Um candidato à presidência da República como Geraldo Alckmin “seria impensável nos primórdios do PSDB, no final dos anos 1980”. Esta afirmação foi feita pelo cientista político Luis Felipe Miguel, da UnB (Universidade de Brasília), para quem trata-se de uma escolha “emblemática” (1).

Ele representa a consolidação de uma nova direita no Brasil, cuja principal expressão é constituída pelo PSDB e o PFL, movimento que faz parte de um fenômeno mundial que vem desde meados da década de 1970, quando o neoliberalismo começou a ganhar espaço, principalmente depois da eleição de Margaret Thatcher, na Inglaterra (1979), e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos (1980).

Na América Latina, diz a estudiosa Maria Teresa Gonzaga Alves (2), a onda neoliberal chegou mais tarde, no final dos anos 1980, trazida pelos governos Alberto Fujimori (Peru), Carlos Menem (Argentina), Carlos Salinas (México) e Fernando Collor (Brasil).

Durante seus primeiros anos, o PSDB teve uma postura ambígua, com um discurso social-democrata que ocultava seu programa neoliberal – circunstância que não permitia ao partido apresentar-se ao eleitorado, e à sua militância, com sua verdadeira face. Não é de hoje que o PSDB assume, gradualmente, “representação institucional do conservadorismo no país”, registrou o professor Miguel. E a escolha de Geraldo Alckmin como candidato tucano para a eleição de outubro significa, para ele, que “o partido assumiu de vez a posição de centro aglutinador dos ideais conservadores na política brasileira”.

O Partido da Social Democracia Brasileira foi fundado em 1988, e seus primeiros anos foram marcados por duas mentiras. Primeira: de que era guiado por um pensamento de esquerda “modernizado”; segunda: de que a aliança do com o PFL, na eleição de 1994, foi uma decisão pragmática, à margem do pensamento social-democrata do partido tucano.

Nem uma coisa, nem outra. Segundo o cientista político Celso Roma, da USP (Universidade de São Paulo), o PSDB já nasceu com um programa de direita, neoliberal (3). O partido foi fundado por um cardinalato político com forte presença no Congresso Nacional, mas sem espaço no governo Sarney.

Esta tese de Celso Roma ajuda a entender a trajetória política desta agremiação que é um dos esteios da nova direita brasileira. Na verdade, diz ele, o PSDB nasceu movido por objetivos pragmático-eleitorais, não por questões ideológicas; e sua evolução posterior, desembocando na aliança com o PFL, foi facilitada pelas afinidades ideológicas entre estes dois partidos conservadores.

A adesão tucana ao neoliberalismo está registrada no programa do PSDB desde o início. Seu manifesto de fundação, de 1988, rompia com o caráter nacionalista do Estado brasileiro, rejeitava a intervenção estatal na economia e pregava que o governo não devia se envolver em negociações trabalhistas e conflitos entre patrões e empregados, deixando sua solução para a “livre” negociação entre patrões e empregados, sem a intervenção do Estado.

A trajetória política de Alckmin – marcadamente quando foi vice-governador de São Paulo, sob Mário Covas, e depois como governador, desde 2001 – é a demonstração radicalizada do neoliberalismo tucano.

Sua filiação ao programa da direita mundial é nítida, por exemplo, quando o ex-governador paulista define o papel do Estado na economia (4). Em entrevista à revista Época, pouco antes de deixar o governo para concorrer à eleição presidencial, ele deu uma definição didática da concepção neoliberal deste conceito-chave: “Estado moderno hoje é o Estado eficiente. É preciso recuperar a capacidade do Estado de governar, que é a capacidade de investir. Temos milhares de obras paradas no país inteiro.

Vamos chamar a iniciativa privada para participar. O PT acha que tudo precisa ser estatal. Para nós, precisa ser público. Dou um exemplo: em nossos 20 hospitais novos, não há funcionário público. É tudo organização social sem fins lucrativos, do terceiro setor, com contrato de gestão para ser fiscalizado”.

É uma visão claramente privatista, que prevê a participação da iniciativa privada (isto é, da empresa capitalista) na gestão do Estado, sem funcionários públicos – deixando claro, também, que o emprego público é um dos alvos dessa sanha privatista. Este é o “choque de capitalismo” que, imitando seu guru, o falecido Mário Covas, Alckmin prega.

Ele fala ainda em uma reforma tributária baseada no corte de impostos para facilitar a vida das empresas. Anuncia que vai aprofundar as mudanças na Previdência, defendendo uma “Previdência básica, estatal”, mas não confessa claramente aquilo que fica implícito na seqüência de sua resposta ao jornalista de Época (a Previdência estatal ficaria restrita aos salários mais baixos): “Dali para frente”, diz, “é complementar” – ou seja, fica nas mãos das empresas capitalistas. E quer uma reforma política ao modelo conservador de resumir a política a um conjunto pequeno de interlocutores. “A reforma política pode se resumir a um item: fidelidade partidária. Se você tem fidelidade partidária, deixa de ter 594 interlocutores, os 513 deputados e 81 senadores, para ter seis interlocutores, que são os partidos”, disse ele.

