A poesia dos Cadernos Negros
1978: a sociedade civil promove vários atos de contestação ao regime autoritário. Entidades do movimento nego, no bojo desse processo, também se mobilizam em ações de afirmação da cidadania de uma população secularmente excluída. Na sede do extinto CECAN (Centro de Cultura e Arte Negra), na Bela Vista, um grupo de autores se reúne para publicar uma livro de poemas chamado Cadernos negros . A idéia de que os Cadernos se tornassem uma série logo criou corpo e, mais tarde, um dos seus criadores — Cuti — iria também ser o co-fundador de um grupo dedicado a discutir e publicar contos, poemas e ensaios afro-brasileiros. Esse grupo, chamado Quilombhoje, consolidou-se em 1982, quando recebeu autores como Oubi Inaê Kibuko, Sônia Fátima Conceição, Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves e Jamu Minka, o qual também havia ajudado a criar os Cadernos. A partir desse momento, o Quilombhoje começou a organizar a série.
Cadernos surgiu como resposta ao racismo vigente e ao descaso dos editores. É publicado anualmente, alternando poesia e contos e, em 1994, passou a ser co-editado pela Anita Garibaldi. O mais recente volume , Cadernos Negros 19, traz vinte e quatro poetas de várias regiões do Brasil e uma rica trama de símbolos, imagens e conceitos extraídos da experiência pluricultural de autores.
O livro mostra uma fase especialmente interessante da poesia: sua dimensão social e histórica, a qual é expressa pela abordagem que se faz da verdadeira história dos afro-brasileiros, uma história extraída dos subterrâneos da memória.
Os poetas também mergulham em vários temas, como a fome, o feminismo, a violência urbana, a batalha das classes excluídas e o preconceito racial contido nas relações humanas do dia-a-dia. Mas é, sobretudo, na mobilização das energias voltadas para a celebração da vida, para a exaltação da continuidade de lutas, sonhos, esperanças e amores, é aí que se encontra a força dos poemas, com seus versos polirrítmicos, com sua variadas formas, com sua musicalidade herdada de tradições africanas. Preste-se bastante atenção aos trabalhos de Conceição Evaristo, Cuti, Esmeralda Ribeiro, Jamu Minka, Jorge Siqueira e Lepê Correia, dentre outros de marcante beleza.
Este novo livro, o qual também conta com o apoio da Editora Convivência, é mais um lançamento do Quilombhoje e da Anita Garibaldi que tende a reverter o quadro de omissão e silêncio em relação à poesia afro de um país multiétnico. Este volume também mostra como a literatura pode se tornar uma forma de resistência cultural.