O Brasil passou por modificações importantes em sua estrutura e superestrutura no curso dos vinte anos passados, em particular no último decênio. Uma ligeira apreciação do quadro da realidade brasileira destaca alguns aspectos dessa transformação que tem sido interpretada de diferentes maneiras, seja pelo regime militar, seja pelas correntes de oposição.

RÁPIDA VISÃO DO DESENVOLVIMENTO

Segundo dados publicados pelo Banco do Brasil, a produção nacional de aço é de 11 milhões de toneladas/ano; o país produz 21.800 MW em energia elétrica; a capacidade total da construção naval atingiu o índice de 524.030 DWT; calcula-se para 1980 uma produção petroquímica de mais de 7,5 milhões de toneladas; a indústria aeronáutica (surgida em 1969) ocupava, em 1976, o 6º lugar entre os produtores ocidentais. Na agricultura, o Brasil situa-se entre os primeiros grandes exportadores de produtos agrícolas; enquanto em 1972 transitavam pelos portos brasileiros 110 milhões de toneladas, em 1976, esse número chegava a 210 milhões; a expansão do comércio exterior, em 1977, exprimia-se num total de 12 bilhões de dólares, contra menos de 3 bilhões em 1970.

Estes dados, limitados a alguns ramos, refletem, entretanto, modificações de certo vulto na estrutura econômica do país:

Houve, sem dúvida, razoável desenvolvimento no setor industrial. É bastante assinalar que a produção de aço – elemento essencial na apreciação do desenvolvimento econômico de qualquer país – passou de 3,5 toneladas/ano no início da década de 1960 para 11 milhões, em 1978, cresceu, portanto, mais de 3 vezes. A indústria não somente expandiu-se como também se diversificou. Para citar um exemplo, o país produz, anualmente, mais de um milhão de veículos, entre os quais, automóveis, ônibus, caminhões e cerca de 5O mil tratores. Muitos bens de capital já são fabricados no Brasil.

Desenvolveram-se também alguns ramos importantes da economia em mãos do Estado. Tanto no setor da siderurgia, da eletricidade e dos combustíveis como também na indústria petroquímica e no terreno das matérias-primas, em bruto ou manufaturadas. Parte do desenvolvimento o Estado concentrou na indústria militar (construção de aviões, helicópteros, carros de combate, armas pesadas e leves etc.).

No campo, acentuou-se a penetração do capitalismo, principalmente sob a forma de empresa agrária e pecuária de vastas dimensões. A penetração se faz conservando e ampliando a grande propriedade territorial. A linha de desenvolvimento segue, grosso modo, o chamado caminho prussiano, que não passa, propriamente, pela fase do parcelamento da terra. Verificou-se também certa diversificação da produção agro-pecuária. O café, embora continue sendo um dos esteios da economia, já não é o fundamental. A produção de soja cresceu e ocupa um lugar tão ou mais importante que o café. Aumentaram também as áreas de cultura de trigo, ainda que não baste ao consumo interno e que suas safras apresentem oscilações constantes. A produção de cana-de-açúcar elevou-se bastante, hoje utilizada em grande parte na elaboração de álcool-combustível. Procura-se incrementar a produção de carne de gado, com resultados ainda pequenos. Ao mesmo tempo, caiu a produção de milho e feijão. O arroz mantém-se quase estagnado.

Como resultado dessas mudanças na infra-estrutura, o Brasil é hoje apresentado por certos economistas como um país de desenvolvimento médio. Teria saído da fase do subdesenvolvimento, o que não corresponde inteiramente à verdade. O Brasil continua atrasado em relação aos principais países desenvolvidos, um atraso que é progressivo. Se a nossa produção de aço elevou-se de 3,5 para 11 milhões de toneladas/ano, a da União Soviética, país social-imperialista, atingiu o volume de 151 milhões de toneladas.

O MODELO ECONÔMICO

Tal desenvolvimento do Brasil enquadra-se no que a ditadura tem denominado de "O Modelo de Desenvolvimento Econômico", exaltado pelos militares e seus tecnocratas.
Que modelo é esse? E que resultados reais oferece?

