Em 5 de agosto fez cem anos que Engels morreu. Amigo da vida inteira de Marx, fundou com ele o socialismo científico, dando bases sólidas ao pensamento social, político e revolucionário da classe operária. Essa contribuição será tema de várias edições, começando por uma breve biografia, um artigo de Lincoln Secco sobre Engels e a economia política e outro de José Lourenço Cindra sobre a visão de Engels a respeito da ciência.

O marxismo sempre foi obra coletiva, continuada e enriquecida em nosso tempo por inúmeros lutadores pelo socialismo. Entre eles, destaca-se Álvaro Cunhal, que fala sobre a experiência dos comunistas portugueses, a luta contra o fascismo, a Revolução dos Cravos de 1975, o combate ao dogmatismo e, principalmente, sobre a necessidade de defender a bandeira do socialismo, neste final de século em que o capitalismo parece triunfante.

Perry Anderson compartilha essa preocupação e indica três lições deixadas pela adversidade da experiência neoliberal para a luta dos socialistas: não ter medo de ficar contra a corrente política de nosso tempo; não transigir em idéias, nem aceitar a diluição de princípios; finalmente, não aceitar como imutável nenhuma instituição estabelecida.

Afinal, mostra Luiz Marcos Gomes, o neoliberalismo é a manifestação atual da ideologia selvagem e agressiva do imperialismo em busca de superlucros, depois da derrocada do campo socialista. Longe de constituir-se numa ciência, não passa de apologia cujo fundamento é o anticomunismo grosseiro e vulgar, irmão gêmeo da barbárie.

Michel Chossudovsky descreve a pobreza espalhada pelos ajustes neoliberais pelo mundo, arruinando e transformando países em territórios abertos e reserva de mão-de-obra barata e riquezas naturais. O grande beneficiado é o capital monopolista, credor de Estados nacionais que financiam seu próprio endividamento.

Na Europa, esses ajustes causam escândalos. Exemplos disso são apontados por Téia Magalhães: as privatizações dos serviços de água na França e o envolvimento das grandes empresas de abastecimento de água no financiamento ilegal de campanhas políticas.

No Brasil, esses efeitos nefastos são descritos por Edson Silva. A “alta engenharia econômica” do Plano Real para trazer a estabilidade econômica e a moeda forte restringiu-se a políticas de curto prazo, como a cambial e a monetária. Respondendo apenas à lógica do grande capital, agravou os desequilíbrios sociais e econômicos em toda a sociedade brasileira.

Grande parte do peso do ajuste neoliberal cai sobre as mulheres. Fátima Oliveira e Jô Moraes descrevem, em dois artigos, como as mulheres brasileiras se prepararam para a Conferência de Pequim, retomando aspectos de sua melhor tradição: a articulação unitária em nível nacional, a autonomia e a rebeldia.

Mas, apesar do que dizem, o neoliberalismo não é a única – e nem a definitiva – alternativa para a humanidade. Longe de indicar o fim do sonho por um mundo melhor, o fracasso da União Soviética e dos países do Leste europeu tornou inadiável a reflexão sobre o caminho para o socialismo, diz Haroldo Lima. Preocupação teórica que já era de Marx, Engels e Lênin, deixada de lado depois dos anos 20 de nosso século, hoje é retomada pelo PCdoB no esforço de formular um programa socialista adequado ao atual estágio da sociedade brasileira.

As mudanças ocorridas no Brasil nas últimas décadas modelaram uma estrutura de classes claramente capitalista, em cujo pólo dominante estão a burguesia e seus aliados, aos quais se opõe o eixo popular, articulado em torno da classe operária e dos proletários rurais. José Carlos Ruy analisa essas mudanças, mostrando como o esforço de elaboração de um programa socialista decorre do amadurecimento das contradições de classes no Brasil.

Com a saúde muito debilitada nos últimos tempos, Florestan Fernandes dizia que continuava vivo devido à sua capacidade de transformar dor e lágrimas em indignação. Na madrugada do dia 10 de agosto, a inteligência brasileira perdeu uma estrela de primeira grandeza. O pensamento socialista ficou sem um militante que, na contramão da mediocridade triunfante, insistia em proclamar a necessidade de novas e superiores relações entre os homens. Florestan deixa um exemplo de rigor científico, indignação moral e engajamento na luta dos povos. Princípios registra aqui sua tristeza pela perda desse amigo dedicado.

EDIÇÃO 38, AGO/SET/OUT, 1995, PÁGINAS 3