Qual é o significado de um quadro abstrato? Como interpretar uma obra que à primeira vista parece destituída de sentido? Estas são algumas das questões que Maurício Puls procura responder no decorrer de seu livro. O encontro da resposta é fruto de um longo percurso que se desenvolve a partir da construção conceitual sólida e laboriosa nos sete capítulos que perfazem a obra.

Para tanto o autor recupera um velho conceito da estética que caiu por terra no início do século XX com o advento dos movimentos de vanguarda: o conceito de mimese: " … toda linguagem é mimética, isto é reproduz a realidade da qual faz parte: a linguagem reflete o homem e seu mundo" (p. 136). Não é à toa que o autor toma como orientação metodológica o materialismo histórico, única filosofia da atualidade que considera a mimese como fundamento da arte . A pintura é uma linguagem que reflete o mundo e como a escrita constitui-se por um predicado e um sujeito. Diversamente da expressão verbal, formada por palavras que se desenvolvem em uma seqüência temporal, a linguagem pictórica se constrói por signos que se desdobram no espaço: "cada sentença possui duas partes, um sujeito e um predicado.

Logo se o quadro é uma expressão semiótica então ele também possui um sujeito e um predicado.
Numa oração pictórica esses elementos se sucedem não em uma ordem temporal, mas em uma ordem espacial, pois aqui os signos se distribuem no espaço. Como se divide o espaço visual? Em figura e fundo. Na pintura, a figura constitui o sujeito (o tema) da sentença enquanto o fundo constitui o predicado (o rema)". (p. XVII)

O que distingue a pintura abstrata dos demais gêneros pictóricos é o fato de ter uma estrutura estética subjetiva, fundada na predominância do fundo (do predicado/ tema) sobre a figura (o sujeito/ tema). É por isso que o contemplador de uma pintura abstrata se defronta com uma obra aparentemente vazia, destituída de sentido.

A elipse do tema pictórico é uma característica inerente a toda pintura abstrata, fruto da realidade refletida pela obra "Quando o quadro é composto somente pelo fundo a elipse do tema é total: temos então um sujeito oculto indeterminado ( … ) o contemplador se defronta com uma obra aparentemente vazia, uma oração sem sentido. Mas este vazio não está na obra, mas na realidade que ela espelha. Não foi a linguagem que perdeu o significado, mas o real refletido pela obra. As obras parecem vazias porque espelham um mundo vazio, um mundo regido por uma abstração, o capital." (p. 185)

Se o sujeito pictórico encontra-se oculto na obra abstrata, expressão típica do mundo capitalista para o autor, é porque o homem contemporâneo perdeu sua importância em uma sociedade dominada pelo capital, transformou-se em mais um objeto dentre tantos outros, reduzindo-se à dimensão mercadológica: "a pintura abstrata é o espelho do capital ( … ) toda arte é mimética: ela se torna abstrata porque a abstração se desenvolve na realidade, porque com o advento do capitalismo a sociabilidade se apresenta aos indivíduos sob a forma do capital que é uma abstração que se manifesta sobretudo por meio de objetos mercantis". (p. 163)

Embora tendo inspiração declarada em Lukács o autor resgata a pintura abstrata da condenação a que o filósofo húngaro a submeteu: apesar de ser aparentemente desprovida de sentido a arte abstrata é rica em determinações da realidade, o que torna o livro bastante polêmico e instigante para aqueles olhares que costumam ver a arte do realismo socialista como a única saída para uma verdadeira crítica ideológica.

Para Puls a arte abstrata é neutra; nem conservadora, nem revolucionária, uma vez que ela reflete dialeticamente o real: é conservadora por consentir na reprodução do sistema, por refletir a sociedade dominada pelo capital, mas é revolucionária por reproduzir a alienação instaurada pelo modo de produção capitalista, por refletir a redução do homem contemporâneo à dimensão mercantil.
Por outro lado a análise sociológica acaba deixando de lado questões importantes a serem levadas em conta quando falamos de arte. Uma leitura um pouco mais aprofundada das obras abstratas propriamente ditas, as preocupações que Kandinski teve com os efeitos sinestésicos da cor, as diferenças estruturais entre um Mondrian e um Pollock, são questões que poderiam ter enriquecido o caminho trilhado pelo autor.