O cara, de nome Fictício, liga para o hotel onde a esposa estaria hospedada, participando de uma convenção. Outro homem atende ao telefone no quarto onde sua mulher deveria estar. Ele fica furioso mas não deixa transparecer, conversa com o cara que diz ser o namorado da referida mulher. Do outro lado, depois que o marido desligou o telefone, o amante ficou completamente preocupado. Falou para a mulher sobre o telefonema e esta, apavorada, concluiu: é meu marido, com certeza é meu marido, ele é um ciumento doente, não duvido nada se ele não aparecer aqui ainda hoje. Este louco é capaz de pegar um avião e vir aqui tomar satisfações. Que absurdo, e eu nem dou motivo para tanto ciúme.

      – Uma vez ele quase fez uma rudimentar mudança de sexo em um amigo meu. Só por que ele estava fazendo uma massagem em mim.

      – Para aí. O que você está tentando? Me apavorar?

      – Você ainda está tranqüilo?

      – Não!

      – Você também. Como é que diz que é meu namorado. Podia ter dito que era o rapaz da limpeza, qualquer coisa.

      – Pois é, eu disse qualquer coisa.

      – Só que foi a coisa errada!

      Do outro lado o sujeito estava aflito, já havia comprado a passagem aérea e se preparava para embarcar. Uma coisa trancava sua garganta, um frio se alojava em seu estômago. Perdia-se em pensamentos, já havia arquitetado o crime perfeito:

      "- Primeiro aguardo no saguão do hotel. Quando os pombinhos entrarem no elevador, subo pelas escadas, aperto a campainha do quarto. Quando abrirem a porta já entro chutando: "MAS QUE MEEEERRRRRDA É ESSA!?" E bang, bang, bang!! Depois me sumo. Aquela ingrata, aquela… Aquela… – Fictício não conseguia pensar direito – Safada!

      No hotel, a mulher estava à beira de um ataque de nervos. Não conseguia raciocinar: "Ligo para ele? Não. Vai ser pior, aí ele terá certeza. Depois, já deve estar a caminho mesmo. O que vamos fazer?" Pensava exaustivamente a mulher. – Ei! O que você está fazendo aí na janela?!

      – É… Nada. Estava olhando o céu.

      – Ah é? Pra olhar o céu não precisa subir na janela, não. E acho bom você se lembrar que estamos no décimo andar.

      – Tá! Tá bom, então. Você tem alguma saia do meu tamanho?

      – Não seja tolo homem. Você é um homem ou o quê?

      – O quê.

      – Como, "o quê"?

      – É que você perguntou…

      – Eu sei o que perguntei! – quase gritando.

      – Então quais as alternativas?

      – Hãaamm!

      – Ai, menina! Que vestido lindo o seu. E seu cabelo então: ficou lindo com este novo penteado. Estou mooorrrrrrrreeeeeennnndo de inveja. Boba!

      – Por que você está falando assim?

      – Ai, assim como, linda?

      – Deste jeito, afeminado?

      – Ah! Talvez o bofe acredite que sou viado e não nos mate.

      – Deixa de ser frouxo. Como que fui me meter com alguém como você? Ele não vai nos matar. Vamos dar um jeito mais digno. Não pensa, não pensa. Deixa que eu resolvo.

      – Vamos fugir?

      – Vamos!

      Enquanto isto, o marido, no saguão do prédio, vê sua mulher passar e entrar no elevador. Ele não agüenta mais a expectativa. Corre e puxa Puritânia para fora. Havia esquecido: o nome de sua mulher é Puritânia, uma pessoa boa, trabalhadora e muito família.

      – O que você está fazendo aqui?

      – O que você está fazendo aqui? – respondeu, devolvendo a pergunta com bastante ênfaze no "você".

      – Estou numa convenção como havia lhe dito. Ficou louco?

      – Que bela convenção, heim? O debatedor debate bem? Ele já introduziu o assunto? – o marido falava sem parar e carregando bastante nas ironias, numa tentativa de desmoralizar Puritânia – Mais alguém introduziu mais alguma coisa?

      – Não seja louco Fictício, eu não sei sobre o que você está falando.

      – Não se faça de desentendida. Posso até ser corno, mas bobo, não. O que é que estou dizendo?

      – Você precisa ir num centro de umbanda, deve estar possuído. – quase gritando com o marido. Este por sua vez já berrava com a esposa.

      – Hum! Que história é esta de centro de umbanda? Só por que você está com um encosto de um metro e setenta, não significa que eu esteja possuído.

      – Pára Fictício, pára! Me diz o que está acontecendo, depois, se você quiser,pode brigar a vontade.

      Nesta altura, dezenas de pessoas já assistiam à cena e participavam: "É, ela está certa: primeiro explica." "Não, o cara está certo. Como pode uma mulher viajar sozinha para introduzirem um assunto nela?".

      O burburinho continuava e os dois, que antes gritavam, não podiam mais nem falar, devido às intervenções.

      – Silêncio! – gritaram os dois ao mesmo tempo para a multidão.

      – Mas então, Fictício, o que houve?

      – Houve que eu liguei para você e um homem atendeu. Vamos, me diga: quem é este sujeito, onde ele está, eu quebro a fuça dele.

      Novo burburinho. Eles deram uma olhada para todos e, mais uma vez, o silêncio.

      – Mas não existe homem nenhum, homem! – respondia furiosa a mulher.

      – Existe sim! Eu ouvi a voz dele, falei com ele.

      Enquanto o casal discutia, se havia ou não um homem, a mulher e o seu amante que atendera ao telefone passaram sutilmente por entre a multidão. Os dois, de óculos escuros, olhavam para todos os lados, como agentes secretos passando por entre espiões. Assustados, se enfiaram no primeiro táxi que encontraram e sumiram o mais rápido possível.