Uma luz no fim do túnel
Estamos apresentando um livro sobre o qual não sabemos o que mais destacar: se a lucidez dos conceitos ou a coragem política de enunciá-los no atual momento. Explico-me: o livro de Luiz Marcos Gomes sai exatamente no momento em que uma unanimidade artificialmente forjada coloca a proposta neoliberal como a única solução para os problemas do capitalismo (eufemisticamente chamado de democracia) e, por extensão, para os problemas que se apresentam diante da sociedade brasileira. Essa unanimidade nós encontramos na mídia eletrônica, jornais, estações de rádio, pronunciamentos dos formadores de opinião, Congresso Nacional, Poder Executivo, financistas, banqueiros, grandes empresários e até nas lideranças sindicais. E como se, de um momento para outro, todos pensassem da mesma forma, acreditassem nas mesmas soluções, supusessem que o chamado neoliberalismo fosse, de fato, o fim da história.
Em primeiro plano, apresentam como solução para os problemas do Brasil a execução e o bom êxito do Plano Real, que se confunde – para grandes setores da opinião pública – com a pessoa do atual Presidente Fernando Henrique Cardoso. Este, depois de uma campanha populista e demagógica onde se propunha a acabar com a pobreza, surge como o executor de um programa de cunho elitista, perverso, no qual os pobres irão ficar cada vez mais pobres e numerosos, e os ricos, cada vez mais ricos. Tudo isso é apresentado sob o manto de um projeto de modernização cujo conteúdo é simplesmente de recolonização do Brasil através do modelo elaborado pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. A chamada grande imprensa, inteiramente submissa a essa estratégia de dominação, repete, assim como a tevê e outros veículos de comunicação de massa, que o Brasil encontrou seu destino, e que o atual governo é o predestinado a transformá-la em uma nação moderna e esplendorosa.
E o que seria esta modernização? Ela seria um projeto que só pode ser entendido ma sua totalidade porque começa com a remodelação do Estado, passa pelos níveis econômico (privatização das estatais e estabelecimento da economia de mercado), social (lumpenização da população trabalhadora do país), sindical (pulverização do movimento sindical), cultural (abastardamento da cultura nacional), educacional (privatização do ensino público e destruição do papel das universidades), saúde (fim da Previdência e sucateamento da rede hospitalar do Estado) e político (voto distrital e extinção dos pequenos partidos).
O livro de Luiz Marcos Gomes é uma análise do novo capítulo em curso desse processo de neocolonização do Brasil e, por extensão, da América Latina. Nele o leitor encontrará, além de uma discussão teórica sobre o neoliberalismo (imperialismo tecnocrático), uma exposição dos mecanismos que estão sendo usados para implantá-lo no Brasil. Desde a montagem da campanha eleitoral de Fernando Henrique, a apresentação do Plano Real, o conteúdo das alianças partidárias, tudo já respondia às técnicas de dominação do imperialismo. Depois disso, com a vitória eleitoral, a aplicação do Consenso de Washington está sendo feita diante de uma opinião pública atônita, hipnotizada e silenciosa, que não teve tempo e/ou meios de fazer uma reavaliação política dos acontecimentos e responder a esse monólogo imposto pelo monopólio da informação e às mentiras oficiais. São capítulos nos quais o autor analisa os prolegômenos das atuais "reformas" como impostas pelo imperialismo, vendo "o que há atrás das reformas do Plano Real", o conteúdo das eleições e as conseqüências da "década perdida".
O problema da estabilização da economia nesse contexto vem demonstrar como o que os economistas chamam de reajustes do plano significa, na verdade, desajustes sociais nas áreas de trabalho, educação, cultura, saúde, família, habitação, locação fundiária e emprego. E um pano para lumpenizar a sociedade brasileira.
Um dos méritos deste livro é não discutir se o plano vai dar certo, ou não vai dar certo, dentro dos marcos do capitalismo e de seus interesses. O que está aqui em discussão é a essência de dominação global do plano, o seu conteúdo estratégico de racionalização da exploração imperialista no novo contexto internacional, surgido com a implosão da ex-URSS e do campo socialista.
E aqui que o autor se diferencia dos demais economistas que analisaram o plano e suas implicações de dominação dentro desta conjuntura internacional. Se o plano de FHC der certo, isso significará, por um lado, o enquadramento do Brasil no rol dos países satelizados e subordinados à dominação do capital internacional, especialmente dos Estados Unidos; e, por outro lado, o esvaziamento do Brasil como ser nacional.
Mas o mais lúcido no livro é a visão teórica. O autor não situa o plano neoliberal como simples saída econômica para o imperialismo. Questiona-o por seu uma solução que se contrapõe à solução socialista. Como eixo ideológico de toda essa problemática, está a luta contra o socialismo como solução capaz de acabar com a competição e a exploração, e a sua substituição por um tipo de economia planificada e sem conflitos estruturais – uma economia na qual o lucro não será o início e o fim de todas as ciosas.
EDIÇÃO 39, NOV/DEZ/JAN, 1994-1995, PÁGINAS 82