Se se avaliam superficialmente os números e dados estatísticos pode-se ter uma idéia falsa do desenvolvimento. Se, porém, se examinam esses dados tendo em vista o seu conteúdo efetivo identifica-se nele o sentido profundamente antinacional que encerra e os perigos que acarretam para o futuro do país. Ele conduz a sérias distorções na economia, é, antes e acima de tudo, um Desenvolvimento Dependente, baseado no capital estrangeiro e a seu serviço.

Os generais apregoam-no como criação original dos tecnocratas crioulos. Na verdade, não foi elaborado no Brasil, mas fundamentalmente pelos círculos do capital financeiro internacional, para os países atrasados, dependentes. Relaciona-se com as novas formas do neocolonialismo. Aplicado em nosso país, foi apresentado, durante algum tempo, como o modelo a ser imitado pelos demais países do mesmo nível, em particular os da América Latina. Substituía o fracassado programa da Aliança para o Progresso, de patente norte-americana.

O Brasil cresceu, é inegável. Mas cresceu não conforme os verdadeiros objetivos do seu progresso nacional, do fortalecimento de sua independência e tendo em conta o bem-estar de seu povo. Cresceu como um prolongamento dos interesses estrangeiros, favorecendo a espoliação em grande escala das riquezas naturais e intensificando a exploração do trabalho de milhões de brasileiros em favor das multinacionais.

A intervenção maciça dos capitais estrangeiros se faz a partir do golpe militar de 1964. Se, em 1967, os investimentos de fora eram da ordem de 3,5 bilhões de dólares, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (1968), em junho de 1977 já alcançavam 9,8 bilhões de dólares. Somente em 1976, cresceu 23,30%. Depois dos Estados Unidos (2.901,200 mil dólares), a Alemanha Federal é o país que tem mais investimentos diretos e reinvestimentos de suas empresas no Brasil, com 1 bilhão e 118 milhões de dólares de saldo (em 1976), seguido do Japão com 1 bilhão, 5 milhões e 900 mil dólares. Os investimentos prosseguem: ainda há pouco, os grandes produtores de vidro europeu associaram-se, BSN e Pilkinton, Plachglass A. G. e Saint Gobain (ingleses, alemães e franceses) para explorar em conjunto a indústria do vidro plano no Brasil, com um volume de inversão da ordem de 800 milhões de francos (Le Monde, 1º-02-1979). Os ganhos do capital estrangeiro são astronômicos: somente em 1976, a remessa de lucros para o exterior somou 2 bilhões e 42 milhões de dólares, segundo o presidente do INDI, Ubirajara Cabral (O Globo, 13-01-1978).

Baseado no capital estrangeiro, o desenvolvimento se orienta não para aquilo que mais interessa ao Brasil e sim para o que melhor convém aos monopólios alienígenas. A indústria do automóvel é um exemplo. Por que 8 ou 10 multinacionais operando nesse campo em nosso país? Será que esse ramo é o mais imediatamente necessário ao progresso do país? Decididamente, não. E, enquanto crescia a indústria do automóvel, o transporte ferroviário, marítimo e fluvial, muito mais baratos, estagnavam ou decresciam. Um país tão grande como o Brasil não pôs em marcha, neste século, nenhum plano de construção de ferrovias que mereça esse nome. A quilometragem é a mesma de 50 ou 70 anos atrás. A propalada ferrovia do aço foi praticamente abandonada. Numerosos portos brasileiros, salvo os de exportação para o estrangeiro, estão em completa decadência. E os rios atulhados ou num processo de rápida diminuição de volume de água. O transporte rodoviário é o predominante.

