Longas meditações nos animaram a elaborar o presente estudo. Temos grandes preocupações com o modo superficial e incompleto com que a palavra futuro é utilizada. Vem acontecendo uma grande banalização dos modismos que incluem termos tais como sustentável, sustentabilidade e futuro. Essa última expressão é repetida nos mais diversos tipos de escrita e discurso, tornando-se um grande indicador de demagogia e ignorância. Ninguém devia ignorar que o futuro inclui sempre diversas profundidades de tempo. Nesse sentido, existe toda uma arte-ciência, potencializada pela interdisciplinaridade, na (pre)visão dos cenários do porvir, levando-se em conta a conjuntura e as tendências do presente.

Para tanto, elegemos duas temáticas delicadas que pretendemos – dentro dos limites do possível – avaliar para benefício de ecólogos, geógrafos, agrônomos e historiadores. Centramos nossa atenção nos perigos futuros de progressão da aldeia global em espaços fortemente urbanizados e industrializados, e nos problemas da devastação progressiva e incontrolável dos espaços territoriais dotados de florestas densas e biodiversas. São Paulo, de um lado; e no outro extremo, a Amazônia brasileira.

Em numerosos casos tem sido quase impossível realizar previsões, em termos de cenários e atividades, a diferentes profundidades de tempo. Os governantes pensam pouco no tempo de sua gestão, ou seja, quatro anos, ou em uma possível reeleição. Os economistas tentam prever fatos que se limitam o dia-a-dia do mercado, incluindo a nervosidade dos processos econômicos.

Entretanto ambientalistas de boa formação científica e interdisciplinaridade tendem a projetar seu pensamento e meditações para espaços de tempos futuros muito mais extensos: 50, 500, 5 mil ou 10 mil anos – mesmo porque se deseja que a humanidade sobreviva por um tempo imenso na história física e ecológica do planeta. Nesse sentido, a linguagem simplista dos que falam a palavra “futuro” inclui um senso de alta limitação. “Trabalho para o futuro”, “penso no tempo de vida dos meus filhos, e filhos dos meus filhos” … evidentemente, nossa responsabilidade é muito maior e eticamente mais exigente.

Tendo por base tais considerações, temos pensado no perigo da chamada “aldeia global”, sobretudo no que diz respeito ao destino que aguarda as regiões dotadas de densas redes ou bacias urbanas, como bem é o caso dos planaltos ocidentais de São Paulo e do norte do Paraná. Nessas áreas, as cidades estão crescendo em mancha urbana progressiva, com exagerada tendência para verticalização, ou por sucessivos “saltões” para o interior do meio rural. Em numerosos setores de terras férteis, em vales de passagem obrigatória, ou ainda em entroncamentos de rotas, assiste-se a processos de conurbação indicadores dos perigos que podem acontecer pela formação da aldeia global.

É possível prever cenários catastróficos, dentro de algumas centenas de anos. A especulação derivada do capitalismo selvagem e da total falta de ética com o futuro poderá reduzir ao extremo os espaços dos agroecossistemas. O metabolismo urbano da aldeia global será totalmente insuportável. Faltará água, com toda a certeza. E o crescimento populacional tenderá sempre a aumentar o número de pobres e carentes.

Não se trata de produzir um cenário ficcionista de catástrofes entrecruzadas, mas sim de alertar os que só se preocupam com o presente. Não se pode apoiar os dizeres idiotizados de alguém que faz o discurso da contra-inteligência: “Os que vierem depois de nós que encontrem o mundo que deixamos, tal como o recebemos o mundo que nos deixaram”. Não adianta nada a implantação da consciência ambientalista, a capacidade de aplicar a arte-ciência de prever impactos, e nem tampouco o conhecimento do passado geológico, paleontológico, paleoclimático e paleoecológico. Atenção, jovens universitários do Brasil. É preciso pensar o futuro do planeta e da humanidade a diferentes profundidades de tempo, para exigir de governantes, economistas e ONG`s absurdas mais responsabilidade na difícil tarefa de construir cenários razoáveis para o futuro.

Aziz Nacib Ab`Saber é geógrafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP) e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP). Artigo originalmente publicado na edição de agosto de 2004 da revista Scientific American Brasil.

EDIÇÃO 83, FEV/MAR, 2006, PÁGINAS 20, 21