Em agosto de 1844, no seu regresso da Inglaterra à Alemanha, Engels visitou brevemente Paris a fim de conhecer melhor Karl Marx. Ambos tinham ouvido falar um do outro e até se entreviam de passagem na redação da Gazeta Renana, mas não chegaram a estabelecer contatos pessoais mais estreitos. E agora em Paris, na rua Vannau, no apartamento modesto do doutor Karl Marx, havia conversas sem fim até altas horas. Os dois sentiram logo que compartilhavam as mesmas idéias quanto à causa comum à qual se haviam dedicado inteiramente. Tinham também algo em comum quanto aos espíritos e aos interesses. Ambos sentiram aquela indescritível simpatia recíproca que se transforma com o tempo, em amizade. Os dez dias em Paris passaram como um dia só. Ao se despedirem, não sabiam ainda que esse encontro breve duraria quarenta anos. “As lendas da Antiguidade” – escreveu Lênin – “contam exemplos comoventes de amizade. O proletariado da Europa pode dizer que a sua ciência foi criada por dois sábios, dois lutadores, cuja amizade ultrapassa tudo o que de mais comovente oferecem as lendas dos antigos”.

Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820 em Barmen (província renana da Prússia) na família de um industrial. Em 1834, entrou para o liceu de Elbervelde. Mas seu pai decidiu que o filho mais velho deveria enveredar pelo mundo dos negócios; portanto, Friedrich Engels teve de abandonar o liceu um ano antes de finalizar o curso e seguir a carreira de comerciante. Porém, nas horas livres, continuou com perseverança a sua formação autodidata: estudou em profundidade obras filosóficas, históricas e econômicas e revelou capacidades inauditas na aprendizagem de línguas estrangeiras.
Engels olhou com espírito de observação o mundo que o rodeava. Ao ver a penúria extrema dos operários têxteis, ficou comovido e indignado até as profundezas do coração e, como não podia ocultar os seus sentimentos, suscitou a fúria do pai. Em 1839, escreveu as suas Cartas de Vupertal, nas quais estigmatizou a desumanidade das classes possuidoras: “Entre as classes inferiores domina uma penúria incrível, sobretudo entre os operários da manufaturas… Mas a consciência dos industriais ricos é elástica…” O sentimento de justiça, tão característico do jovem Engels, levou-o para o lado dos trabalhadores simples, cujas mãos criam toda riqueza do mundo. E quanto maior era a sua simpatia para com eles, tanto mais crescia o ódio em relação aos opressores – a burguesia e os senhores feudais.

Prestado o serviço militar, em novembro de 1842, Engels deslocou-se para Manchester (Inglaterra), por exigência do pai, a fim de trabalhar no escritório da fábrica de papel Ermen & Engels.
Na Inglaterra, Friedrich Engels viu com os seus próprios olhos ao que levava o alto nível de desenvolvimento capitalista: luxo ostentoso e lucros cada vez mais avultados, por um lado, e exploração cada vez mais intensa, por outro. Os contrastes sociais de Manchester perturbavam Engels. Mas, ao mesmo tempo, a estada na Inglaterra possibilitou-lhe fazer outra descoberta: o proletariado não era só uma classe que sofre, mas também uma classe em luta, combatente. Engels acompanhou com atenção o desenrolar do movimento cartista e entrou em contato com muitos dos seus dirigentes. Os primeiros artigos que escreveu na Inglaterra, e que foram publicados na Gazeta Renana, evidenciam o processo de formação das convicções socialistas do autor.

Com 25 anos incompletos, Engels escreveu o livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Esse trabalho é uma das melhores obras de literatura socialista mundial. Lênin escreveu a esse propósito:

“Engels foi o primeiro a declarar que o proletariado não é só uma classe que sofre, mas que a miserável situação econômica em que se encontra empurra-o irresistivelmente para frente e obriga-o a lutar pela sua emancipação definitiva. E o proletariado em luta ajudar-se-á a si mesmo. O movimento político da classe operária levará, inevitavelmente, os operários à consciência de que não há para eles outra saída, senão o socialismo. Por seu lado, o socialismo só será uma força quando se tornar o objetivo da luta política da classe operária”.

Com essa obra, Engels lançou a base da concepção científica da economia política e aproximou-se muito da compreensão materialista da história.

