No dia 3 de novembro passado, com a eleição do candidato democrata Bill Clinton para a presidência dos EUA, encerrou-se naquele país um reinado do Partido Republicano iniciado em 1980 e que compreendeu dois períodos de Reagan e um de seu herdeiro dileto, George Bush.

A vitória de Clinton, governador do pequeno estado sulista Arkansas, teve ampla repercussão dentro e fora dos Estados Unidos. Clinton recebeu 43% dos votos diretos, contra 38% dados a Bush e 19% ao candidato Ross Perot. O Partido Democrata manteve a maioria no senado e na câmara. Outro fato importante dessa eleição foi o aumento do número de representantes das minorias: na câmara estão agora 38 negros (contra 25 anteriormente), 17 hispânicos (antes 11) e 4 deputados de origem asiática (eram 3). Ao Senado, após um período de mais de 60 anos, retorna um representante de origem indígena, o senador pelo Colorado, Highthorse Campbell.

Além disso, nas duas casas aumentou significativamente a presença de mulheres, tendo sido eleita a primeira senadora negra da história dos EUA, a democrata Carol Moseley Braun, pelo estado de Illinois. O impacto da vitória de Bill Clinton realmente não poderia ser pequeno, uma vez que ele derrotou nada menos que o então presidente George Bush, o governante todo poderoso que jogou a pá de cal derradeira na URSS e no bloco Leste europeu, que liderou a agressiva coalizão militar contra o Iraque e que, enfim, surgiu como principal arquiteto da chamada “nova ordem mundial”, erigida sob a hegemonia da única superpotência militar do planeta, os Estados Unidos.

Comentando as razões da derrota de Bush, o jornal Los Angeles Times, um dos mais importantes dos Estados Unidos, observou que a força mais poderosa dessa campanha presidencial não foi a personalidade ou o caráter de Clinton ou Bush, mas a crise da economia norte-americana. Com efeito, os doze anos de administração republicana parecem ter levado os Estados Unidos a uma das mais graves crises do ponto de vista econômico e social.

O déficit público do governo americano deve ter atingido, ao final de 1992, a impressionante cifra de US$ 350 bilhões; o déficit da balança comercial durante o período Reagan chegou a superar os US$ 100 bilhões anuais e, de acordo com estimativas, deve ter ficado em torno dos US$ 60 bilhões ao final do ano passado; no primeiro semestre de 1992, a taxa de desemprego atingiu 7,5% da força de trabalho. Ou seja, implicando o desemprego aberto de 9 milhões de trabalhadores. Tudo isso parece ter composto o caldo de cultura que levou à derrota o “vencedor da guerra fria”, o presidente Bush. Os eleitores reagiram contra as administrações Reagan/Bush que promoveram aumento dos impostos, achatamento dos salários, diminuição dos benefícios sociais e, por outro lado, criaram todo tipo de estímulo às imensas fortunas sob o argumento de que, com isso, estavam estimulando os investimentos privados.

Para completar este quadro, está mais que claro que os Estados Unidos estão engalfinhados em uma guerra econômica e comercial com o Japão e a Europa Ocidental e, ao contrário do que ocorreu durante a guerra fria com a URSS, desta vez estão perdendo. Só com o Japão em 1990, os EUA tiveram um déficit comercial de US$ 41 bilhões, o que explica a desastrada viagem feita por Bush a Tóquio, em janeiro de 1992, com o intuito de tentar forçar os japoneses a adquirirem mais produtos norte-americanos.

“Analistas vêem na derrota de Bush o fim de uma era de superconservadorismo”.

Não são poucos os analistas que vêem na derrota de Bush o fim de uma era de superconservadorismo dos EUA. O diretor executivo do prestigiado Washington Post, E. J. Dionne, assim se expressou: “A vitória do democrata Bill Clinton marca o fim do heroísmo conservador; época em que a direita desejava refazer o mundo com base na economia de mercado, nos valores tradicionalistas e na superioridade militar”.

Não se deve exagerar o significado da eleição de Clinton, mas ela reflete uma mudança de curso que não deve ser minimizada. Da mesma forma que o “thatcherismo” entrou em crise na Inglaterra, forçando a renúncia de Margaret Thatcher em novembro de 1990 (ela assumiu em 1979), a chamada “reaganomics” também entrou em colapso e levou Bush à derrota, em novembro do ano passado. Em ambos os países o neoliberalismo está em baixa. Nos Estados Unidos, para combater a crise social e econômica, muitos analistas falam de um “New Deal”, versão Clinton, em que obviamente será conferido papel estratégico ao Estado no sentido de reanimar a economia, combater o desemprego e reformar o sistema de benefícios sociais, particularmente a assistência à saúde, considerada hoje um drama norte-americano pela quantidade de cidadãos que dela estão excluídos.

Durante a campanha, para confrontar diretamente a política de Bush, os partidários de Clinton usaram e abusaram da famosa frase “é hora de nos ocuparmos de nós mesmos”, numa referência direta à crise enfrentada pelo país.

O plano Clinton prevê a realização de um programa de gastos públicos visando à recuperação da infra-estrutura e da rede de transportes, com o objetivo de assegurar uma retaguarda para o investimento produtivo privado. Recursos da ordem de US$ 20 bilhões anuais serão destinados à recuperação e à renovação de infra-estrutura e à proteção do meio ambiente. Clinton também se dispõe a aumentar o financiamento da escola pública e de implementar um grande programa de treinamento e formação profissional da mão-de-obra. Na área da saúde, há promessa de reformulação que visa a assegurar a todos os norte-americanos acesso à assistência na saúde. Simultaneamente a essas ambiciosas metas, o novo presidente diz que irá reduzir o déficit público pela metade, o que seus críticos consideram uma contradição e não acham um objetivo viável. Mas Clinton diz que combaterá a sonegação e a evasão de impostos, taxará as grandes fortunas e que fará um corte no orçamento do Pentágono da ordem de 30% até 1997.

Muitos analistas consideram que o novo presidente recebeu um mandato para realizar mudanças e que não disporá de muito tempo para não frustrar os eleitores. Seus maiores desafios serão reativar a economia e combater o desemprego, para o que seguirá um receituário bastante diverso daquele praticado por Reagan/Bush.

Tudo indica, assim, que um dos poucos lugares onde as elites continuam brandindo o receituário neoliberal à la Reagan/ Thatcher/ Bush é a América Latina.

* Economista, jornalista, foi editor de economia dos semanários Opinião e Movimento e membro do Conselho Federal de Economia no período de 1987-89.

EDIÇÃO 28, FEV/MAR/ABR, 1993, PÁGINAS 23, 24