paradigma para a feição dos partidos comunistas.

Reflexos no Brasil

O Brasil era então um jovem país, baseado em uma economia agrário-exportadora, dominado por um setor agropecuário retrógrado. Vivia um período de grandes mudanças em várias esferas: econômica, política, social, cultural, militar. Na economia iniciava seu processo de industrialização, passando por uma fase de grandes turbulências, reflexo do exaurimento da lavoura cafeeira. Na política, a disputa pelos rumos que o país deveria seguir no seu processo de crescimento e construção nacional, opunha as oligarquias agropecuárias aos setores industrialistas. Na área social, o jovem proletariado procurava seus direitos, se organizava em sindicatos e desenvolvia lutas indicativas de que não aceitavam passivamente serem explorados pelos patrões, fossem eles fazendeiros ou donos de indústrias. A greve geral de São Paulo em 1917 é nesse sentido um marco histórico indelével. Na cultura, a busca de afirmar uma identidade nacional própria, fora dos estereótipos importados, teve na semana de arte moderna de 1922 sua data emblemática. No terreno militar, a insatisfação com o atraso do país e o papel jogado pelos militares na sua manutenção geraram o “movimento tenentista”, iniciado com as revoltas de 1922, passando pela Coluna Prestes e desembocando na Revolução de 1930. Nesse contexto histórico – externo e interno – é fundado o Partido Comunista do Brasil.
Desde o início de suas atividades, até os dias atuais, o Partido – como carinhosamente o chama a militância – foi um jovem na mais plena acepção da palavra.

Jovem à medida que sempre foi um embandeirado das causas avançadas e modernas para a construção da sociedade brasileira. Não é nenhum exagero afirmar que o PC do Brasil esteve sempre ligado – e na maioria das vezes seu protagonista maior – às lutas pela construção de um Brasil moderno e socialmente justo. Alguns exemplos comprovam tal afirmação: introduziu no país a questão social, como tema relevante e de grande significado político. Até então a “questão social” era um caso de polícia, como afirmava o presidente da República Arthur Bernardes (1920). Teve importante papel na conscientização e organização dos trabalhadores, sendo um dos pilares do movimento sindical classista desde sua origem. Foi o primeiro a levantar no Brasil a bandeira da “Reforma Agrária”.

Sempre lutou pela vigência de uma democracia que não se limitasse aos marcos do Estado liberal, mas fosse a expressão de um “Estado de direito democrático e social”, indo às últimas conseqüências nessa defesa quando o país sucumbiu a ditaduras, seja a de Getúlio Vargas (1937-1945), seja a dos militares (1964-1985). Exerceu importante papel na mobilização para o Brasil se engajar na luta contra o nazi-facismo durante a segunda guerra mundial. Sempre se destacou na defesa dos interesses e da soberania nacionais, como quando encabeçou a luta pelo monopólio estatal do petróleo e pela fundação da Petrobras. Destacou-se também em outro episódio menos conhecido, quando mobilizou a sociedade contra a presença de bases norte-americanas em nosso território. A lista de seus feitos partidários vai muito além desses citados; porém, não nos move o intuito de relatá-los todos, mas sim evidenciar alguns dos mais representativos da sua atuação histórica.

O PC do Brasil cometeu também erros e teve insuficiências: não percebeu o significado e alcance do Movimento de 1930, que levou Getúlio ao poder. Nem sempre esteve adequadamente sintonizado com a real correlação de forças na sociedade, tendo, por isso, realizado certas atividades revolucionárias descoladas da realidade como em 1935. Deixou-se envolver no terreno teórico e político por certas concepções equivocadas, prevalecentes no seio do movimento comunista mundial, como as esposadas pelo então dirigente máximo do PCUS, Nikita Kruschev em 1956. Quando à guisa de realizar uma crítica ao que chamou de stalinismo, reviu questões políticas e teóricas fundamentais para o movimento comunista e para a concepção de Partido.

Com o fim da ditadura militar em 1985, passou o Brasil a viver um novo ciclo político que trouxe novos e desafiadores problemas. Restaurou-se o “Estado de direito democrático”, elaborou-se uma nova Constituição, que incorporou institutos político-sociais avançados, como a legalização dos partidos políticos e das centrais sindicais. Objetivamente, o centro da disputa política se deslocou da resistência à ditadura, e mesmo das lutas sociais para as disputas políticas institucionais, como na eleição para os poderes legislativos e executivos.

