O início do governo Collor, em 1990, foi um momento contraditório para o saneamento brasileiro. De um lado, os resultados limitados no cumprimento das metas estabelecidas para a Década da água instituída pela ONU, em 1980, para dotar de saneamento aqueles países que ainda apresentavam insuficiência básica. De outro, o lançamento de um novo plano de saneamento, no início do governo, que prometia ser a redenção de dez anos de quase estagnação nos investimento em água e esgoto.

A situação em março de 1990 é dramática; a desordem econômica se traduzia pela persistência de elevadíssimos índices de inflação, que seis planos econômicos sucessivos aplicados ao longo de dez anos não tinham sido capazes de debelar. No saneamento, vazio institucional, as companhias endividadas e incapazes de investir sequer para manutenção adequada dos sistemas já existentes.

O novo governo, na época, apresenta à Nação bem ao estilo do então presidente, um plano milagroso para consertar a economia, ponto de partida para qualquer outra iniciativa: o fim da inflação, a retomada do relacionamento internacional e a volta dos investimentos estrangeiros, o equilíbrio das contas do Estado com corte de despesas e vendas de empresas estatais e, em consequência, a retomada do desenvolvimento, em poucos meses, em ritmo de “milagre econômico”.

Com essas perspectivas “milagrosas”, o plano para o saneamento também era igualmente ambicioso: uma Secretaria Nacional de Saneamento, ligada ao Ministério da Ação Social, se encarregaria de administrar um plano de investimentos em níveis nunca ousados: 20 bilhões de dólares ao longo de cinco anos, que seriam obtidos de fontes de dentro e de fora do país.

Após três anos de governo, no entanto, ao invés de estarmos com a economia estabilizada e entrando para o Primeiro Mundo, como prometia o audacioso presidente, o Brasil entra para o clube dos países mais miseráveis do mundo, que ainda convivem com a cólera, uma doença do século passado, típica do atraso social, e que só prospera onde não existe abastecimento público de água potável e onde os esgotos não são convenientemente afastados e tratados.

“Nas cidades brasileiras 18% não têm água potável. No campo, são 96% sem abastecimento”.

O quadro herdado pelo governo Collor na área do saneamento era pouco animador; os progressos obtidos na Década da água foram modestos e contribuíram pouco para eliminar os déficits realçados pelo processo explosivo de urbanização das décadas anteriores. O diagnóstico apresentado à Nação em 1990 pela então criada Secretaria Nacional de Saneamento fala por si: cerca de 18% da população urbana não dispunham de acesso à água potável de rede pública; mais da metade desses tinha abastecimento intermitente, com rodízios de fornecimento; no meio rural, apenas 4% da população contavam com abastecimento de rede pública. Quando se falava em esgotos sanitários, a situação era bem pior: 70% da população urbana não dispunham de rede de coleta e, desses, mais de 80% não tinham disposição adequada – apenas 6% dos esgotos eram tratados corretamente. Nas áreas de coleta de lixo, a situação não era melhor: 60% da população urbana brasileira não contavam com coleta regular de lixo; a drenagem urbana era precária, fazendo com que qualquer chuva um pouco mais forte levasse a situações de catástrofe mesmo as mais ricas e importantes cidades brasileiras.

Mas a vulnerabilidade à cólera precisa ser buscada um pouco mais para trás também. Nos caminhos pelos quais o Brasil tentou resolver os problemas de saneamento agravados no processo de desenvolvimento da década de 1970 e que desembocou na crise em que não só o setor de saneamento, mas o próprio país se viu mergulhado desde o início dos anos 1980, quando o modelo de crescimento sem crises dos militares ruiu.

“Em 1980, a ONU criou a Década da Água para combater a falta de saneamento básico”.

Em 1980 a ONU instituiu a Década da água, uma espécie de programa destinado a superar as enormes deficiências de saneamento básico existentes nos países mais pobres, e responsáveis em grande parte pelos altos índices de mortalidade infantil persistentes nesses países, além de outras doenças relacionadas com a falta de saneamento básico. O propósito principal da Década foi “proporcionar em 1990, a toda a população, água de boa qualidade em quantidade suficiente e serviços sanitários básicos, dando prioridade aos pobres e ao menos favorecidos”.