O desenvolvimento do capitalismo concentra-se na região centro-sul, segundo as conveniências dos imperialistas, o que contribui para aumentar as desigualdades regionais, cada dia maiores.
A tecnologia desse modelo é importada, dificultando a formação de uma tecnologia nacional. Os contratos autorizados para a importação de tecnologia, somente no ano de 1977, chegavam aos 700 milhões de dólares (O Globo, 13-01-1978). Com muita lógica, o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base, sr. Carlos Vilares, declarou: "Não adianta pensar em empresa nacional pelo simples fato de estar em mãos de brasileiros o controle acionário da empresa". E enfatizava: "É fácil controlar uma empresa através da tecnologia. E nós somos dependentes tecnologicamente" (Jornal do Brasil, 13-09-1977).

Tal modelo de desenvolvimento não se limita à criação e expansão de empresas estrangeiras. O capital financeiro internacional, nomeadamente o dos Estados Unidos, tomou conta de grande parte das empresas nacionais. É ainda o sr. Vilares que afirma, contestando o presidente do BNDE, Marcos Viana, que dizia não correr perigo de ser desnacionalizado o setor de bens de capital: "Não há o que desnacionalizar, pois 50% das empresas já não são nacionais" (Jornal do Brasil, 13-09-1977). Também o sr. Gastão Vidigal Neto, presidente da CONFAB, denunciou a ameaça de liquidação das indústrias nacionais de tubos sem costura pela empresa alemã Manesmann. Disse que as indústrias nacionais já estavam operando, face à precariedade do mercado brasileiro, com mais de 60% de ociosidade. E que a Manesmann, autorizada pelo governo a entrar nesse setor, "tem condições de fazer o dumping da forma que quiser e ainda de liquidar as empresas nacionais do setor em apenas seis meses" (Jornal do Brasil, 18-12-1978). O processo de desnacionalização se dá não apenas com a transferência do controle acionário de empresas nacionais, mas também com a associação crescente do capital estrangeiro com o capital nacional em empresas já existentes, muitas das quais pagam elevadas taxas de know-how aos fornecedores estrangeiros de patentes ou tecnologia.

Devido aos empréstimos e financiamentos do exterior, as grandes obras em construção ficam sob o controle e servem aos interesses dos monopolistas estrangeiros. Recentemente, a usina elétrica de Itaipu fechou contrato de 700 milhões de dólares com um consórcio europeu para o fornecimento dos 18 grupos de turbo-alternadores. Oitenta por cento dos fornecimentos serão feitos por sociedades estrangeiras implantadas no país, ou associadas a capitais nacionais. Um comentário de Le Monde (23-06-1978), a respeito, assinalava: "o fato de que grupos europeus tenham criado, nestes últimos anos, filiais brasileiras (com a participação de capitais locais) parece ter influenciado a escolha das autoridades de Brasília". E finaliza com esta significativa observação: "Pode-se igualmente remarcar que a maior parte das matrizes daquele consórcio tinha já constituído no Brasil, nos anos de 60, um cartel visando a eliminar as sociedades de construção elétrica de fonte puramente brasileira".

O capital estrangeiro, nos quadros do modelo econômico, acopla-se também com o setor estatal da economia, hoje, em boa parte, associado aos grandes monopólios de fora do país através dos chamados acordos de joint-venture. Os empreendimentos de Tucuruí e Tubarão são elucidativos. Em Tucuruí, onde se constrói uma grande usina elétrica, está presente o capital japonês que impôs a exigência do fornecimento da energia elétrica a preços inferiores ao custo da produção às usinas de alumínio, ligadas ao capital estrangeiro, em construção na região, com matéria-prima barata. Quanto ao empreendimento de Tubarão, o escândalo é ainda maior. O capital da empresa conta com a participação formal de 49% de sócios estrangeiros: a Kawasaki Steel Corporation e a Societá Finanziaria (Fisinder). Mas o lucro que tais sócios obterão somente com o fornecimento obrigatório dos equipamentos para a construção da usina siderúrgica são superiores ao seu capital, ou seja, não haverá desembolso por sua parte (O Estado de S. Paulo, comentário de Paolo Andreoli). Esse acoplamento do setor estatal com os monopolistas estrangeiros se verifica em vários setores.