Depois do encontro e conhecimento pessoal com Marx, Engels regressou à Alemanha, onde participou ativamente na organização de comícios de esclarecimentos e debates, na criação de órgãos de imprensa comunista e nas ações de massa contra a política feudal do governo. É claro que a sua atividade não podia escapar à política prussiana. Na primavera de 1845, fixou residência em Bruxelas e, juntamente com Marx, dedicou-se à elaboração da teoria revolucionária.

“Engels e Marx voltaram à sua pátria. Integraram ativamente o levante revolucionário alemão”

No inicio de 1847, Marx e Engels aderiram à Liga dos Justos. Era uma organização que reunia um grupo de operários, principalmente emigrados residentes em Londres. O programa da Liga, embora com uma palavra-de-ordem bastante atrativa à primeira vista – Todos os homens são irmãos –, tinha um caráter expressamente utópico e, por conseguinte, não podia satisfazer de modo algum nem Marx e nem Engels. Após a sua adesão à Liga dos Justos, esta foi transformada em Liga dos Comunistas.

Em junho de 1847, em Londres, celebrou-se o congresso que constitui a nova organização. Engels participou nos trabalhos do congresso como delegado dos comunistas parisienses. O Congresso preparou novos estatutos e adotou o novo nome. A velha palavra-de-ordem foi substituída por uma palavra-de-ordem revolucionária, com conteúdo de classe: Proletários de todos os países, uni-vos!
Em outubro de 1847, Engels foi novamente a Paris a fim de participar nos preparativos para o segundo congresso da Liga dos Comunistas. Ali escreveu O Projeto de Programa da Liga, conhecido comumente por Princípios do Comunismo. Essa obra serviu de base ao Manifesto do Partido Comunista.

Em 25 de fevereiro de 1848, os operários parisienses derrubaram a monarquia de Louis-Philippe e proclamaram a Segunda República. O proletariado francês pôs-se novamente à frente do movimento europeu. O governo republicano da França enviou a Marx um convite de honra para regressar a Paris, que ele aceitou. Em 20 de março, Engels também partiu de Bruxelas, dirigindo-se a Paris. Em abril de 1848, Engels, Marx e um grupo dos seus partidários voltaram à pátria para se integrarem ativamente no movimento revolucionário. Em Colônia, criaram a Nova Gazeta Renana, o porta-voz da democracia revolucionária. Nas páginas do jornal, exortavam o povo alemão à luta decisiva contra o regime feudal e o absolutismo e desmascaravam a traição da burguesia, a covardia e inconsequência dos democratas pequeno-burgueses. Através do jornal, Marx e Engels norteavam a atividade das organizações democráticas e dirigiam a luta das massas populares. Engels publicou aí vários artigos dedicados à insurreição de junho de 1848 em Paris. Com grande talento e conhecimento profundo do assunto, abordou a guerra da libertação nacional na Itália e na Hungria contra a monarquia austríaca. No final de setembro, por ordem das autoridades, a edição da Nova Gazeta Renana ficou provisoriamente suspensa, e Engels, face à ameaça de ser preso, teve de deslocar-se da Alemanha para a Suíça.

“Estava sempre disposto a fazer de tudo para o amigo concluir a sua obra: O Capital”

Em maio de 1849, na província renana e na Alemanha do Sul assistiu-se à luta revolucionária armada. Engels aderiu ao deslocamento dos voluntários comandados por Willich, membro da Liga Comunista, e passou toda a campanha militar em Pfalz e Baden. Cumpria as tarefas mais difíceis e, nos dias de combate, era visto na primeira linha. Só quando a revolução sofreu uma derrota definitiva Engels, com os restos do exército revolucionário derrotado, abandonou a Alemanha. Mudou-se para Londres, onde, a essa altura, morava Marx e, juntamente com ele, participou na reorganização e consolidação da Liga dos Comunistas, prosseguindo simultaneamente na sua atividade científica.

Em novembro de 1850, por exigência do pai, Engels mudou-se de Londres para Manchester e voltou a trabalhar no escritório da firma Ermen & Engels. Por muito que sonhasse, nos tempos livres, em prosseguir as investigações científicas, o desejo veemente de apoiar materialmente Marx e sua família fez com que Engels aceitasse a proposta do pai. Estava sempre disposto a sacrificar-se para poder ajudar o amigo a concluir o seu livro O Capital.

