Este livro de Nereide Saviani merece leitura atenta e cuidadosa, é daquele tipo que nos obriga a demarcar, mapear seu conteúdo e reservar para depois a possibilidade do prazer da retomada e do reencontro – como quando desfrutamos de um precioso objeto. Não é sempre que temos o privilégio de ter acesso a um texto que alia, sabiamente, forma e conteúdo, destacando-se pela inovação e precisão conceitual.

A autora tem, ainda, o mérito de desenvolver uma densa e irrequieta problematização, própria dos que se habituaram a travar com ardor um profícuo diálogo com a realidade social e educacional e com as correntes de pensamento que alicerçam os debates políticos e pedagógicos contemporâneos.
Este feliz resultado expressa o acerto na seleção da temática, atual e polêmica: o problema da conversão do conhecimento em saber escolar, tendo por eixo a relação entre conteúdo e método, na constituição de disciplinas e na elaboração de currículos e programas escolares. Devem também ser registrados a escolha de tratamento da questão – o resgate de aportes teóricos, distintos pelo caráter da abordagem e da peculiaridade do foco – e a propriedade, a segurança e a capacidade com as quais examina cada recorte em que se desdobram as questões examinadas e o alcance das respostas dos autores selecionados.

As perguntas são amplas e complexas e comportam diferentes posicionamentos: “O que é saber escolar?”, “Como se constitui?”, “Como se organiza?”, “Como o saber é produzido nas situações de ensino/aprendizagem?”, “Como é transmitido e assimilado?”, “Qual é a relação entre as disciplinas escolares e saberes de referência?”, “O que se deve conhecer por conteúdo e método de ensino?”, “Como esses elementos se relacionam ou devem se relacionar?”, “Em que consiste e a que se deve o tratamento dicotomizado da relação conteúdo e método?”, “Como alcançar o objetivo de fazer com que o aluno realmente aprenda?”.

O trabalho tem como referência princípios amplamente reconhecidos: a correspondência entre o conhecimento transmitido e a realidade do aluno; a globalidade do conhecimento; a relação entre domínio de conhecimento e processo de aquisição de conhecimento; a importância de trabalhar o essencial; a estrutura de cada área do conhecimento; a compreensão do método não como instrumento, mas como trajetória etc.

A familiaridade com tais questões permite à autora definir os termos através dos quais delimita sua preocupações: o pressuposto de que a relação entre conteúdo e método implica a relação entre sujeito e objeto; a idéia de que para captar a relação dialética entre conteúdo e método é necessário desvelar a estrutura do objeto e a estrutura do sujeito; e a consideração de que, na dialética do processo pedagógico, a relação conteúdo e método implica, necessariamente, a relação entre currículo e dialética.

No curso de sua investigação, Nereide identifica e analisa quatro abordagens básicas e alguns enfoques dentro de cada uma, mediante os quais se conformam as matrizes do pensamento pedagógico que balizam o debate contemporâneo sobre a problemática em tela.
A primeira, de corte sociológico, enfatiza a relação entre a escola e a sociedade, evidenciando a subjacência dos interesses sociais na organização dos currículos. A segunda abordagem salienta os aspectos psicológicos relativos à aprendizagem, dirige-se para a compreensão da estrutura do sujeito, com o objetivo de pensar o currículo na sua relação com as características, necessidades e os interesses dos alunos. A terceira, voltada para questões lógicas, destaca o tema do conteúdo e reflete os problemas do currículo em relação ao desvelamento do objeto. Por último, a abordagem que tenta articular os aspectos lógicos e psicológicos, com ênfase para a problemática do desenvolvimento dos conceitos científicos e da relação entre disciplinas escolares e ciências de referência.

Esta categorização foi sistematizada a partir de dois eixos de problematização: o primeiro, referenciado na experiência prática da autora na elaboração de propostas curriculares; o segundo, a partir dos pressupostos teóricos que emergiam de suas reflexões.

Todas as abordagens primaram pelo ângulo normativo do “dever ser”, mas a análise da autora voltou-se também para a identificação, na obra recente de historiadores do currículo, do que efetivamente a realidade social tem implementado. Tal contraponto constitui mais de uma referência no enriquecimento da problematização já tão bem trabalhada.

Se nem todas as questões formuladas puderam ser respondidas, tal fato não constitui demérito, mas uma vantagem a mais desta obra que. pela sua densidade e alcance. abre chances e suscita novas indagações para a continuidade da pesquisa e do debate sobre as questões aqui levantadas. Este livro constitui-se, portanto, uma referência obrigatória para todos os que se preocupam com o avanço da teoria da educação na atualidade.