Também a indústria militar – aviação, comunicações, armamentos etc. – associa-se a estes monopolistas através da utilização de patentes, tecnologia e acordos de outra natureza. A Sociedade Francesa Turbomeca e a firma inglesa Rolls Royce assinaram, há pouco, um acordo com o Brasil para criar uma sociedade mista, sob o nome de Rolls-Royce/Turbomeca do Brasil S/A, para montar, testar e assegurar a manutenção dos motores de avião ou de helicópteros e de turbinas na América Latina. O primeiro passo na execução desse acordo é a construção em São Paulo da usina de turbinas Ariel destinadas à propulsão dos helicópteros franceses Ecureuil e Dauphine.

Graças a esse modelo econômico, o capital estrangeiro penetrou fundo no campo brasileiro. Antes, aí operava principalmente na área da comercialização e do financiamento, assim como no da exportação. Agora, mantendo-se nessas áreas, expandiu-se com a ocupação de vastas zonas do território nacional, onde organiza grandes empresas agropecuárias, explora riquezas florestais, pesquisa e se apossa de minerais etc. É preciso considerar que, durante muito tempo, o capital estrangeiro lutou pela internacionalização da Amazônia, do que é prova o famoso plano Hudson. Encontrou forte resistência patriótica. Atualmente, venceu, com a ajuda do regime militar, todas as barreiras. O projeto Jari, no Amapá, do milionário norte-americano Ludwig, implanta-se numa superfície de mais de 1,5 milhão de hectares; a Volkswagen apossou-se de uma área de 140 mil hectares no Xingu, onde deverá colocar 100 mil cabeças de gado; a King’s Runch, norte-americana, tomou conta de 400 mil hectares; a Brynznell Madeiras S/A, norte-americana, 400 mil; o grupo italiano Liquigás, 600 mil; um outro grupo suíço, 800 mil; e assim também a Atlas, a Shell, e outras. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, em 1970, concluiu que "os estrangeiros, na época, possuíam um total de, pelo menos, 20 milhões e 234 mil hectares de terra, somente nos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Maranhão, Pará, Amazonas e no território do Amapá, obtidos por meio de compras a antigos proprietários, requisição de terras devolutas aos governos estaduais e por falsificação de documentos, com a utilização sistemática da violência".

Também penetraram no campo os grupos monopolistas da grande burguesia brasileira. Estimulados pelos incentivos fiscais, adquiriram, por compra ou por concessão, enormes áreas de terra, sobretudo na chamada Amazônia legal. A burguesia, assim, territorializa-se cada vez mais.

Outro aspecto a salientar do modelo econômico, relaciona-se com a atividade no setor dos bancos, dos financiamentos e dos empréstimos estrangeiros. Um exemplo da espoliação na esfera bancária encontra-se nos resultados obtidos pelo segundo grande banco norte-americano, o Citicorp, no Brasil, em 1977. Vinte por cento de seus lucros totais em todo o mundo foram conseguidos em nosso país, de acordo com o seu informe aos acionistas. Em relação a 1976, elevaram-se de 54 milhões de dólares para 74 milhões. Mas é na esfera dos empréstimos que redunda em dívida externa – onde se faz sentir mais pesadamente essa espoliação estrangeira. Os grandes bancos internacionais são os principais fornecedores dos créditos e empréstimos onerosos ao governo e às empresas particulares. As dívidas do país já atingem mais de 40 bilhões de dólares. Os emprestadores recolhem anualmente vultosas somas de juros e "amortizações" de dívidas. E enquanto aumenta a dívida, mais aumenta a sobre-taxa de juros que são fixos apenas para 30% do endividamento. Os restantes 70% são de juros reajustáveis. De 6,5% que eram, até há pouco tempo, passaram para mais de 10%, quase o dobro. Isto acarreta pesado ônus à nação.

Este tipo de desenvolvimento, apoiado no modelo econômico, outra coisa não é que o crescimento acelerado da espoliação e da dependência do Brasil. Beneficia largamente o capital estrangeiro, as multinacionais. E, em parte, ao capitalismo monopolista brasileiro associado ao capital de fora. Só residualmente beneficia outros setores menores da burguesia.