O PCdoB passou a atuar de acordo com essa nova realidade, procurando se situar diante desses novos desafios de forma criativa e equilibrada. Ao lado da continuidade das frentes de luta que já desenvolvia junto aos movimentos sociais – nos sindicatos, entre os movimentos juvenis e de comunidades de bairros – passou a disputar cargos nos parlamentos nos três níveis da federação: União, Estados e Municípios. Inicialmente de forma modesta e tendo como objetivo ter uma tribuna para falar às amplas massas do povo. Com o tempo, com a evolução política e o acúmulo de experiências, passou a disputar cargos no poder executivo e a partir de 1989 aliou-se ao PT e a Lula, nas sucessivas disputas à presidência da República. Com a vitória de Lula em 2002, o PCdoB desenvolve sua atuação em um novo patamar: a participação no governo central do país. Assumiu dois ministérios no primeiro governo e continua à frente de pelo menos um no segundo. Além de vários outros cargos de grande importância no aparelho de Estado, como agências reguladoras etc.

Um Partido contemporâneo, baseado na sua tradição

O PCdoB, nascido no bojo das lutas revolucionárias travadas no século XX – cuja matriz, como já foi referido, está na teoria e prática emanadas da experiência da Revolução Russa de 1917 – vive na atualidade desafios políticos complexos que estão a exigir dos comunistas muita coragem e ousadia para enfrentá-los. Um dos maiores deles é compreender o processo político que o levou a participar do governo central de um Estado capitalista tão desigual e elitista como o brasileiro. A resposta a tão instigante questão é complexa, mas é absolutamente coerente com a história e a tradição tanto do Partido como de experiências históricas vividas em outras plagas.

Antes de tudo é necessário afirmar o óbvio: o PCdoB é um partido político e, como, tal busca estabelecer uma hegemonia na sociedade brasileira. Desta forma pretende alcançar o poder político e no seu exercício implementar o seu programa: a construção de uma sociedade socialista. No processo para atingir esse objetivo o PCdoB viveu inúmeros momentos e fases. Ao longo dessa experiência, foi forjando o pensamento, segundo o qual para ser vitorioso nessa empreitada é necessário lutar no bojo de um movimento político massivo, amplo, democrático, baseado nos mais profundos sentimentos de defesa da nação brasileira e dos direitos políticos e sociais de seu povo.

A resolução política do 11º Congresso do PCdoB de 2005 traça as linhas orientadoras centrais da atuação partidária nas atuais condições da luta pelo socialismo no mundo e no Brasil. Partindo da compreensão de que vivemos um período de resistencia e acumulação de forças nessa luta, lança a idéia fecunda de que as consignas “democracia, soberania nacional, progresso social” devem ser assumidas por organizações avançadas capazes de unir a maioria da nação em torno delas, abrindo caminho para avanços maiores. Registra também que um partido do seu feitio necessita ter uma estratégia e uma tática fundamentadas em um profundo conhecimento das condições objetivas e subjetivas da realidade em que atua.

“Assim é que o PCdoB busca dar maior nitidez à sua estratégia e tática, numa compreensão mais profunda do período histórico atual e na visão marxista mais acurada de que os momentos de viragens revolucionárias ou de rupturas profundas são produto da acumulação de forças construídas em largos períodos de tempo e do espocar de grandes acontecimentos que levam à mudança no equilíbrio do sistema de poder mundial. Além disso, é preciso o entendimento de que as grandes massas, para se constituírem em força-motriz do processo revolucionário nacional, necessitam elas mesmas vivenciar sua experiência política, conformada naturalmente de ascensos e descensos, vitórias e derrotas.
Nesse sentido, como assinalou Lênin, não bastam a agitação e a propaganda, a experiência política concreta das massas é indispensável.

Em suma, mudanças profundas não surgem simplesmente pela vontade de vanguardas políticas esclarecidas ou pelas suas proclamações em defesa de saídas radicais” (grifo nosso).

A bandeira do socialismo, como desfraldá-la?

O PCdoB compreende também a luta pelo socialismo como um processo complexo e longo que exige a participação de forças políticas e sociais amplas e que para isso necessário se faz travar a luta em todos os terrenos, não se deixando isolar em guetos.