A amizade entre Marx e Engels não diminuiu com o tempo. Antes pelo contrário, cada encontro entre eles permitia descobrir novas virtudes recíprocas e proporcionava-lhes novas forças criadoras. Marx mantinha Engels ao corrente das conclusões feitas durante investigações científicas e pedia a sua opinião. Por seu lado, Engels, antes de responder às questões que lhe eram colocadas, submetia-as a uma profunda análise teórica.

Durante a colaboração com Marx e depois da sua morte, Engels escreveu várias obras – Anti-Düring, A dialélica da natureza, A origem da família, da propriedade privada e do Estado e muitas outras.

“Quando Marx morreu, os inimigos proclamavam que O Capital não estava escrito”

A obra científica Anti-Düring é uma das criações mais profundas do marxismo – um resumo condensado das conclusões teóricas e de seus princípios. O livro proporciona a característica do socialismo enquanto novo regime social que desconhece contradições antagônicas de classe e a exploração do homem pelo homem. Expõe de maneira acessível e convincente os postulados fundamentais da filosofia marxista e as bases da economia. O autor de Anti-Düring debruça-se sobre as características das relações de produção, mostra o seu caráter histórico peremptório e a necessidade objetiva da substituição das relações capitalistas por comunistas.

Nas suas obras, Engels presta muita atenção às questões da organização da produção. Em particular, acentua a importância da ligação da organização consciente da produção social à distribuição planificada. “O desenvolvimento histórico torna tal organização cada vez mais necessária e cada vez mais viável. Com ela começa uma nova época histórica em que os próprios homens e, com eles, todos os ramos da sua atividade, em particular as ciências naturais, farão tais sucessos que eclipsarão tudo o que fora feito até hoje”.

A Dialética da natureza, na qual Engels trabalhou mais de dez anos, está diretamente ligada ao Anti-Düring. Nela, o autor generalizou, sob o prisma filosófico, as aquisições mais relevantes então alcançadas no domínio das ciências naturais. O livro contém uma crítica fundamentada do materialismo mecanicista, das teorias idealistas dos cientistas burgueses e do seu método metafísico.

Baseando-se em dados científicos, Engels apresenta o panorama do desenvolvimento dialético da natureza desde as formas mais simples então conhecidas, inferiores, do movimento da matéria até o aparecimento do homem e do desenvolvimento da sociedade. O pensador materialista põe a questão da necessidade de examinar as transformações recíprocas de diversas formas de movimento da matéria umas nas outras, impondo-se assim a tarefa de liquidar o abismo entre algumas ciências naturais. Nessa obra, Engels pressagia, algumas descobertas científicas futuras no domínio da física, da química, da biologia e da psicologia.

Nos últimos doze anos de vida de Engels, Marx já não estava com ele. Mas nesse período Engels enriqueceu o marxismo com novas investigações e conclusões, cumprindo ao mesmo tempo, com toda energia de um verdadeiro líder revolucionário, a tarefa de orientação dos partidos social-democratas da Europa e da América. Muitos representantes do proletariado combatente e da intelectualidade progressista pediam-lhe conselhos e apoio, e ele compartilhava generosamente sua rica experiência e enormes conhecimentos.

Engels fez realmente uma proeza digna de um cientista comunista para preparar o segundo e terceiro tomos de O Capital. Quando Marx morreu, os inimigos do marxismo começaram a divulgar rumores de que Marx não havia prosseguido com O Capital, parando no primeiro tomo, e que as notícias sobre o segundo tomo em preparação não eram mais que uma “intrujice de Marx” com o fim de se esquivar à polêmica científica com os críticos das suas teorias do valor e da mais-valia apresentadas no primeiro tomo.

Após a morte de Marx, foi encontrado um rolo com manuscritos do segundo e terceiro livros de O Capital. Porém ninguém sabia se já estavam preparados para o prelo. Mesmo Engels não sabia. Que se faria com o trabalho inconcluso de Marx sobre O Capital? Esse problema preocupava muito os socialistas que se dirigiam com inquietude e esperança a Engels. Havia de se efetuar um trabalho realmente gigantesco: ler os manuscritos do autor escritos com caligrafia bastante ilegível, decifrar numerosas notas e abreviaturas. O único que podia fazer esse trabalho era Engels.