Num primeiro momento, essa inversão maciça de capitais, de empréstimos e financiamentos estrangeiros produz uma melhoria artificial na situação econômica e financeira do país e uma falsa aparência de prosperidade. Abrem-se fábricas, ativiza-se a economia, entram dólares etc. Em nosso país, esse primeiro momento, que durou pouco, era denominado de "o milagre brasileiro". Gerou euforia e alimentou ilusões. Mas seus resultados em médio prazo (que é o que hoje começamos a viver) e em longo prazo, são catastróficos e trazem as mais graves consequências.

Tal modelo determina o endividamento inevitável e perigoso do país. A dívida, que andava pela casa dos 3 bilhões de dólares, em 1964, agora alcança a cifra de 42 bilhões de dólares; e calcula-se que até 1980 chegará a 60 bilhões! As dívidas resultam, em boa parte, dos grandes déficits do balanço de pagamento, da necessidade de recursos para pagar dívidas e juros de dívidas, da importação de bens, insumos e tecnologia necessários à atividade econômica da qual o imperialismo é o principal beneficiário.

Tal modelo obriga que a maior parte da produção se oriente para a exportação, em busca de divisas (para pagar dívidas, juros, transferência de lucros para o exterior, cobrir déficits do balanço de pagamentos etc.). Não é acidental que no Brasil, hoje, o que tenha importância e peso no conjunto da produção seja aquilo que serve à exportação: soja, café, minerais e certos manufaturados vendidos abaixo do custo, fortemente subsidiados.

Tal modelo produz inevitavelmente a inflação. Para garantir o pagamento de dívidas, o governo necessita aumentar sempre mais as reservas cambiais. E para elevá-las apossa-se das divisas em dólares dos empréstimos e financiamentos feitos por empresas particulares, pagando-as em cruzeiros, o que faz emitindo soma vultosa de papel moeda.

Resumindo. Esse modelo econômico somente pode funcionar atraindo mais e mais capitais estrangeiros (portanto, com a venda do país e a brutal exploração do trabalho do seu povo); aumentando mais e mais o endividamento externo (portanto, transformando a nação em vassalo, em contribuinte permanente e forçado, dos banqueiros internacionais); e subordinando mais e mais a produção à exportação (portanto, privilegiando os produtos que se convertem em divisas e negligenciando os de consumo interno: hoje o Brasil já importa milho, feijão, batata e até mesmo algodão). É um modelo que provoca sério agravamento da situação do país e da vida da sua população, que deforma profundamente a economia nacional. Eis alguns fatos: o nível da inflação progride rapidamente; elevam-se os déficits da balança comercial; as dívidas aumentam sem parar, seu crescimento bruto em 1978 foi de 10 bilhões de dólares; o nível de investimentos da economia, ou seja, a formação bruta do capital fixo, teve, em 1977, um crescimento negativo (3,3%); dívidas públicas multiplicam-se: quase todos os estados consideram-se em regime de pré-falência ou mesmo de falência. A crise se acentua: a taxa média de crescimento da produção industrial caiu de valores em torno de 15% ao ano, no triênio 1971-73, para 5,5% ao ano no triênio 1975-77 (Jornal do Brasil, 15-12-1978). É de se esperar agravamento maior da crise nos próximos anos. No plano social, as consequências são espantosas. Agravaram-se seriamente as condições de vida do povo, as desigualdades sociais tornaram-se mais chocantes. O número de menores abandonados é imenso, assim como o da população eternamente flagelada do Nordeste. Milhões de números habitam favelas desumanas. A criminalidade cresce e se alastra.

OS GRUPOS MONOPOLISTAS DA BURGUESIA

Ao examinar as transformações verificadas no Brasil, sobressai também a evolução da burguesia brasileira no sentido monopolista. Simultaneamente com o avanço do capital estrangeiro no país, acelera-se o processo de concentração do capital, ampliando, fortalecendo e formando poderosos grupos monopolistas.

