Ao abordarmos este tema temos em mente uma questão candente, de importância relevante. Levado pela curiosidade e pela necessidade de conhecer-se e de esclarecer os mistérios que compõem a história do desenvolvimento do Universo, da matéria, da vida e da inteligência, o homem buscou e busca explicações através da religião e das ciências.

Numa época em que a ciência estava ainda nos primórdios, o pensamento religioso predominou. A Igreja impôs pela fé e pela fogueira suas convicções. Mesmo diante de certo desenvolvimento do pensamento científico, a Igreja não cedeu facilmente, muita gente foi assada na fogueira e muitos outros ameaçados para que as idéias que contrariavam os dogmas da Igreja não viessem à tona. Para tomar essas medidas era necessário à Igreja o poder, que lhe era conferido, em última instância, pelo modo de produção vigente na época, o feudalismo, sobre o qual se assentava um determinado tipo de Estado de Moral, de Propriedade e de Religião. A Igreja era proprietária de mais da metade das terras da Europa.

Após a revolução burguesa e queda da então classe dominante, o feudalismo foi substituído pelo capitalismo, mudando, desta forma, o modo de produção. Sobre esse novo modo de produção assentou-se um novo Estado de Direito, de Moral, de Propriedade e de Religião. As idéias de liberdade ganharam força, o homem volta os olhos mais para a Terra e menos para o Céu e, conseqüentemente, diminui a influência da Igreja, perdendo esta até mesmo seu poder de queimar seus adversários nas fogueiras inquisitoriais.

A ciência começa a avançar, e nessa medida tomava direção diametralmente oposta à religião. A Igreja, com seus dogmas refutados, tenta se adaptar às novas conquistas da ciência, sem abrir-mão, entretanto, de seus princípios fundamentais. Hoje, após anos de pesquisa, a ciência se elevou deixando a religião no pó da ignorância.

RUMO AO DESCOBRIMENTO

Não obstante ao conhecimento acumulado, algumas questões se colocaram desafiadoramente num alto patamar de complexidade exigindo esforço concentrado e elevado grau de resolução. Dentre essas questões destaca-se a origem do Universo e da Matéria. Para a religião, todo o Universo foi criado por uma força superior extra-natural, chamada Deus, força essa que seria constituída por algo imaterial.

Note-se que a religião não nos informa do que especificamente é constituída essa força extra-natural, pois se assim o fizesse ela seria forçada a admitir que essa mesma força é constituída de algo conhecido pelos homens, logo, que o pensamento religioso brota da cabeça de homens. Na verdade, a religião joga com uma categoria da Natureza, a Matéria; para não ter que quantificar, qualificar e localizar o Céu, Deus, Santos e Anjos afirma serem todos imateriais.

Do ponto de vista da religião, que é uma das correntes idealistas e metafísicas da filosofia, o Universo foi criado de uma só vez e na forma atual, com um único gesto: Deus, num momento de grande inspiração, fez surgir miraculosamente Planetas, Estrelas, Sóis, Galáxias, Quasares etc.
Homens como Isaac Newton, Emmanuel Kant, Kepler, Albert Einstein e outros estudaram exaustivamente o Espaço e seu conteúdo, desenvolvendo princípios e descobrindo leis que regem o desenvolvimento do Universo. O progresso da ciência no campo tecnológico municiou os estudiosos do assunto com vários e potentes instrumentos, facilitando a obtenção de novos dados. E foi de posse desses instrumentos e baseados nesses princípios que os astrofísicos puderam comprovar em suas observações um fato extraordinário: o aumento das distâncias entre as galáxias.

Esse fato foi de capital importância para posteriores estudos. Aliás, verificou-se que o Universo inteiro é repleto de atividades cósmicas e também de repouso, tudo dependendo da perspectiva em que se observam esses fenômenos. Num exame superficial os objetos astronômicos se mostram em repouso, estáticos; por exemplo: ao olharmos a olho nu as estrelas e mesmo o Sol, parecem pacíficos, imutáveis e estáticos, mas ao usarmos um grande telescópio esses objetos espaciais se revelarão com uma certa violência pontilhados de lampejos fulgurantes, manchas escuras e explosões superficiais. Para quem vive aqui na Terra são evidentes os tremores, terremotos, vulcões e furacões, mas para quem a observa à distância, o Planeta parece tranqüilo, como nas fotos tiradas pelas naves espaciais.

A MATÉRIA EM MOVIMENTO

Poder-se-ia imaginar que apesar de pontos com intensa atividade o Universo como um todo seria tranqüilo, estaria em repouso, o que não é verdade. Na realidade o Universo está em pleno movimento com intensas atividades. Comprovados esses fatos, era de se supor que o Universo se movesse a esmo, desordenadamente. O que se verifica, no entanto, é o contrário: o Universo se move e se desenvolve de forma espetacularmente ordenada e organizada. Segundo demonstram estudos pormenorizados, as galáxias não só se afastam, mas isso ocorre obedecendo a um plano geral: cada galáxia se afasta numa velocidade proporcional à sua distância da Terra. Quanto maior a distância maior sua velocidade. Existe uma correspondência simplesmente perfeita, uma relação linear entre velocidade e distância.