“O Capital, redigido por Engels veio à luz em 1885. Vitória para o proletariado”

No início, Engels julgava que poderia preparar o segundo tomo para o prelo em prazos relativamente curtos, mas, em outubro de 1883, ficou abatido pela doença que o fez perder pelo menos mais de meio ano. A doença fê-lo pensar que a ele próprio também podia acontecer qualquer coisa inesperada. No entanto, era necessário efetuar rapidamente todo o trabalho relacionado com a preparação do rascunho, isto é, ditar o texto manuscrito a um escriba. Foi um trabalho enorme que levou muito tempo.

As recidivas da doença impediram muitas vezes que Engels trabalhasses sentado à secretária e, então, continuava a ditar estendido no sofá, das 10 horas da manhã até as 5 da tarde, tendo, ainda por cima, de redigir, à noite, o que fora ditado. O segundo tomo de O Capital, redigido por Engels, veio à luz em julho de 1885. As dificuldades dos preparativos do terceiro tomo ultrapassaram todas as esperanças prévias de Engels. Esse trabalho levou-lhe cerca de dez anos. Quando Engels trabalhava no terceiro tomo, o princípio fundamental pelo qual se norteava era transmitir os resultados das investigações na linguagem singular de Marx. A intervenção de Engels no texto original limitou-se ao necessário. Fez acompanhar esse tomo de O Capital de uma introdução desenvolvida na qual esclareceu o estado em que se encontravam os manuscritos e o trabalho que lhe coube. Ainda mais, desmascarou os falsificadores burgueses da concepção materialista histórica e da doutrina econômica de Marx.

O trabalho sobre o segundo e o terceiro tomos de O Capital é o cume da criação engelsiana, uma proeza em nome da amizade, da ciência, do interesse do proletariado de todos os países.
A obra de Engels Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã teve grande importância no desenvolvimento do movimento revolucionário internacional. A divulgação da doutrina filosófica burguesa, muito em voga na Europa nos anos 80 do século XIX, o neokantismo, cujo objetivo único era a revisão, do prisma reacionário, da filosofia clássica alemã, fez necessário o aparecimento desse trabalho. Nele, Engels submeteu à análise crítica todas as fontes do comunismo científico e realçou os méritos de Hegel no progresso do pensamento dialético e de Feuerbach no desenvolvimento do materialismo. Ainda mais, Engels mostrou que, no processo de elaboração da filosofia marxista, tinham sido ultrapassadas as visões limitadas da dialética de Hegel e do materialismo metafísico de Feuerbach – em suma, foi criado o materialismo dialético.

“Engels escreveu muitas obras para os socialistas dos diversos países do mundo”

Engels fundamentou a tese de que a questão fulcral da filosofia é a que se refere à correlação entre o ser e a consciência, entre a matéria e o espírito. Projetada no plano do movimento operário, a abordagem materialista desse problema é o critério fundamental na luta teórica entre as duas concepções contrárias que permite travar discussões filosóficas com ideólogos burgueses.

Na parte final de sua obra, Engels debruça-se sobre as leis gerais do progresso social. O autor explica
por que a dialética marxista permitiu progredir muito além das descobertas de Feuerbach e revelar a essência da revolução nas concepções sobre o desenvolvimento da natureza, da sociedade e do conhecimento.

Para o movimento revolucionário mundial, a obra de Engels Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã é um manual teórico na luta contra a filosofia burguesa, que permite aos socialistas distinguirem, nas suas fileiras, os adeptos da concepção idealista do mundo e lutarem intransigentemente contra eles.