São já numerosos os grupos existentes. Cada um deles é uma potência industrial ou financeira que também opera no campo das matérias-primas, da produção agropecuária, do comércio, do setor imobiliário, florestal, transportes etc. A criação desses grupos, num país relativamente atrasado como o Brasil, se deu mediante a concentração da produção em mãos de alguns grandes capitalistas; através também da associação de empreendimentos nacionais com o capital estrangeiro; e também por meio da orientação econômica e financeira do governo, estimulando e ajudando o aparecimento e desenvolvimento desses grupos.

No setor dos bancos a concentração é forte. De algumas centenas, no início dos anos 1960, ficaram reduzidos a cerca de 70, com capacidade financeira ainda maior que as centenas antes existentes. Os cinco maiores bancos privados aumentaram sua parcela de depósitos de 39% para 44%, e a de empréstimos de 29% para 38%, entre 1970-77, do total dos bancos. A maior concentração – segundo o prof. Adroaldo Moura da Silva – ocorreu muito mais pela expansão dos bancos privados do que pela dos estatais.

Citaremos como exemplo três tipos, de certo modo diferentes, de grupos monopolistas. Um voltado fundamentalmente para a indústria; outro, predominantemente na área bancária; e, um terceiro, diretamente associado ao capital estrangeiro, com maior atividade no setor agrícola e de exportação.
O Grupo Votorantin, que se diz inteiramente nacional, controla de 35% a 40% da produção de cimento, e agrupa indústrias de alumínio, metalúrgicas, têxteis, petroquímicas, de papel e papelão, usinas de açúcar, agro-industriais, florestais, empresas comerciais e de mineração. Possui ainda 23% das ações do holding que controla o Banco Comércio e Indústria de São Paulo e tem assento no Conselho de Administração do Banco Mercantil de São Paulo. O total das vendas desse grupo, em 1976, era da ordem de 5,2 bilhões de cruzeiros. O Grupo Bradesco é, sobretudo, uma potência financeira. Possui no país mais de mil agências bancárias, ultrapassado apenas pelo Banco do Brasil, com 1200 agências. Participa ao mesmo tempo de outros vários empreendimentos: na Nitrocarbono que integra o Pólo Petroquímico do Nordeste; na Pronor (Produtos Orgânicos S/A); na Isocianatos do Brasil S/A (associado ao grupo Du Pont de Nemours and Co.); nos consórcios Sul-América e Atlântica-Boa Vista (os dois maiores grupos seguradores brasileiros). Participa de inúmeros projetos agropecuários e de empresas de reflorestamento, tais como a Floresta Chapadão, a Floresta Monte Carmelo e a Arbominas Reflorestamento Ltda. Investe, ainda, no setor de mini-computadores (Sharp e Cobra). Seu capital social, em 1977, era de Cr$ 2,5 bilhões.

O Grupo Marcelino Martins & E. Johnson tem larga esfera de atuação. Há pouco associou-se à firma Magma Exportação e Importação S/A (organização brasileira que conta com a participação de E D & F Man, de Londres). Opera na área financeira, associado ao Irving Trust, de Nova Iorque, ao Credit Lyonnais, de Paris e ao Banco Francês e Brasileiro, sendo o Banco de Investimento Credibando S/A a sua principal companhia no setor bancário. Na indústria, esse conglomerado possui a Fábrica de Café Solúvel Vigor e controla, em associação com o grupo francês Lafarge, a Companhia de Louças Sanitária do Sul. A Magma, que agora se inclui no grupo Marcelino Martins, é um dos principais vendedores de açúcar brasileiro. Abriu caminho para o demerara nacional no mercado chinês, fez vários negócios para a Rússia e fornece o açúcar consumido pela refinaria Tate & Lyle, da Grã Bretanha. Magma possui ainda três fazendas no estado do Rio de Janeiro e associou-se ao grupo empresarial dos banqueiros portugueses Espírito Santo e à Refinaria Tate & Lyle para criar uma das maiores fazendas de café na Bahia, onde já foram plantados mais de 2 milhões de cafeeiros.
O processo de desenvolvimento dos grupos monopolistas da grande burguesia modifica de algum modo a estrutura do capitalismo nacional. Essas modificações têm sérias implicações no caráter mesmo da economia brasileira, que começa a apresentar certos traços imperialistas, ao mesmo tempo em que aumenta a dependência do país ao capital financeiro internacional.