Este fato nos leva, pela dedução, a uma conclusão simplesmente espetacular. Houve no passado uma formidável explosão, uma verdadeira bomba cósmica expelindo objetos cósmicos. Este é o padrão que obedece a explosão de um obus comum: quanto mais distante está um objeto, com tanto mais impulso deve ter sido ele expelido. Conhecendo esses fatos, somos obrigados a concluir que todo o Universo está em atividade, em movimento, expandindo-se, ou seja, o Universo está evoluindo. Vale a pena observar que planetas, estrelas e galáxias não estão crescendo em dimensão, pois estão sujeitas à gravidade. O que aumenta é a distância entre as galáxias e grupos de galáxias. Nesse momento é natural que o leitor se pergunte: o que acontecerá ao Universo, ele continuará crescendo indefinidamente? Ou essa expansão será interrompida? Para responder a essas questões é necessário observar alguns fatores:

– Para que um objeto em movimento pare, para que cesse seu movimento é necessário uma força atuando sobre ele em sentido contrário à força que lhe deu movimento. No caso do Universo essa força é a gravidade.
– Para um objeto se deslocar é necessário que uma força lhe dê um impulso inicial, no caso do Universo a explosão cósmica.

OS DOIS MODELOS

Segundo os astrofísicos, vários modelos foram criados para tentar responder a essas questões. Todos, porém, levam em conta o afastamento das galáxias, o princípio cosmológico e o princípio da equivalência.

Primeiro modelo: considerando que o Universo não tenha matéria suficiente para que a força gravitacional seja capaz de fazer parar a expansão do Universo, ele se expandiria indefinidamente. Em decorrência, chegaria um tempo em que as galáxias estariam tão distantes que os mais potentes telescópios não enxergariam luz alguma fora de nossa galáxia. A Via Láctea estaria condenada à solidão, mergulhada num imenso escuro, sendo apenas um ponto que, quando todo o hidrogênio das estrelas já tivesse sido consumido, perderia seu brilho, sua luz e qualquer tipo de radiação, desaparecendo para sempre a vida. A temperatura seria tão baixa que todo o Universo congelaria, caminhando para a "morte fria".

Segundo modelo: considerando que o Universo tenha matéria suficiente para que a gravidade seja capaz de fazer parar a expansão, o movimento geral do Universo chegará a um ponto morto. Esse ponto morto, sem expansão, será temporário, pois é impossível que o Universo permaneça estático, nada foge à mudança; a força centrífuga da gravidade continuaria atuando e faria o Universo marchar de volta, contraindo-se.

Essa contração seria o espelho da expansão, uma imagem invertida. Em sua marcha ao ponto inicial seria gasto o mesmo tempo que levou para expandir, no início lentamente, e à medida que as galáxias e os objetos foram se aproximando a força da gravidade aumentaria, passando a contrair-se rapidamente. Chegaria um tempo em que os objetos cósmicos estariam tão perto que o calor seria insuportável, a temperatura se elevaria a pontos altíssimos, os objetos cósmicos começariam a chocar-se entre si produzindo mais calor, mais luz e mais radiação, a densidade subiria a valores extremos, o Universo tornar-se-ia uma bela bola de fogo, brilhante em todo o seu esplendor. Tão brilhante que não seria percebido o brilho das estrelas por falta de escuro para o contraste. A vida antes disso regrediria do complexo para o mais simples, desaparecendo. Não resistiria para contemplar a hecatombe final. As condições seriam semelhantes àquelas que deram origem ao Universo. A contração chegaria a um ponto superdenso e super quente, chamado de singularidade, tendo o Universo seu fim pelo fogo e pelas chamas.

O primeiro modelo é chamado Universo aberto e o segundo Universo fechado, tendo este último implicações fascinantes. Quando o Universo chegar ao ponto chamado singularidade superdenso e super quente, a pressão dentro deste será de tal magnitude que poderá suplantar a força da gravidade, fazendo o Universo ressaltar, ocorrerá uma nova bomba cósmica. Iniciará novo ciclo de expansão-contração. Teríamos então um Universo cíclico com etapas de expansão e contração. Talvez até já tenham ocorrido vários outros ciclos. Filosoficamente esse modelo é belo, não existe origem mais importante do que outra, nenhum fenômeno é único, uma contração, uma noite, uma expansão, um dia. Não descreveria o modelo do Universo estável por considerá-lo ultrapassado pelos fatos.

De posse desses conhecimentos, os astrofísicos e matemáticos foram além, ousaram iluminar trevas recônditas, resgataram para a razão a nossa própria origem.