Engels escreveu muitas das suas obras a pedido dos socialistas de diferentes países. Regra geral, essas obras apareciam conforme a agudeza da luta. Por exemplo, para ajudar os socialistas franceses a superarem as vacilações oportunistas na questão agrária e esclarecer-lhes o sentido verdadeiro dos postulados marxistas nesse domínio, Engels escreveu em 1894, o artigo “A questão camponesa em França e na Alemanha”. Esse trabalho marcou mais um passo adiante na elaboração da teoria marxista do domínio da questão agrária. O autor mostrou que o partido proletário só poderia conquistar o poder político com a condição de desenvolver uma ampla propaganda junto aos camponeses e de se tornar uma força piloto nas aldeias. Engels sublinhou que o único caminho para o melhoramento radical da vida dos camponeses era a passagem das pequenas explorações à produção coletiva, comunitária, com a única condição de ser efetuada voluntariamente, com base em exemplos concretos. Advertiu que a política do Estado proletário em relação à propriedade fundiária deveria ser diferente, ou seja, que o proletariado vitorioso iria expropriar essa propriedade como a dos grandes industriais. Engels deu a entender, porém, que admitia a hipótese de resgate.

“Se a expropriação acontecer com resgate ou sem este, dependerá em grande parte, não de nós próprios, mas das circunstâncias nas quais tomaremos posse do poder, bem como da atitude dos latifundiários. Pela nossa parte, não consideramos de modo algum que o resgate é inadmissível em certas circunstâncias; para esclarecer esse ponto, posso invocar a opinião de Marx que dizia a propósito que, para nós o que importa é restarmo-nos de modo mais barato possível deste bando ignominioso.”

Engels seguiu com a atenção o movimento revolucionário russo, mantendo correspondência com espíritos progressistas da Rússia. Comparando analiticamente o movimento operário na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e na Rússia, Engels frisava que a esta última competiria, no futuro, o papel mais importante. Portanto, na Rússia, o nome de Engels era associado ao amigo leal e companheiro de luta de Marx. Daí não ter sido por acaso que o maior número de cartas e condolências por motivo de morte de Marx viesse principalmente desse país: os estudantes da academia de Pedro, em Moscou, pediam, em especial, que na campa do autor de O Capital fosse colocada uma coroa de flores com a seguinte inscrição: “Ao defensor dos direitos do trabalho em teoria e ao lutador abnegado pela sua concretização, dos estudantes da Academia de Agricultura de Pedro em Moscou”.

“Todos os problemas de direção do movimento operário da época chegavam até Engels”

Até o final de sua vida, Engels trabalhou muito e intensamente. Dois anos antes de sua morte, escreveu a brochura Será possível o desarmamento na Europa?, na qual chegou a essa conclusão: “o sistema de exércitos regulares europeus foi levado ao extremo de ameaçar os povos do continente com uma ruína econômica inevitável, não podendo aguentar mais o fardo de exorbitantes despesas militares, ou levaria necessariamente a uma guerra total de extermínio, se estes exércitos regulares não fossem oportunamente transformados em milícia do povo armado”. Engels partia do princípio de que o desarmamento e, portanto, a garantia da paz eram possíveis. Essas conclusões engelsianas sobre a possibilidade da conservação da paz continuam a ser aproveitadas na atividade dos partidos comunistas. Não por acaso o primeiro decreto do Poder Soviético foi o Decreto de Paz. As primeiras iniciativas do Estado soviético no palco internacional tinham como fins o estabelecimento de relações de boa vizinhança e cooperação, cessação das guerras e da corrida dos armamentos. Com o aparecimento do País dos Sovietes, a luta pela prevenção de novas guerras adquiriu dimensões históricas sem precedentes, conseguiu uma base material e tornou-se uma realidade política.
Nos últimos anos de vida, Engels era o único líder espiritual do movimento operário internacional.

Todos os problemas relacionados com a direção do movimento e que outrora foram divididos com Marx, caíram sobre ele. A casa em Londres onde morava Engels, tornou-se uma espécie de estado-maior dos revolucionários de todo o mundo. Dali mantinha ligações com socialistas da Inglaterra, da Alemanha, da França, da Rússia, dos Estados Unidos e de outros países. Ali recebia correspondência em línguas diferentes das organizações socialistas e operárias. Ali se elaborava a estratégia da unidade do movimento operário internacional no novo período importante do seu desenvolvimento, e encontravam apoio as iniciativas sobre ações revolucionárias da classe operária.

“Sobre ele se pode dizer: “nele fundiram-se, num todo, a teoria e a prática”

Engels considerava como uma das tarefas principais a criação da nova Internacional Socialista. Por volta dos anos 80 do século passado, já existiam organizações proletárias na maior parte dos países europeus, e surgiu aí a necessidade imperativa de consolidar a solidariedade entre elas. No fim dos anos 80, a social-democracia européia desenrolou um vasto trabalho preparatório para convocar o congresso constituinte, e Engels empenhou-se em que a nova organização internacional fosse fundada sobre uma sólida base marxista. O seu trabalho não foi em vão.