IMPORTANTES INDICAÇÕES DA ATUAL REALIDADE

Do exame das transformações operadas, assim como da aplicação do modelo econômico, surgem importantes indicações para as forças políticas democráticas ou de vanguarda em atuação no cenário nacional.

A primeira indicação refere-se à maior e mais grave subordinação da economia do país ao capital estrangeiro, em consequência da qual aumenta a influência dos monopólios alienígenas em todos os aspectos da vida do país. Eles têm em suas mãos as principais alavancas de comando da economia e das finanças, que manejam segundo os seus interesses. Apesar do desenvolvimento capitalista do Brasil, operado nestes últimos anos, a nação brasileira é atualmente mais dependente do que em qualquer outro período da sua história desde 1822. Os governantes brasileiros submetem-se, direta ou indiretamente, às exigências dos monopólios e dos banqueiros imperialistas. Embora em questões secundárias Brasília possa tomar posição aparentemente independente, nos assuntos de maior relevância enquadra-se nos esquemas ditados pelos monopólios. A espoliação do Brasil por parte do capital financeiro internacional não tem precedentes. A nação é explorada em seu conjunto por esse capital como uma colônia de novo tipo. Agrava-se, assim, a contradição entre a maioria da nação, escravizada, e o imperialismo, opressor e explorador, em particular dos Estados Unidos.

A segunda indicação diz respeito à classe operária. Numericamente, ela cresceu e se desenvolveu tecnicamente. Hoje, o país conta com cerca de 8 milhões de operários, mais do dobro do período anterior a 1964. Somente em São Paulo, há perto de um milhão de metalúrgicos e afins. O proletariado trabalha em grandes empresas, algumas com dezenas de milhares de trabalhadores, o que contribuirá para o desenvolvimento de sua consciência, organização e espírito de luta. A classe operária cresceu não apenas nas cidades, mas também no campo, onde existem outros muitos milhões de assalariados agrícolas em atividade. Seu peso específico, enquanto classe social, elevou-se consideravelmente no seio da sociedade brasileira. Juntamente com os trabalhadores de outros ramos de atividade, formam já a maioria da nação. A contradição entre o capital e o trabalho estendeu-se amplamente e aprofundou-se, contradição que somente pode ser resolvida com o socialismo.

A terceira indicação liga-se ao campo. Com o avanço do capitalismo nas áreas rurais tornou-se ainda mais sério o problema das grandes massas do interior, sem terra e sem meios de subsistência. Ao mesmo tempo que o capitalismo progride no campo, vai-se reduzindo a superfície de terras devolutas, usadas pela grande massa de posseiros, agora expulsos de muitos dos lugares que ocupam. Além disso, o capitalismo começa a empregar mais máquinas nas fainas agrícolas, o que dispensa boa parte da mão-de-obra, e desenvolve certos tipos de cultura, como a da soja, que não necessita de muitos trabalhadores. Em consequência, aumenta o êxodo rural, tornando mais tensa a questão social nas cidades. A penetração do capitalismo no campo não liquida certas formas atrasadas de relações de produção. Mantém-se o sistema de parceria, inclusive a prestação de serviços gratuitos aos fazendeiros, o arrendamento pago em espécie, a pequena e média produção individual etc. Mas essas formas estão ainda mais submetidas aos grandes proprietários. Assim, agrava-se também a contradição entre os latifundiários, aburguesados ou não, e a grande massa de camponeses desprovida de terra; entre os pequenos e médios produtores e os grandes empresários rurais que os exploram; entre os assalariados e semi-proletários, de um lado, e a burguesia do campo, de outro. Ganha maior força a reivindicação de reforma agrária.