A IDADE DO UNIVERSO

Qual a idade do Universo ou quando a esfera universal teve um raio nulo? Essas são maneiras de perguntar quando começou o tempo, ou seja, quando realmente tudo começou. Sabemos que o Universo originou-se de uma explosão, expandindo-se rapidamente no início e perdendo velocidade à medida que se expandia. Sabemos ainda através das leis da Física que o tempo gasto para contrair-se totalmente será igual ao tempo gasto para expandir-se até hoje. Fazendo esses cálculos os astrofísicos encontraram a resposta: o Universo existe há 15 bilhões de anos. Em que ponto desses 15 bilhões de anos surgiu a matéria?

ORIGEM DA MATÉRIA

Na contração do Universo ocorrerá o inverso dos fenômenos físicos ocorridos na sua expansão. Os eventos que ocorrerão na última fase da condensação reproduzirão os eventos ocorridos no início da expansão, logo após a explosão, ou seja, a morte e o nascimento do Universo são semelhantes. Usando um grande computador, as leis da física e todas as informações acerca do Universo, os astrofísicos determinaram a temperatura e a densidade média do Universo inteiro em qualquer ponto do tempo. A maioria dos ensaios numéricos sugere que logo após a explosão houve o caos, não sendo possível saber o que aconteceu na hora da explosão, no tempo zero. Mas alguns teóricos afirmam ser possível precisar as condições físicas reinantes num tempo extraordinariamente curto após a explosão, o universo com idade inferior a um trilionésimo de trilionésimo de segundo, ou seja, dez elevado a menos 24, ou expresso numericamente: 1024 de segundo. Teria uma densidade média superior a um trilhão de trilhões de trilhões de trilhões, ou, expresso numericamente: 1048 gramas por centímetro cúbico e uma temperatura média superior a um trilhão de graus centígrados. Só a título de comparação, a densidade média da água é de um grama por centímetro cúbico e a do Universo atual é de um milhão de trilhões de trilhões de vezes menor que a da água por centímetro cúbico, ou, expresso numericamente, 1030 gramas por centímetro cúbico, a temperatura média do Universo atual é de três graus kelvin ou menos 270 graus centígrados, e 1024 segundos corresponde ao tempo que a luz gasta para atravessar um próton; com essa idade o Universo era repleto de energia e uma grande variedade de partículas elementares exóticas.

Com um microssegundo de idade feixes de irradiações chocavam-se; desses choques formavam-se partículas de matéria, ocorrendo uma verdadeira materialização. Essas partículas chamadas hádrions eram pesadas como prótons e nêutrons. Esse tipo de processo nuclear hoje é bem conhecido e repetido em laboratório, essas partículas existiam livremente, elas não podiam unir-se em algo mais substantivo devido a temperatura altíssima. A ação dominante nessa fase foi a aniquilação dos hádrions e sua conversão em radiação, criando uma bola de fogo. O Universo continua a espalhar-se e esfriar-se rapidamente.

Com um milissegundo de idade as condições de temperatura e densidade estavam propícias para novo tipo de materialização, e partículas leves chamadas léptons foram criadas a partir da energia. Nesse momento a temperatura era de 10 milhões de graus centígrados e a densidade de 10 bilhões de gramas por centímetro cúbico.

Com um segundo de idade, os léptons estavam aniquilados e convertidos em radiação. Vale lembrar que nem todas as partículas eram aniquiladas, nos primeiros minutos de idade a densidade da radiação excedia em muito a da matéria, a pouca matéria que subsistia estava sobre a forma de tênue precipitado suspenso num mar de radiação. À medida que o tempo passava a temperatura caía e a densidade também.

Com algumas centenas de anos de idade, a temperatura do Universo era de um milhão de graus centígrados e a densidade de um bilionésimo de gramas por centímetro cúbico, a aniquilação de hádrions e léptons cessou, a bola de fogo desvaneceu-se, dava início a uma transformação de suma importância.

Nos primeiros séculos de idade a radiação reinou soberana sobre a matéria, mas à medida que o Universo se expandia e esfriava a densidade da radiação caía mais rapidamente que a da matéria e em algum ponto entre os primeiros minutos e um milhão de anos após a explosão, partículas de matéria começaram a unir-se, primeiro esporadicamente e depois com maior freqüência. A radiação já não conseguia desagregá-la, a matéria ganha a guerra emergindo para tornar-se a essência mesma do Universo.

A radiação enfraquecera tanto que não conseguiu impedir a formação de átomos. O nitrogênio, o mais leve e mais simples dos átomos, foi o primeiro a se formar, tornando-se o elemento ancestral comum de todas as coisas.

Essas considerações representam o que há de mais recente no terreno das descobertas científicas na astrofísica, porém não devem ser consideradas como definitivas.

* Laudelino de Souza Filho é médico e colaborador de Princípios.
Os termos matéria, radiação, luz, energia, utilizados neste artigo, obedecem à conceituação da Física (LSF).

EDIÇÃO 12, DEZEMBRO, 1985, PÁGINAS 47, 48, 49, 50, 51