À primeira vista parece impossível cobrir tantos anos de história da filosofia em apenas duzentas páginas. Mas ao começarmos a leitura de Estética: de Platão e Pierce, entendemos a intenção da autora e acompanhamos com curiosidade essa viagem pelo mundo da estética.

Lúcia Santaella é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP e, há vários anos, com grande competência, vem se dedicando a estudar e a divulgar a obra de Charles Sanders Pierce (1939-1914), o criador moderno da semiótica, ciência que tem por finalidade o estudo de todas as linguagens possíveis e a integração delas com o homem e seu mundo.
Pierce, lógico por formação, é mais conhecido por sua filosofia dos signos. Ao iniciar seus estudos, o filósofo se deu conta de que não há nenhuma forma de pensamento que possa se realizar só através de símbolos. Daí sua preocupação no estudo dos signos para compreender a forma de raciocínio. Para Pierce, signo é absolutamente tudo aquilo que significa algo para alguém em algum lugar. Mas o trabalho desse estudioso americano é muito mais amplo e profundo do que isso. É essa a área de estudo de Santaella, hábil em transformar palestras e discussões em livros.

Nesse livro, em especial, ela levanta a questão da estética, dentro da filosofia peirciana, lembrando ser uma das áreas ainda pouco estudadas pelo autor, praticamente inédita.

A palavra estética deriva do grego, significa sentir, mas sentir num sentido amplo, com todos os sentidos. O primeiro a levantar as questões relativas à estética, à criação, foi Platão em sua teoria sobre o belo e a mímese. Seu diálogo Fedro é fundamental como introdução ao estudo da estética. Para Platão a beleza é essencial para atingir o mundo das idéias. A beleza é a idéia visível, é por meio dela que chegamos à verdade. Mais tarde, cansado e desiludido com a decadência da sociedade ateniense, Platão escreve República, em que imagina uma sociedade ideal e justa. Expulsa os artistas dessa cidade e cria a teoria da imitação (mimesis), afirmando que a pintura só imita a aparência da realidade. Essa teoria da arte como imitação dominaria a estética até o século XVIII, quando Kant, na sua obra Crítica do Julgamento (1790), inaugura uma nova visão estética, pensando a obra de arte em si. Não existe conceito anterior nem idéia a ser seguida.

Dando mais ênfase a esses dois filósofos, Santaella expõe, na primeira parte do livro, uma panorâmica das várias escolas de estética, de Platão e Aristóteles a Santo Agostinho e Kant, e de Schiller a Hegel. Tudo para chegar à conclusão de que estética sempre foi sinônimo de belo. É uma passagem superficial, até porque a autora não é filósofa, nem sua intenção é fazer enciclopédia estética. Essa discussão primeira vai servir de pano-de-fundo para a discussão da estética na obra de Pierce, que é tratada na segunda parte do livro.

Santaella chama a atenção para o fato de Pierce, que apesar de ter bebido na fonte dos filósofos, ter desenvolvido uma teoria própria sobre o tema, destruindo as crenças de que estética seria simplesmente sinônimo de belo. A autora lembra que, segundo o filósofo, “assim como a estética não está preocupada em dizer o que é certo ou errado, mas sim com o que deveria ser o esforço humano, a estética não está voltada para o que é ou não belo, mas sim para aquilo que deveria ser experimentado por si mesmo, em seu valor próprio”.

A estética seria uma ciência normativa, assim como a ética e a lógica. A estética se relacionaria com os sentimentos, a ética com a ação e a lógica com o pensamento. Com esses conceitos, Peirce estaria nadando contra a corrente, deslocando a estética do subjetivismo, desviando a atenção da qualidade do sentimento para a qualidade do objeto. Não existiria objeto estético, mas sim signo estético, o que permite que o elenco de interpretantes se alargue, possibilitando uma interpretação mais maleável.

Este livro de Santaella é apenas um começo para a discussão da estética na semiótica. Ao terminar a leitura, fica-se com a necessidade de algo mais. A grande importância dessa obra é a quantidade de informações que a autora nos oferece, além da extensa bibliografia no final do livro, o que desperta nosso interesse para uma busca mais profunda da história da estética.