A terceira indicação tem a ver com o deslocamento de influência e poderio no seio das classes dominantes: a força principal passa a ser a dos grupos monopolistas da burguesia, e a dos latifundiários aburguesados. O fortalecimento dos grupos monopolistas da burguesia, boa parte associados ao capital estrangeiro, não significa que tenham desaparecido de todo as contradições com a dominação imperialista. Tomam formas diversas e atenuam-se em muitos casos. A burguesia pretende um desenvolvimento do capitalismo brasileiro que lhe garanta maiores vantagens, sem prescindir, entretanto, da colaboração e participação do capital estrangeiro, por ela considerada indispensável ao progresso do país.

A quarta indicação é a que se refere à pequena-burguesia. O desenvolvimento do capitalismo trouxe algumas alterações no conjunto dessa camada social, que cresceu ainda mais no país. Uma parte arruina-se e vê-se forçada ao trabalho assalariado. Outra parte integra-se na faixa de profissionais qualificados, cujos salários são relativamente altos, isto porque o capitalismo moderno, exigindo certa capacitação técnica dos produtores, foi buscá-la entre a pequena-burguesia, com maior nível cultural. Destacou-se também do seio do proletariado uma parcela de trabalhadores mais capaz e melhor remunerada que, por sua mentalidade e condições de vida, torna-se pequeno-burguesa, constituindo uma espécie de aristocracia operária. Nas profissões liberais – médicos, advogados, engenheiros, químicos, professores etc. – acentuou-se a tendência ao salariato. A maior parte desse setor perdeu a relativa independência profissional de que desfrutava, e passou a viver profissionalmente como assalariada de órgãos estatais, pára-estatais, e de empresas privadas.

Tais são algumas das principais indicações que fornece o desenvolvimento do capitalismo dependente no Brasil.

DÍVIDA EXTERNA: Em 1980, a dívida externa bruta do país chegou a 62 bilhões de dólares.

TAXAS DE JUROS DE DÍVIDAS
“Quem obteve um empréstimo, há alguns anos, está pagando (em 1979) juros em dólares de aproximadamente 17% a 18% anuais” (Balanço Financeiro da Gazeta Mercantil).

AÇO
A produção de aço, em 1979, foi de 13,8 milhões de toneladas. Calcula-se que em 1980 alcançará 15 milhões de toneladas.
(BANAS, Especial)

PNEUMÁTICOS: No primeiro trimestre de 1980, o Brasil produziu 5.836.153 unidades de pneumáticos.
A matéria-prima (borracha natural) a ser consumida durante 1980 atingirá 86 mil toneladas, a maior parte importada. Custará ao país aproximadamente 75 milhões de dólares.
(Conjuntura Econômica).

AS DEZ MAIORES
Por lucro líquido, as dez maiores empresas no Brasil são:
– Mercedes-Benz
– Souza Cruz
– Shell do Brasil
– Volkswagen
– Sucocítrico Cutrale S/A
– Varig S/A
– Citrosuco Paulista S/A
– Pirelli S/A
– Esso Brasileira de Petróleo
– Mendes Júnior
(BANAS, Especial)

EXPORTAÇÃO / IMPORTAÇÃO
Em 1979, as exportações totais chegaram a 15 bilhões de dólares.
As importações, até outubro do mesmo ano, já superavam em mais de 1 bilhão de dólares o total dos doze meses de 1978.
(Conjuntura Econômica)

OLIGOPÓLIO
“O peso dos grandes conglomerados privados também pode ser avaliado pela presença quase oligopolística em importantes segmentos da intermediação financeira. Os dez maiores (bancos) detinham 69,1% do saldo total dos aceites cambiais; participavam de 45,3% na área dos depósitos à vista; 61,7% dos depósitos a prazo, 30,2% dos depósitos de poupança; e 46,5% das agências bancárias. Responderam ainda por 75,1% da arrecadação total de prêmios seguros” (em 1979).
(Balanço Financeiro da Gazeta Mercantil)

EDIÇÃO 1, MARÇO, 1981, PÁGINAS 15, 16, 17, 18, 19, 20