Cada país membro da ONU, como é o caso do Brasil, fixou então metas a serem atingidas no decênio, em termos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de metas para a melhoria da administração dos serviços, como por exemplo, o estabelecimento de políticas tarifárias adequadas para garantir a manutenção e continuidade dos investimentos, desenvolvimento de mecanismos apropriados de financiamento, modernização tecnológica e capacitação de pessoal.

As metas fixadas pelo Brasil previam o atendimento de 90% da população urbana com rede pública de água – cerca de 100 milhões de pessoas – e esgotamento sanitário para 70 milhões de moradores das cidades. Elas não pareciam absurdas, então, afinal o país vinha de um período recente de crescimento econômico, e de grandes empreendimentos na área de saneamento.

No final dos anos 1960 e início dos 1970, o Brasil ingressou num processo de crescimento econômico continuado, com taxas médias de 11% ao ano nos anos 1968-73, e 7% ao ano em 1974-80, que criou um parque industrial moderno e diversificado, alterou a estrutura da produção agrícola e dotou o país de um sistema de serviços sofisticado. No entanto, a face social sombria escondida sob o manto desses feitos fantásticos na área econômica era dramática.

A População urbana do país passou de 31,5 milhões em 1960 para 52,1 milhões em 1970, e para 79,8 milhões em 1980, sendo que grande parte dessa população se encontrava concentrada nas cidades maiores e nas nove regiões metropolitanas formadas nesse período.

A estrutura de saneamento básico disponível em 1970 permitia atender apenas a 45% da população urbana com água potável proveniente de rede pública e a 22% com rede de coleta de esgotos: tratamento de esgotos, nem pensar.

Mortalidade Infantil

O mais sensível indicador da qualidade de vida é a taxa de mortalidade infantil – o número de crianças que morrem antes de completar um ano de vida em cada mil nascidas vivas.

E a mortalidade infantil está intimamente associada aos níveis de atendimento nos serviços de saneamento, pois as principais causas de morte entre as crianças com menos de um ano de idade são as doenças diarréicas, provocadas pela contaminação da água.

A cólera é uma das doenças de veiculação hídrica, cujo controle está absolutamente associado ao nível de cobertura dos serviços de saneamento básico. Ela é endêmica em vários países da África e da Ásia e a última pandemia alcançou a América Latina através do Peru, onde a doença atingiu centenas de milhares de pessoas. Através do Peru, a cólera penetrou no Amazonas, espalhando-se por vários estados do Nordeste brasileiro no início de 1992.

O Brasil, embora seja a 10ª economia mundial, apresenta ainda uma elevada taxa de mortalidade infantil – 61 por 1.000. Neste triste campeonato mundial, o Brasil praticamente só "perde" para os países africanos mais pobres, para alguns países da América Latina e da Ásia. Mas "ganha", por exemplo, da Tunísia, cuja taxa é de 51 por 1.000, do Paraguai (41), do México (41); e mesmo da região mais rica do país, a Região Metropolitana de São Paulo, cuja taxa de mortalidade infantil foi de 37 por 1.000 em 1988, consegue "ganhar" da Argentina, Venezuela, Sri Lanka, Tailândia, Romênia, Panamá e Coréias do Sul e do Norte, por exemplo.

Quanto ao sonho de chegarmos ao Primeiro Mundo, se a taxa de mortalidade infantil for uma credencial, estamos longe dele. As taxas nos países considerados mais desenvolvidos do mundo situam-se quase sempre na faixa de um dígito: 8 na França, nos EUA, Canadá, Itália e Inglaterra; 7 na Alemanha; e 4 no Japão. Por esse critério quem está mais perto do Primeiro Mundo, entre os países da América Latina, é Cuba, com 11 por 1.000. Como consequência, o principal indicador da qualidade de vida – o índice de mortalidade infantil – era tanto mais alto quanto mais pobre e pior atendida a região do ponto de vista de saneamento.

“Os recursos vinham do FGTS, e o Planasa centralizava a sua distribuição para os municípios”.

Para superar essa situação, os governos militares idealizaram um modelo para o saneamento, à imagem e semelhança do modelo econômico. Foi criado em 1971 o Plano Nacional de Saneamento, o Planasa, que formulou as diretrizes para os investimentos; os recursos viriam do FGTS, dinheiro barato e de fluxo garantido, que seriam emprestados às companhias estaduais já existentes, ou criados para viabilizar os investimentos. Com a cobrança de tarifas pelos serviços, os recursos seriam repostos ao FGTS, com juros e correção monetária, e poderiam novamente ser emprestados, criando um fluxo aparentemente ininterrupto de financiamento para as obras.

