O livro do físico brasileiro Roberto Salmeron sobre a crise que atingiu a universidade de Brasília no período inicial do regime militar vinha sendo preparado, e era esperado, há algumas décadas. Salmeron reunia todas as credenciais para este empreendimento. Foi um dos principais protagonistas daqueles acontecimentos e adquiriu suficiente distanciamento para narrá-lo como documento histórico. Antes de vir para a UnB ele trabalhava na Europa, no CERN, o grande centro de pesquisas europeu para física de altas energias. Na UnB ele acumulou várias encargos sendo o Coordenador dos Institutos Centrais de Ciências e Tecnologia no período do desfecho da crise. Quando saiu da UnB Salmeron voltou para a Europa, de início para o CERN e em seguida para a Escola Politécnica de Paris, onde ainda trabalha, sendo seguramente um dos mais importantes cientistas brasileiros vivos.

O livro documenta "in extenso" as ações do regime militar que tiveram como desfecho – entre os anos de 1964 e 1965 – invasões policiais na universidade, prisão de professores e o afastamento de 79% dos docentes, dos quais 16 foram demitidos e 223 solicitaram demissão face à impossibilidade de continuarem trabalhando num quadro de dignidade e respeito à autonomia universitária. O seu valor não se restringe, contudo, à narração documentada da crise da UnB. Ele é a um só tempo uma reflexão sobre as vicissitudes que têm marcado a criação e o desenvolvimento das universidades brasileiras e uma consideração sobre a natureza das universidades contemporâneas, esta última apoiada na experiência do próprio autor em universidades e instituições científicas brasileiras e estrangeiras; sendo portanto documento relevante para todos que queiram refletir sobre os impasses contemporâneos das universidades.

A leitura do livro realça a fragilidade da vontade política das elites brasileiras construírem universidades dignas deste nome. Avulta a figura de Anísio Teixeira, criador de duas universidades, ambas vítimas de arbitrariedades das duas ditaduras que infelicitaram a nação neste século: a Universidade do Distrito Federal, fechada pelo Estado Novo, e a Universidade de Brasília. Mesmo na criação desta última Salmeron documenta que o argumento que finalmente levou Juscelino Kubitschek a aceitar a idéia de Lúcio Costa de criar uma universidade na que viria a ser a nova capital federal foi um argumento que mexeu com a vaidade de Juscelino acerca de como seria lembrado após a sua morte. Victor Nunes Leal lembrou ao presidente que Thomas Jefferson pediu que gravassem em seu túmulo as seguintes palavras: "Redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos, foi o autor do projeto de liberdade religiosa em Virgínia e fundou a universidade do mesmo estado", não querendo que incluíssem entre seus títulos o de presidente dos Estados Unidos (p. 39). Trágica história a dos países que dependem de embalar o orgulho de seus governantes para a criação de universidades.