Em 14 de julho de 1889, em Paris, reuniu-se o primeiro congresso marxista, ao qual assistiram 407 delegados, representantes de 22 nações. Na sala de congresso, viam-se as palavras-de-ordem “Proletários de todos os países, uni-vos!”, “Expropriação política e econômica da classe dos capitalistas, socialização dos meios de produção!”. O congresso formulou reivindicações programáticas sobre a legislação do trabalho, e a realização das manifestações do 1º de maio pelo dia de 8 horas de trabalho e pela solidariedade proletária internacional. A festa do 1º de Maio de 1890 foi uma demonstração viva do fortalecimento da unidade do movimento operário e das forças crescentes do proletariado. A II Internacional centrou a sua atenção no desenvolvimento dos partidos e organizações marxistas de massas em alguns países. A sua tarefa central foi a preparação da classe operária internacional para a revolução proletária.

Em 1893, apesar de sua idade e má saúde, Engels realizou uma viagem por vários países europeus com o fim de ativar a propaganda revolucionária das idéias marxistas. Em 12 de agosto, chegou a Zurique para assistir aos trabalhos do congresso internacional socialista operário. Ali se discutiram a tática política da social-democracia, as tarefas da luta pelo dia de trabalho de 8 horas, o trabalho nos sindicatos e a questão agrária. A sala recebeu o companheiro fiel de luta de Marx com aplausos clamorosos.

Em sua intervenção, Engels submeteu a uma crítica aguda o anarquismo, em torno do qual se travou a discussão durante todo o congresso. Salientou que, com a sua renúncia à estratégia e à tática do proletariado e a negação do papel dirigente do partido, os anarquistas enganam a classe operária e traem seus interesses. Engels condenou resolutamente os oportunistas que supunham por ingenuidade que se podia chegar ao socialismo só com boletins eleitorais. O orador exortou a manter e proteger, em todas as circunstâncias, a unidade na luta contra o capitalismo.

No início de setembro, Engels, acompanhado por Bebel, dirigiu-se a Viena, via Munique e Salsburgo. Houve saudações dos social-democratas; revelou-se novamente a tendência de Engels de evitar elogios eloquentes; outra vez fez lembrar as tarefas dos partidos proletários.

De Viena, Engels seguiu para Londres, via Alemanha. Essa viagem transformou-se numa verdadeira marcha triunfal das idéias do comunismo científico. Nos contatos com os social-democratas austríacos e alemães, Engels viu que a teoria do comunismo científico já se tornara patrimônio dos setores revolucionários da classe operária. E os operários que tiveram oportunidade de ver e escutar Engels ficavam maravilhados com a paixão revolucionária e a firmeza de princípios do dirigente operário, com o seu humanismo e modéstia.

No entanto, os anos e a vida difícil do revolucionário deixavam-se sentir cada vez mais, ainda que o enfraquecimento físico não pudesse desencorajar Engels. Opunha a ele um bom domínio de si próprio e a consciência do dever. E foi por isso que o seu espírito nunca ficou quebrantado. Mas, em março de 1895, sentiu outro ataque da doença, e em 5 de agosto do mesmo ano, às 22 horas e 30 minutos, deixou de bater o coração do insigne cientista revolucionário, um dos fundadores do comunismo científico. O movimento operário internacional perdeu um de seus maiores lutadores e pensadores. Na cerimônia do enterro, a 10 de agosto de 1895, participaram, a pedido insistente do testador, somente os seus amigos mais íntimos, discípulos e companheiros de luta. “Aqui estão presentes poucos” – disse Wilhelm Liebknecht – “mas estes poucos representam milhões de pessoas, todo o mundo… e eles prepararão a morte do capitalismo (…) Engels indicou-nos a todos o caminho e foi o dirigente nessa trajetória, foi o líder e o lutador. Nele fundiram-se num todo a teoria e a prática”.

EDIÇÃO 38, AGO/SET/OUT, 1995, PÁGINAS 63, 64, 65, 66, 67, 68