Para garantir maior controle no gerenciamento dos empréstimos e das obras a serem construídas, as operações foram centralizadas nas companhias estaduais e esses recursos do Planasa só poderiam ser investidos nos municípios através das companhias concessionárias dos serviços.

Como não poderia deixar de ser, os investimentos feitos pelo Planasa acompanharam o ritmo de crescimento da economia: quanto mais crescia a economia do país, mais salários eram pagos, mais recursos o FGTS recolhia e, portanto, mais recursos disponíveis havia para emprestar às companhias de saneamento. Os níveis de atendimento das populações abastecidas com água potável cresciam a ritmo de Brasil Grande, grandes obras foram iniciadas em todos os estados brasileiros. São fruto desse processo os sistemas de abastecimento da Cantareira, em São Paulo, e Pedra do Cavalo, na Bahia, entre outros.

Mas, como também não podia deixar de ser, quando a companhia do país entra em crise pela imposição de um ajuste na economia atrelado ao ajuste externo decorrente da crise da dívida do Terceiro Mundo, o desemprego se alastra, os salários minguam, os recursos do FGTS se reduzem, a inflação dispara, as companhias não conseguem pagar os investimentos e saldar suas dívidas com o FGTS, e os investimentos são paralisados, ou crescem muito lentamente.
Se a década de 1970 foi a década dos investimentos, do dinheiro fácil, a de 1980 foi a década de pagar a dívida contraída, de pagar juros elevados pelos empréstimos.

Uma companhia estadual como a Sabesp, por exemplo, opera por concessão em, aproximadamente, metade dos municípios do estado de São Paulo; a região metropolitana de São Paulo, que tem cerca de 30 municípios integrados ao Sistema Adutor Metropolitano, para o qual o Sistema Cantareira foi construído, foi sendo dotada ano a ano de mais obras de redes, adutoras e estações de tratamento de água, enquanto existiram recursos. E à medida que a água foi chegando à periferia e aos bairros mais pobres, a taxa de mortalidade infantil foi caindo. Na década de 1970, e até 1982, os recursos investidos pela Sabesp são vultuosos, chegando a US$ 331 milhões no ano de 1981; mas eles caem brutalmente a partir de 1983, quando a crise se agrava, e chegam a apenas US$ 65 milhões no ano seguinte. Além disso, o rombo vem de todos os lados: caem os investimentos com recursos do FGTS e também com recursos do Tesouro Estadual, que de 4% da receita tributária entre 1975 e 1978, não passam de 1% a partir de 1983. Por outro lado, a capacidade de investimentos com recursos tarifários é duplamente estrangulada; de um lado pelo aumento dos juros em decorrência do aumento da correção monetária, os juros que representavam 30% em média das receitas em 1982, pulam para 45% da receita de tarifas em 1983; de outro, pelo fato de as tarifas de serviços públicos em geral passarem a ser um dos instrumentos de controle da inflação, acumulando defasagens que começam a afetar a própria operação dos sistemas.

Como se imaginava que o modelo Planasa funcionaria sempre de modo perfeito, que se poderia garantir investimentos para as obras à medida que elas fossem sendo necessárias, não havia muita preocupação com o gerenciamento dos sistemas, com tecnologias mais baratas, com sistemas menos sofisticados; incentivava-se o consumo perdulário, as tarifas eram baratas, não se media a água consumida, as perdas de água eram, e são até hoje, enormes. E nos anos das vacas magras os problemas se multiplicam, porque não havia recursos sequer para a manutenção adequada das obras já instaladas.

“Em 1988, a Sabesp de São Paulo quase sofre colapso. Não havia recursos para os investimentos”.

Em 1988 a Sabesp vivia uma situação dramática do ponto de vista do abastecimento de água; não havia recursos para investimentos para colocar em operação o último módulo dos três de 11 metros cúbicos previstos inicialmente; a ampliação da capacidade de produção, com a construção de um novo sistema a leste da Região, o Sistema Alto Tietê, estava completamente atrasada e com seu futuro comprometido diante da falta absoluta de recursos para as obras; do ponto de vista da manutenção, não havia recursos para reformas e conservação dos 120 reservatórios e das redes, e o risco de se ter um colapso do sistema por falta de manutenção nas adutoras, e até nas bombas dos dois módulos em operação do Sistema Cantareira, era permanente. Os poucos recursos disponíveis para investimentos precisavam ser canalizados para obras destinadas a permitir maior capacidade de manobra da água nas redes, já que a falta d’água começou a se agravar com os atrasos da entrada em operação da última etapa do Cantareira e da implantação do primeiro módulo do Sistema Alto Tietê.