Tem também uma clara preferência pela Alca que, em sua opinião, “foi totalmente paralisada”. Diz que dará prioridade a ela e a acordos bilaterais de comércio, semelhantes aos que Chile e outros países latino-americanos assinaram com os EUA, abandonando o fortalecimento do Mercosul e a integração da América do Sul, um dos grandes feitos do governo Lula.

Isto é, o mesmo velho receituário tucano que Alckmin pretende trazer de volta, radicalizado, ao Palácio do Planalto: ajuste das contas públicas, redução de gastos, corte de impostos.

Alckmin tem cacife para prometer retorno neoliberal, radicalizando mudanças conservadoras como essas, como demonstrou em sua passagem pelo governo paulista. Como vice-governador, foi presidente do Conselho Estadual de Desestatização, responsável pela privatização das empresas paulistas em processos suspeitos, acusados de inúmeras denúncias de irregularidades. Ele entregou para capitalistas brasileiros e estrangeiros o Banespa, a Fepasa (ferrovias), a Eletropaulo (concessionária de energia) a Comgás e a Companhia Paulista de Força e Luz, além de enfraquecer outras empresas como a Sabesp e o banco Nossa Caixa.

Como governador, ele comandou o desmonte do Estado paulista numa gestão marcada pela ortodoxa orientação neoliberal, pelo desprezo aos problemas sociais e pela atitude autoritária e antidemocrática em relação aos movimentos sindicais e populares. Cortou verbas da saúde, educação, moradia etc, gerando uma inaudita degradação dos serviços públicos, e arrochando os salários dos servidores.
Em relação à democracia o reinado de Alckmin foi um desastre: avesso ao diálogo, desprezou os movimentos sociais, perseguiu suas lideranças e criminalizou a luta pela terra e pelo direito à moradia, em especial o Movimento Sem-Terra (MST), alvo da sanha anti-reforma agrária do ex-governador de São Paulo.

É um programa condizente com a simpatia, amplamente divulgada pela imprensa, do ex-governador de São Paulo pela Opus Dei, uma organização católica de extrema direita que corresponde ao conservadorismo predominante na época neoliberal, com a qual Alckmin tem uma ligação familiar antiga de mais de trinta anos. Em 1972, o expoente mais destacado da organização no Brasil era seu tio José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado naquele ano ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo general Emílio Médici.

“A revitalização da direita”, diz Maria Teresa Gonzaga Alves, “não se manifesta apenas pelo êxito do programa neoliberal em diversas partes do mundo”. Ela tem outra faceta, que indica a existência de “um paralelo entre a ofensiva neoliberal e uma simétrica barbarização da vida societária, com os problemas do desemprego, da exclusão social, das várias formas de preconceito (racial, cultural, sexual, religioso etc) e da escalada da violência em grande parte do mundo capitalista”.

O rótulo de “nova direita” refere-se genericamente a partidos políticos, políticas públicas, movimentos culturais e círculos de debates acadêmicos que têm, em comum, diz ela, a crítica ao modelo político baseado na idéia do estado de bem-estar social que surgiu após a Segunda Guerra Mundial. “De uma forma geral, as correntes da nova direita querem repensar e propor novos parâmetros para as sociedades capitalistas avançadas frente à crise do Estado de Bem-Estar seja através da justificativa teórica do antiigualitarismo ou de propostas de cortes nas políticas de bem-estar social”.

O longo período de predomínio tucano no governo de São Paulo, particularmente a gestão de Geraldo Alckmin, constitui uma demonstração didática dessa combinação entre neoliberalismo e barbarização da vida social, conseqüência de seu cortejo de misérias formado pelo desemprego, miséria e violência. As ações do PCC, organização criminosa que cresceu justamente durante o reinado tucano em São Paulo, são o retrato da verdadeira crise civilizatória que decorre do escandaloso descaso dos governos liberais com os verdadeiros interesses da população, e com a busca do bem-estar de todos. É esta a política que os tucanos e os pefelistas, querem trazer de volta ao comando do país, pelas mãos de Geraldo Alckmin.

José Carlos Ruy é jornalista e diretor do Instituto Maurício Grabois.

Notas
(1) Agência Carta Maior, 14 de março de 2006.
(2) Maria Teresa Gonzaga Alves, “Conteúdos ideológicos da nova direita no município de São Paulo: análise de surveys”, in Opinião Pública, vol. 6, n. 2, Campinas, outubro de 2000.
(3) Citado por Carlos Haag no artigo “Separados no nascimento”. Revista Pesquisa Fapesp, julho de 2006.
(4) Entrevista à revista Época, 20 de março de 2006.

EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 12, 13, 14