Também compreende o Partido que uma das conseqüências da derrota sofrida pela primeira experiência de construção do socialismo, realizada no século passado, é fazer um criterioso balanço de tais experiências, buscando com isso extrair lições e tirando conseqüências. Talvez a mais importante seria a não existência de modelo único de socialismo, e cada país deve buscar seu caminho de acordo com suas peculiaridades para construir essa epopéia.

Nessa luta o Partido buscou orientar-se sempre pela compreensão da política como a arte de atuar em uma sociedade dada de acordo com a correlação de forças políticas e sociais existentes, tanto interna como externamente. Isso é fácil de enunciar e muito difícil de praticar. Diria, sem medo de cometer um equívoco significativo, que, se não todos, mas a absoluta maioria dos erros cometidos pelo partido ao longo de sua história teve como causa fundamental uma leitura equivocada da correlação de forças.

Seja quando subestimou oportunidades de aprofundar e radicalizar a luta, seja quando, mesmo movido pelo mais generoso impulso revolucionário, superestimou suas forças e subestimou as dificuldades.
Assim, para o PCdoB, segundo sua avaliação dos êxitos obtidos na luta de resistência ao neoliberalismo e nas vitórias conseguidas por forças políticas avançadas na América Latina nos últimos anos, na citada resolução política de seu 11º Congresso, esses êxitos resultam da combinação articulada de três componentes:

“A luta social que assume variado nível de radicalidade conforme a particularidade local. Uma frente política e social ampla que elege novos governos, que se apresentam em maior ou menor grau como alternativa aos projetos neoliberais aplicados na América Latina desde o advento do denominado Consenso de Washington. E a participação de forças avançadas nos órgãos institucionais vigentes, em governos por elas eleitos e/ou nos parlamentos”.

Diante dessas reflexões, e avaliando a vitória de Lula em 2002 como representante do início de um novo ciclo político em nosso país, em que pela primeira vez um conjunto de forças políticas progressistas chegava ao poder central da República, o PCdoB decidiu participar do governo Lula. Consciente de esse ser um ciclo político de transição, apoiado por forças de centro, com PT, PCdoB e PSB como seu centro de gravidade. Compreendendo também ter sido esse governo o que de mais avançado a luta política popular e democrática produziu em nosso país no processo político pós-ditadura militar, e que poderá abrir imensas possibilidades de o povo viver sua própria experiência política no processo de construção de um país soberano, democrático e socialmente justo.

Mas o PCdoB compreende as possibilidades e limitações que uma situação dessa natureza encerra. O governo Lula é contraditório, mas no fundamental deixa um saldo político positivo. Se é condicionado por uma política macroeconômica de feição financista desenvolve políticas sociais inclusivas, de largo alcance, que tem tirado da pobreza absoluta milhões de brasileiros. Se aceita conviver com setores conservadores de nossa sociedade, pautados por um relacionamento internacional subalterno, tem implementado uma política externa de cunho integracionista da América do Sul, procurando fortalecer o Mercosul e abrir caminhos com os países emergentes da Ásia e África, afirmando nossa soberania. Se, como conseqüência da atual política macroeconômica, pratica uma política de juros não condizente com os interesses nacionais e populares tem restabelecido o papel do Estado nacional como instrumento fundamental para o processo de consolidação, desenvolvimento e enriquecimento do país, atento a um processo de desenvolvimento com distribuição de renda.

Estabelecidos esses parâmetros mais gerais de por que o PCdoB participa do governo nos marcos do Estado brasileiro, fica a ser analisado “como” essa participação vem se efetivando, que lições podem ser tiradas dessa experiência em curso, quais possibilidades se abrem para o avanço político do Partido no rumo de atingir seus objetivos maiores. Tais questões merecem ser aprofundadas e abordadas num próximo artigo.

Mas ao acompanhar a trajetória do PCdoB ao longo de seus 85 anos, vemos como é um Partido jovem. Jovem à medida que sempre se coloca como um descortinador de caminhos políticos novos, capazes de colocá-lo na rota certa para cumprir sua tarefa indelegável: construir um Brasil desenvolvido, soberano, socialmente justo, e em marcha rumo à construção de um socialismo com feições brasileiras.

Ronald Freitas é advogado e secretário de relações institucionais do PCdoB.

EDIÇÃO 90, JUN/JUL, 2007, PÁGINAS 78, 79, 80, 81