E não será demais lembrar que se trata de uma das maiores e bem equipadas companhias estaduais de saneamento do país; quando se trata de companhias dos estados do Nordeste brasileiro, sequer a operação regular era coberta pelas tarifas. Um estudo publicado pela Sudene em 1987 mostrava que a Caern, Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte, no período de 1976 a 1983 apresentava receitas de 122 bilhões de cruzeiros para despesas que somavam 331 bilhões de cruzeiros, dos quais 225 bilhões eram despesas financeiras e fiscais; situação semelhante era vivida pelas outras companhias como Cagepa, do Pará, CAEMA, do Maranhão e Cagece, do Ceará.

Do ponto de vista do gerenciamento, portanto, a Década também não apresenta resultados animadores: a gestão dos recursos financeiros comprometeu a capacidade de financiamento das companhias estaduais responsáveis pelos serviços de saneamento em ¾ das cidades brasileiras; há investimentos paralisados sem oferecer benefícios, as perdas de água são alarmantes – cerca de 50% –, a inadequação tecnológica é flagrante.

O plano apresentado pelo governo Collor pretendia superar todos esses problemas e, ao herdar esse diagnóstico precário, apresenta um plano audacioso, como o presidente. Imaginava-se chegar ao fim do governo com praticamente toda a população urbana servida por água potável e aproximadamente 60% dessa população ligados a redes de esgotos. Metade da população rural também deveria chegar a 1994 servida por redes de abastecimento de água e coleta de esgotos. Isto significaria incorporar 42 milhões de novos brasileiros aos sistemas de abastecimento de água e 38 milhões às redes de esgotos. Para se ter uma idéia do que isso significa, em 20 anos – de 1970 a 1990 – foram beneficiados 32 milhões de novos brasileiros com redes de água e 20 milhões com redes coletoras de esgotos, um enorme esforço, quando o país crescia a taxas altíssimas.

O novo governo começou por atender a um antigo reclamo do setor, ao criar uma estrutura institucional responsável pelo saneamento – a Secretaria Nacional de Saneamento; do ponto de vista dos investimentos, suas metas, amparadas na certeza de que a inflação seria controlada em curtíssimo prazo, e que haveria a retomada do crescimento rapidamente, animaram os segmentos do setor.

Logo no início do primeiro ano do governo, a magia começa a se desfazer. Os 20 bilhões de dólares prometidos para investimentos na área de saneamento foram calculados a partir de falsas suposições: em 5 anos, 10 bilhões deveriam vir dos orçamentos federal, estaduais e municipais; outros 2,5 bilhões de fontes externas, como Banco Mundial e BID; o FGTS contribuiria com outros 3 bilhões de dólares; mais 2,5 bilhões viriam da iniciativa privada, através da privatização e da concessão de serviços; e ainda 1,8 bilhões de dólares seriam obtidos com o pagamento da dívida das companhias, além de 1,5 bilhão de investimentos com recursos tarifários que sobrassem da operação dos serviços.

“O plano mirabolante de Collor fez água por todos os lados. Os recursos foram superdimensionados”.

O plano fez água por todos os lados; desde sua apresentação parecia pouco provável que cada uma dessas submetas pudessem ser alcançadas. Os recursos de orçamentos estavam evidentemente superdimensionados. Governo federal, estados e municípios estavam, e continuam, sufocados por graves endividamentos do passado, que consomem boa parte de suas receitas tributárias, com juros de dívidas que continuam a ser roladas e que dificultam a contratação de novos financiamentos.

Recentemente, por exemplo, o governo de São Paulo enfrentou dificuldades para obter aval do governo federal para fechar a contratação de empréstimo do BID para o badalado Programa de Despoluição do Tietê, porque o governo federal exigiu que, primeiro, a Sabesp, que é quem vai executar as obras, saldasse a sua dívida com a União.

