O tema da moderna genética bem estava a merecer um livro de divulgação científica como o que nos traz a médica Fátima Oliveira. Dentre as diversas disciplinas científicas contemporâneas, é a genética a que está a realizar uma quase silenciosa, mas profunda, transformação nas condições de existência das modernas sociedades. A própria expressão – engenharia genética – que a autora tomou para título nos informa que estamos diante de uma área do saber com fortes aplicações tecnológicas já em desenvolvimento.

Assim como a teoria do eletromagnetismo deu origem à indústria elétrica, a genética está dando origem a uma indústria cujos contornos e alcance ainda não podem ser delineados. Para se ter uma idéia dos interesses em jogo, observamos que a possibilidade do mapeamento do patrimônio genético humano motivou um megaprojeto multinacional, intitulado “Projeto Genoma Humano”, que mobiliza mais de US$ 3 bilhões em um prazo de 15 anos; e que tais desenvolvimentos estão na base da pressão norte-americana para que diversos países, como o Brasil, modifiquem sua lei de patentes, para adequá-la aos interesses dos países desenvolvidos, detentores do conhecimento científico e tecnológico. As implicações morais destas pesquisas têm renovado o velho tema das relações entre ética e ciência, sensibilizando inclusive o mundo artístico, a exemplo de nosso João Ubaldo Ribeiro, que se ocupou do tema no seu O sorriso do lagarto.

Como vemos o livro vem em boa hora. Publicado em uma série de paradidáticos, ela extrapola esses limites para constituir-se em um texto de boa divulgação científica, acessível a todos que queiram acercar-se do tema sem recorrer desde o início a uma literatura especializada. O livro cobre desde informações conceituais sobre a moderna genética, sua história, seus condicionamentos sociais, políticos e ideológicos, suas aplicações e questões que elas suscitam, como biopatentes e bioética. A inserção social da autora, feminista e militante anti-racista, bem como sua competência técnica, facilitam sua familiaridade com as diversas facetas do problema.

O primeiros quatro capítulos são dedicados às informações sobre os conceitos e teorias da biologia, da genética em particular, bem como sobre sua história. O quinto capítulo é consagrado ao Projeto Genoma Humano, enquanto o sexto às aplicações genericamente intituladas biotecnológicas. O sétimo analisa a posição dos Estado Unidos, de exigência do patenteamento dos genes humanos e dos seres vivos em geral, argumentando que a sua aceitação pelos países não integrantes do seleto grupo dos muito ricos “equivaleria a abrir-mão do direito de algum dia possuir uma bioindústria e, assim, a abdicar de sua independência nacional”. Os dois capítulos subsequentes são dedicados às implicações da engenharia genética em diversos setores da atividade humana e às diversas controvérsias que tem originado, enquanto o último discute o renovado interesse na bioética, como consequência destas pesquisas. O livro conta ainda com um sumário de fatos e personagens, um glossário e sugestões de leitura.

Um aspecto deste interessante livro que nos parece insatisfatório é o destaque dado às vicissitudes que marcaram a biologia soviética, quando a autora apresenta a história da teoria da evolução à moderna genética. O fenômeno do lyssenkismo (ver verbete do Dicionário do pensamento marxista, Tom Bottomore) encerra extraordinárias lições, pela sua negatividade, para a história das experiências socialistas, mas não é um capítulo tão significativo para a história da genética. Além disso a descrição apresentada é pouco crítica quanto às práticas sociais e políticas que viabilizaram uma vertente de uma controvérsia entre cientistas transformarem-se em uma posição do Estado soviético e de correntes marxistas em todo o mundo.