Por outro lado, as fontes externas continuam esquivas; veja-se o exemplo do Proseg, um programa lançado pela Secretaria Nacional de Saneamento em agosto de 1991, para a aplicação de 400 milhões de dólares em obras de rede de esgoto destinadas a ocupar mão-de-obra desempregada, e que receberá 350 milhões de dólares do BID. Até hoje os recursos não foram liberados, e só recentemente o empréstimo foi efetivamente aprovado pelo banco, depois de ter sido consagrada uma solução para o pagamento dos juros da dívida externa e ter sido delineada uma solução para o refinanciamento do principal da dívida – com mais de um ano de atraso, portanto. Esses recursos, assim, no mínimo entrarão muito mais lentamente do que o governo imaginava.

As mesmas reticências existem em relação ao pagamento da dívida das estatais e investimentos com recursos próprios das companhias, restando como última esperança o FGTS, também afetado duramente pela recessão. Mais ainda, pelas novas regras do FGTS, companhias inadimplentes com o Fundo não podem contrair novos empréstimos.

Essa dura realidade foi forçando o governo a refazer suas metas, tentando adequá-las à situação; tanto as metas econômicas, quanto as metas para o saneamento. O ex-presidente Collor há muito tinha esquecido a inflação zero e o crescimento a ritmo de milagre; também já não se falava em 20 bilhões de dólares para saneamento há algum tempo. Na primeira versão do plano, os recursos previstos, já em 1990, seriam de 2,7 bilhões de dólares; em 1991 eles pulariam para 3,45 bilhões, em 1992 para 4,45, em 1993 para 4,95, e em 1994 chegariam a 5,15 bilhões de dólares.

A primeira revisão pública das metas foi apresentada em setembro de 1991, no Congresso da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), em Goiânia; estimava-se, então, que os investimentos médios anuais seriam de 3,7 bilhões de dólares, cerca de 64% do que seria necessário para dotar o país de uma infra-estrutura adequada em saneamento, totalizando até o final do governo 15 bilhões de dólares. Mesmo com a redução, não era nada de se desprezar. Mas já naquela ocasião as perspectivas para 1992, numa visão otimista, segundo a própria Secretaria Nacional de Saneamento, eram de que os investimentos somassem apenas 2,2 bilhões de dólares, ou seja, 38% do que seria necessário.

Um balanço dos investimentos realizados, apresentado no Comitê Nacional de Saneamento em meados de 1992, comprova que realmente a visão era otimista até demais. Nos dois primeiros anos de governo Collor foram investidos 2,2 dos 6,1 bilhões de dólares previstos no plano; as disponibilidades do FGTS para aplicações para o ano de 1992, àquela altura, eram inferiores aos compromissos contratados – 93 milhões de UPFs disponíveis contra 142 milhões de UPFs contratados. E dos recursos previstos no Orçamento da União, apenas 26% foram liberados nos seis primeiros meses do ano e só 2% efetivamente repassados para obras.

Esse quadro é muito pouco alentador para a superação das debilidades sanitárias do país; não só porque os recursos têm sido largamente insuficientes para alterá-lo, mas também porque o próprio setor está desmobilizado diante da enorme frustração que acabou de experimentar ao ter acreditado nas fórmulas mágicas acenadas por Collor. E é pouco provável que se consiga reverter essa situação sem que se altere o próprio modelo do setor de saneamento, descentralizando a operação dos sistemas, buscando tecnologias mais apropriadas e acessíveis, democratizando o processo de decisão e priorizando os aspectos sanitários em relação aos aspectos comerciais, voltando enfim a pensar o saneamento como um instrumento essencial de saúde pública.

Sem isso, continuaremos a ostentar níveis de mortalidade infantil vergonhosos e deixando claramente expostos à cólera cerca de 20 milhões de brasileiros que ainda não têm acesso a sistemas públicos de abastecimento de água. E se a epidemia de cólera voltar a alastrar-se de nada adiantarão as inúmeras cartilhas espalhadas pelo Ministério da Saúde no ano passado pelos aeroportos brasileiros, onde dificilmente transitam pessoas que tomam banho de caneca e bebem água de bica.

* Arquiteta, assessora da Associação Nacional dos Serviços Municipais Autônomos de Água e Esgoto.

EDIÇÃO 28, FEV/MAR/ABR, 1993, PÁGINAS 57, 58, 59, 60, 61